Sunday, April 19, 2015

'CASA GRANDE": CINEMA URBANO INSTIGANTE E TECNICAMENTE IMPECÁVEL (por Carlos Cirne)

publicado originalmente em COLUNAS E NOTAS

“Casa Grande”, primeiro longa de ficção do editor/roteirista Fellipe Barbosa – que realizou antes dois curtas, “La Muerte es Pequeña” (2005) e “Beijo de Sal” (2007) e o documentário “Laura” (2011) -, faz, a princípio, clara alusão ao clássico estudo socioeconômico “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freyre, analisando as relações entre os vários extratos numa abastada casa da Barra, no Rio de Janeiro.

Abastada mas falida, ainda que não visivelmente, da superfície. E é justamente esta falência econômica que desestabiliza completamente este microcosmo da sociedade brasileira. A família, estereotipada (para o bem, neste caso), reflete grande parcela da classe média alta existente no país.

Hugo, executivo do mercado de ações – em desempenho surpreendentemente delicado e sutil, em sua arrogância, de Marcelo Novaes – vê aos poucos sua fortuna se esvaindo pelo ralo quando, desempregado, realiza alguns maus investimentos – para si e para alguns amigos também – mas precisa manter as aparências para tentar voltar ao mercado de trabalho. Para tanto, nem “a poupança das crianças” é sagrada.

Sua esposa – Suzana Pires, fugindo da persona “perua gostosona”, muito bem no papel -, para ajudar a manter as contas mais ou menos em dia, torna-se uma consultora estética (vende cosméticos em domicílio), além de dar aulas de francês (nos estertores de sua influência na sociedade “chic” carioca) a suas amigas, procurando ignorar, pelo bem das aparências, as reais condições de sua conta bancária. Tudo isso e ainda lidar com a criadagem, que insiste em ter opinião a respeito de quase tudo, inclusive sobre receber em dia seus salários.


E, em meio a tudo isso, os filhos, Natalie – a adolescente revoltada e devidamente ignorada que furta dinheiro do pai e sabe de quase tudo que acontece na casa -, e Jean – o estreante Thales Cavalcanti, que só peca no quase incompreensível sotaque carioca -, o verdadeiro protagonista do filme, em sua saga de desajuste social, tendo que mudar sua rotina do chofer particular para o transporte coletivo, enquanto tenta, sem muito sucesso, participar mais ativamente da vida da senzala, seduzindo a copeira Rita – a excelente Clarissa Pinheiro.

O grande trunfo do filme de Fellipe Barbosa é o roteiro em que se apoia, da autoria dele mesmo e Karen Sztajnberg, que apesar do didatismo de algumas situações – não precisava “desenhar” tanto – consegue manter o ritmo coeso por quase todo o filme. E a uniformidade da qualidade dos desempenhos de todo o elenco, dando credibilidade a estes personagens tão próximos de virarem clichês.


Questões espinhosas como relações trabalhistas, sistema de cotas no ensino superior, a falta de perspectiva do jovem estudante frente a um mercado de trabalho completamente competitivo e adverso, e relações inter-raciais são discutidas de maneira fluida e orgânica, sem cair em tom de pafletagem ou pregação partidária. E, principalmente, sem tomar muito partido também. Pelo menos até a cena final, quando as relações de poder e dominação são novamente colocadas em cheque, e o panorama atual parece se perpetuar, mais uma vez.

Cinema urbano, instigante e tecnicamente impecável. Muito bem realizado. Não perca!


CASA GRANDE
(2014 – Brasil - 115’)

Direção
Fellipe Barbosa

Roteiro
Fellipe Barbosa
Karen Sztajnberg

Elenco
Thales Cavalcanti
Marcello Novaes
Suzana Pires
Alice Melo
Bruna Amaya
Clarissa Pinheiro

Em cartaz no Cinespaço Shopping Miramar
Sessões às 13h50, 16h10 e 20h50 horas





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