Friday, June 8, 2018

POEMAS DESCABIDOS PARA TEMPOS DESABITADOS: “POEMA DE OUTONO” (por Flávio Viegas Amoreira)




"E quando soar o sino, não estiveres por perto
o templo ainda reverbera em ti o sentido daquele instante
não mais consolação / ainda assim o silêncio compartido ecoa dum maio que também partia depois da magia duma noite sem retorno
não tens mais aquele maio / nem mais aquela precisa noite

volta-te ao mar da tua origem: a ele pede reflexos que retenham a lembrança: que as vagas contenham nas ondas o pó do teu destino
quando o inverno diz mais uma vez solidão
responde terno: tiveste num maio passado pausa ao tormento:
foste o homem com seu amado
das ruas em silêncio / do vinho ainda em teu hálito;
cálamo num casto leito
paixão tão em teu repouso

a vida não é entendível
compreender no vácuo do absurdo
no gesto donde escreve

foste apartado do meu tempo / mas desde o copo a boca nenhum amargor
ou ranço / poeto, esvoa-ço

é a manhã que me sopra e preenche a fala dos homens que crêem nas páginas em branco / vai por quem quiseres e aceita que a folha siga
como o ocaso que arde ainda no fogo
torna-te ode / elegia
eras um corpo
agora queda na estante / só amanhece no rosto que move a escrita

longe é onde a ausência é menor que o desespero
impossível é o estado da desistência no bom acaso mal percebido

poesia é a razão sobrevoando de asas soltas
é amor de caso pensado;
se amas, mergulha. nada deve ser deixado pela metade
nem o naufrágio se tanto queiras...
hoje estou livre da paixão de teu corpo, embarcou um oceano em mim..."



Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).



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