Mercearia
antiga, tempos modernos...
Levando-se em
consideração que o Compact Disc (CD) de músicas teve somente uma década de vida
antes de ser tragado pelas compressões de arquivos (MP3, Ogg Vorbis, Flac e afins)
com devida difusão através de transmissões de dados, já não dá para se espantar
com a quantidade de ‘plays’ (Deezer, Spotify, Netflix, entre outros) espalhados
por aí.
Verdade
verdadeira, é um ‘eita’ atras de ‘eita’!
Com pequenos
valores de assinatura, universos inteiros de conteúdo jamais imaginados na
história do mundo: ao alcance da mão pelos botões dos controles remotos.
Não que isso
seja a ‘salvação da lavoura’: no caso dos produtores de conteúdo (músicos,
cineastas, diretores(as) e semelhantes), uma recorrente reclamação de ‘paga
ruim’. De fato, muito dinheiro jorrando para pífios repasses.
Só tem um
‘pobreminha’: ou é isso, ou anonimato. É possível partir para a difusão
independente? É. Porém, até que o troço pegue no breu, é de encher a veia do
pescoço.
A armadilha é
bem feita: escapa-se das agruras de divulgação do próprio trabalho, mas a queda
nas garras dos péssimos pagamentos é líquida e certa! Aquela máxima de “... the
winner takes it all...” vai por terra: pode ser Abba, Anitta, Chico Bento &
Cebolinha, ‘samba-de-não-sei-o-quê’... se não caprichar em bons cachês para
apresentações ‘ao vivo & em cores’, lascou-se!
É pires na mão!
Uma mão na frente, ...
Tal assunto
ergue um muro, no mínimo, irritante: a maldita mediação. ‘Plays’ como os
supracitados, em nome do conforto, comodidade e “... assinatura do
inconsciente...” (alô, Lacan! Aquele abraço!), meio que ‘cagam regra’ e
direcionam (na tora!) o que o(a) querido(a) freguês(a) deve ver, deve ouvir,
com sugestões, no mínimo, ‘populescas’.
Ganho R$ 1 mil
se o(a) freguês(a) receber, como destaques da semana, Thelonious Monk, Röyksopp
ou Bethoven em qualquer ‘play’ desses de música. Podem apostar: no ‘playlist’
sugerido, uma penca de tranqueiras.
Purismos à parte
(posto que ninguém toca Portishead no Axé Moi sob a justificativa de não se
avacalhar a dança-do-acasalamento), vivemos a era da ‘mediação eletrônica’.
Isso vale para a diversão ‘em carne & osso’ também.
Um bar,
restaurante ou “balada” divulgar sua noite, atrações e promoções, nada mais
natural. Telefones celulares e seus aplicativos denominados “redes sociais” são
o ‘novo cartaz’ e/ou o ‘novo outdoor’ do século XXI: por eles, é possível
agendar interessante programação para o “finde”.
O ‘senão’, nesse
caso, vem dos chamados grupos (alguns fechados e não públicos) dessas mesmas
‘redes sociais’ (Facebook, WhatsApp, Telegram, Messenger, ‘Story’ do Instagram,
blá, blá, blá...): tentativas canhestras de “enquadramento” social por
intermédio de ‘fazer a cabeça’ quanto uma certa diversão ser melhor que outra.
Além da velha
prática do(a) querido(a) freguês(a) só fazer parte da ‘tchurma’ se vestir tal
coisa, dirigir tal veículo, morar em tal CEP, ter determinada quantia em
determinada conta bancária, et cetera, et cetera, et cetera, o trem se aplica
igualmente ao tipo de diversão que se deva ter.
“Balada boa,
para se dar bem, é a minha, e não a sua...”. “Hmm... ‘tá’! Legal...”. A
‘Colonização do Outro’ na cara dura?! Entendemos. Ou não?! É bom avisar que
“ambiente estruturado” costuma ser prática de cérebros doentes...
Porque se perde
o essencial da boemia: o ‘flanar’. Boemia boa não tem endereço certo, nem
bebida adequada, nem companhia escolhida. É uma fruição, um fluir, um ‘feliz
acidente’ pelos encontros randômicos. Às vezes tem cerveja, às vezes a cerveja
está quente, às vezes tem música, em outras não tem... às vezes encontramos
desafetos, em outras, pessoas que sequer imaginamos, e nos encantamos por ela.
Mediação
eletrônica, ou qualquer tipo de mediação inumana, além de matar qualquer coisa
ou a própria vida, detona a boemia. Noite boa é noite orgânica, fora dos planos
das agendas e dos calendários. Algo intuitivo, que acontece porque acontece, e
encanta por isso. Fuja da pauta na hora de se divertir, querido(a) freguês(a).
Ou, então, prepare-se para tutelar o próprio gozo.
Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
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