Wednesday, April 12, 2017

A DANÇA DAS MOCINHAS (uma crônica de Eduardo Vieira)



Ser mocinha nas novelas de hoje não está nada fácil.

A esta não é permitido mais ser moldada como personagens oriundas de histórias do século passado (que foi ontem), nem podem mostrar um comportamento que não seja esperado do que sabemos sobre as heroínas.

Os autores estão tendo de encontrar um meio termo pra esse tipo de personagem.


Janete Clair conseguia construir esse tipo de mulher muito bem em suas novelas: Gloria Menezes em ‘Irmãos Coragem’ sabiamente foi construída com várias camadas de personalidade, quando achávamos Lara meio sem graça, logo aparecia Diana - sua antípoda, uma mulher à altura do movimento que o ritmo da novela propunha.

Durante algum tempo tivemos mocinhas frágeis como pedia a sociedade de uma determinada época, mas quase nunca não agentes das tramas.


Entretanto vemos, por exemplo, em ‘Locomotivas’, de Cassiano Gabus Mendes, o advento da mocinha um tanto vilanizada - feita por Lucélia Santos depois da doce Isaura, um papel bastante sofrido que contava com a torcida de um país.

Aliás, o autor sempre nos mostrou suas heroínas fora de um estereótipo, por isso sua modernidade no setor teledramatúrgico, como também a Nice de ‘Anjo Mau’ ou a Shana de ‘Te Contei?’.

Mulheres fortes que sabiam o que queriam, interpretadas de modo perfeito por Suzana Vieira e Maria Claudia, respectivamente.

Porém a mocinha foi perdendo seu valor na história pela cada vez maior exigência das novelas terem vilãs.

A sociedade com suas distorções e farta do chamado politicamente correto tem se identificado cada vez mais com esse tipo de personagem libertário, por isso cada vez mais está difícil de construir protagonistas que tenham respeito do público.


Em 'O Dono do Mundo', novela de Gilberto Braga, notamos a rejeição da mocinha feita por Malu Mader logo no início, no arriscado plot de traição no dia do casamento.

Moral da história: tal posto foi dividido por Leticia Sabatella, que fazia uma mulher de personalidade (Thaís), mesmo sendo garota de programa e a justa personagem de Glória Pires, Stella, que recomeça sua vida depois de enganada pelo marido.


Numa trama do mesmo Gilberto Braga, houve igualmente um problema de falta total de identificação com a mocinha: em ‘Insensato Coração’, Marina Drummond (Paola Oliveira) era vista como uma personagem morna, chata, muito vítima das circunstâncias e armadilhas plantadas pelo próprio cunhado.

Talvez isso possa ser explicado pelo fato de tal papel ter sido escrito para outra atriz que talvez desse a força que o papel exigia.

Maior engenhosidade teve a autora Cristiane Friedmann em sua ‘Vidas em Jogo’, nos nublando a vista, e trocando as bolas ao decorrer da novela -- a mocinha mostrando-se uma cruel vilã, Rita (Juliane Trevisol) e a vilãzinha Patrícia (Thaís Fersoza) -- humanizando-se graças ao amor de um filho.


Igual recurso houve também em ‘Eterna Magia’, de Elizabeth Jihn, em que Malu Mader de vilã passa a heroína da história e a mocinha frágil feita por Maria Flor ocupa o cargo de algoz, mesmo arrependendo-se no fim da história.

Em ‘Lado a Lado’, nos damos ao luxo de ter duas de uma vez, as tais que seguem juntas, compondo o retrato da força da mulher que escolheu viver pela sua própria consciência e pagando o preço por isso; estas contam com o apoio do público, pois demonstram ética que muitas mulheres ainda não têm nos dias de hoje.


No remake de ‘Guerra dos Sexos’, temos uma mocinha mais estereotipada e ainda um tanto amorfa por ser herança de outra atriz: Mariana Ximenes é muito atriz para pouco personagem, mas mesmo assim faz da sua Juliana uma mulher dividida entre ser o que acham que ela é e o que ela é realmente, uma mulher passional.

Contudo penso que a verdadeira mocinha ou moçona, no caso, é Roberta Leone -- de novo Glória Pires, que construiu a personagem do seu jeito com menos humor e mais drama, sua verdadeira seara, e que tem saído ilesa a algumas críticas que o texto recauchutado vem recebendo.


Finalmente, a mais problemática de todos, Morena, da trama de ‘Salve Jorge’. Glória Perez corajosamente escreve uma personagem que já traz consigo o estigma de anti-heroína: uma mulher desbocada, briguenta, mal humorada por vezes, nada clássica.

Nanda Costa já ganhou prêmios no cinema, e por mais que sua Morena seja “raçuda”, mãe, destemida, demorou muito até que o público se identificasse com ela como se identificou com Rose, a personagem de Camila Pitanga em ‘Cama de Gato’, ou com Penha, personagem de Thaís Araújo em ‘Cheias de Charme’.

Ficam as questões:

Qual o perfil que uma mocinha deve ter nas novelas que ainda vem por aí?

Qual o limite que uma mocinha de novela não deve atravessar?


Eduardo Vieira é um professor de Português,
mas é viciado em novelas e séries de TV
desde a mais tenra idade,
e acaba de unir forças
ao time de colaboradores
de LEVA UM CASAQUINHO
para escrever justamente
sobre esse assunto.

FELIZ SEMANA SANTA
PARA TODOS

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