Madrid,
algum dia de junho de 2018
Caros
Amigos,
A inesperada e temprana morte de Anthony Bourdain me
fez, uma vez mais, pensar que diabos fazemos aqui. E mais que isso, foi a
primeira morte de um grande ídolo que vivi. Eu ainda não existia quando Jim,
Jimi e Janis partiram e era pequena demais quando foi a vez de Lennon. Em 2011,
Amy nos deixou e egoísta de mim, fiquei mais triste de não poder vê-la ao vivo
aqui em Madrid em 2008, do que a sua morte propriamente dita.
Em 94, quando Kurt Cobain se uniu ao clube dos 27,
pensei “putz cara babaca, pegou um rifle e acabou com tudo... se nunca quis ser
um rockstar, que tivesse feito outra coisa...” Nunca perdoei o grunge por ter
acabado com o “Hair Metal” dos 80 e
nunca consegui entender o porquê daquela gente que tinha tudo e de
repente, boom! Se acabou!
Passei mais de vinte anos sem saber que eu mesma tinha
uma depressão profunda – eu sempre fui, apesar de ter tido uma infância,
digamos, mais ou menos solitária, algumas coisas me faziam feliz e nunca me
faltou de nada. Quem sabe, até tive muito de tudo, no sentido material. Aí eu descobri o rock e os solos de guitarra
e decidi que seria ser uma rockstar.
Quando eu acordei do meu sonho rock'n'roll, despertei
para um pesadelo vivo. Desorientadíssima, escolhi fazer uma faculdade, que não
tinha muita certeza, acabei fazendo tudo nas "coxas", mas levei
grandes lembranças e bons amigos até hoje. Entretanto não foi a indecisão
profissional que me levou à depressão. Foi um ataque sexual que sofri quando
tinha 18 anos, voltando de uma noitada. Foram mais de vinte anos, sentindo
culpa, medo, vergonha, odiando meu próprio corpo, buscando relações vazias e
muitas vezes desejando que aquele desconhecido tivesse me matado, só para não
viver com aquela dor. Uma dor que eu guardava no mais profundo do meu disco
duro - às vezes penso quando gigas-mega-tera-bytes pode armazenar a nossa
memória. Muitas vezes desejei que existisse como naquele filme da Kate Winslet
e o Jim Carrey, um aparelho que apagasse as nossas bad-trips. Mas como isso
nunca existiu, aprendi a viver com isso na minha cabeça, e ainda que tentasse
dar uma aparência de que estava tudo bem, eu cada vez me afundava mais.
Até unos dois anos atrás, cheguei no meu pior estado
físico. Não cheguei a ter nenhum problema grave de saúde, mas tomei uma decisão
radical (como muitas que tomei na minha vida – talvez pelo fato de ter nascido
prematura – sempre com pressa) de reduzir o meu estômago. Em uma história que
pareceu um filme da franquia Bourne Identity- viajei a
Lituânia para um turismo médico e finalmente consegui a tão sonhada operação.
Em todo esse processo, cheguei a perder quase 70
quilos. Sempre fui uma pessoa muito segura, e achei que estava preparada. Mas
não estava. Depois da operação sofri distúrbios alimentários. Primeiro a
anorexia – simplesmente não queria comer para não "joder" a operação
- me sentia como se tivesse comprado um Masseratti sem seguro e o batia no dia
seguinte. Cheguei a pesar 58 quilos, com o bastante alta que sou. Parecia um
judeu de um campo de concentração. A mandíbula marcada, as costelas salientes,
qualquer um podia contar os discos da minha coluna e o meus braços finíssimos
me davam um ar frágil. Um dia no verão
do ano passado, fui à Gran Via dar um passeio e as pessoas me olhavam como se
eu fosse um alien e algumas inclusive davam a volta para continuar me olhando o
magra que eu estava. Depois da anorexia, veio a bulimia. Quando o meu corpo
começou a aceitar mais comida, comecei a me sentir culpada por comer, porque
justamente não queria estragar tudo. Além disso a pressão no meu ambiente de
trabalho, porque mesmo que eu tivesse conseguido um ótimo emprego e tinha tudo,
eu não era feliz.
Não era feliz quando era gorda, nem feliz quando
fiquei magra. Fui diagnosticada com um quadro de depressão severa, agravada
pela bulimia. Fiquei três meses de licença médica - nesse tempo, no auge da
minha doença, raspei a cabeça e tentei me suicidar duas vezes. Agora eu
entendia o que era ter tudo, o trabalho dos seus sonhos, dinheiro, liberdade,
mas não se sentir completa. Essa era a famosa depressão. Voltando à morte do
Bourdain, me doeu muito porque ele se suicidou da mesma forma que eu tinha
tentado menos de um ano antes. Ainda que me doa muito a perda do cozinheiro
rock star, ele teve "cojones"; como dizemos aqui na España. Eu não
tive. Quando percebi que estava quase conseguindo, parei. Parei porque alguma
coisa dentro de mim ainda queria viver. Hoje com 40 anos, como se diz em
inglês, "I came to terms with my life, with my body, my sexuality and
with evertyhintg that happened." Aceito tudo o que aconteceu comigo e
aprendi a viver com isso. É como uma a ferida que cicatriza, mas que de vez em
quando você sente um repuxão.
E aqui estou. Escrevendo, colocando todos os meus
demônios para fora e tomando a famosa droga da felicidade, o Prozac. Ainda
estou sob tratamento médico e não estou cem por cento, mas infinitamente melhor
do que há um ano atrás. And in love – in love with Mr. Blue Eyes. Nesse meio
tempo curti noites e noites com roqueiros veteranos da cena madrilenha, mas
nada se compara ao Mr. Blue Eyes.
(Grafitti de autor desconhecido no bairro de Valdeacederas, Madrid. Foto por Juliana Rosano)
(Grafitti de autor desconhecido no bairro de Valdeacederas, Madrid. Foto por Juliana Rosano)
Bom, falei muito e não falei nada. Mudando de alhos
para bugalhos. Recentemente mudamos de
governo, passamos do arcaico Partido Popular ao governo socialista do PSOE, que
aos dois dias já teve o seu primeiro escândalo: o Ministro de Cultura sonegou
mais de 500 mil euros em impostos e acabou demitindo. Apesar disso, em outra
esfera, acolhemos os barcos de imigrantes que nem a Itália nem Malta aceitaram.
Eu, como estudiosa do Holocausto, não poderia ficar impassível a esta situação
e uma lágrima rolou quando li que o governo español decidiu deixar desembarcar
os imigrantes no porto de Valencia. A Europa está cada vez mais dividida e
sinceramente não sei quanto mais tempo vai durar esse papo de um continente
unido.
E no âmbito cultural, duas exposições muito bacanas
começaram há pouco: uma sobre o Dadaísmo Russo e outra sobre o nascimento da Op
Art – tenho intenção de visitar as duas, mas antes no sábado vou curtir um rock
e vou ver o show do Ozzy Osbourne, como diz um querido amigo meu, o pior melhor
cantor de todos os tempos – ou alguma coisa assim.
Bueno, por fin, creo que por hoy es todo... Ah, por
cierto, ya empezó el verano y con él, o cheiro de esgoto na rua, o cheiro de
suor no metrô e todos os cheiros ruins que alguém possa imaginar... Mas é o
tempo do calor e como não, nossa natureza humana nunca está contente com nada.
Pues nada, amigos, aquí os dejo y hasta la próxima,
Un beso a todos,
Juliana (aka La Juli)
Juliana Rosano nasceu
em Santos SP em 1978,
e vive na Espanha há alguns anos.
Esta é sua segunda colaboração
para LEVA UM CASAQUINHO.
em Santos SP em 1978,
e vive na Espanha há alguns anos.
Esta é sua segunda colaboração
para LEVA UM CASAQUINHO.
Juliana, imensamente feliz por você ter "superado" tudo isso agradeço por ter compartilhado sua história conosco. Acredito que acompanhar outros casos em estágios diferentes pode ser um grande alento para quem está às voltas com o problema. Muita luz no seu caminho, hoje e sempre!
ReplyDeleteE quanto à decisão do novo governo espanhol de receber os imigrantes fica claro a diferença que faz ter um governo mais a esquerda, não? Que consigamos construir acordos mais amplos para afastar essa onda global de retrocesso - em todos as dimensões -, aqui no Brasil e em toda parte!