Thursday, April 13, 2017

RESENHAS AO LÉU: O AMOR EM TEMPOS DE GUERRA, SEGUNDO WILLIAM BOYD



William Boyd é um escritor um tanto quanto peculiar.

Se por um lado ele é o herdeiro legítimo daquele tipo de literatura produzida por Ian Fleming e outros autores muito populares nos Anos 50 e 60, por outro ele almeja vôos mais altos abraçando projetos arrojados, na tradição da melhor produção de Graham Greene e Kingsley Amis. Em seus romances, ele busca conciliar esses dois universos literários, visando agradar a vários segmentos de leitores. E consegue. Aliás, está virando um mestre nisso.



"À Espera do Amanhecer", seu penúltimo romance, é um exemplo perfeito desse tipo de iniciativa. Estamos em Viena, 1913. Num belo dia em agosto, um jovem ator inglês está na cidade para o seu primeiro encontro com um eminente psiquiatra. Enquanto espera para ser atendido, entra na sala uma mulher lindíssima, que está desesperada, fugindo de alguma coisa, e ele é imediatamente engolido por seus olhos castanhos profundos. Ela se apresenta como sendo escultora, e o convida para uma festa promovida por seu amante, o famoso pintor Udo Hoff. Começam um tórrido caso de amor, e então Viena se transforma no cenário perfeito para um envolvimento romântico deste tipo.

Já no ano seguinte, em Londres, nos deparamos com uma situação bem diversa. A Guerra começa a se aproximar, promovendo mudanças drásticas na vida de todos. Nosso ator está de volta à cidade, e, devido a seus contatos em Viena, é arregimentado pela Inteligência Britânica como espião. Desnecessário dizer que isso vai afetar diretamente sua vida amorosa com a escultora, mas... Guerra é Guerra! E ele é designado para descobrir a chave para um código secreto que ameaça a segurança de toda a Grã-Bretanha, embarcando no teatro perigoso da Inteligência em tempos de guerra.

De Viena ao West End londrino, dos Campos de Batalha da França aos quartos de hotel em Genebra, "À Espera do Amanhecer" é uma viagem febril e fascinante pela vida cotidiana daquele momento histórico, e difere drasticamente dos inúmeros romances escritos ao longo de um século inteiro com a mesma temática, sempre com narrativa mais convencional. Boyd escreve de forma extremamente arrojada. Como é professor universitário de inglês, conhece literatura profundamente e consegue desenvolver thrillers rocambolescos deliciosos com um estofo artístico e estilístico que qualquer escritor que seja especialista em thrillers jamais se preocuparia em ostentar. E é justamente isso que faz os livros dele tão especiais.



Às vezes, em "À Espera do Amanhecer", até parece que estamos diante de uma grande obra literária. Mas não estamos. Trata-se apenas de literatura de entretenimento escrita por um mestre, sempre com muita nonchalance e e muita sagacidade. Fãs de John le Carré, por exemplo, que não primam pelo bom humor, e que por ventura venham a ler este livro, vão achar Boyd um filisteu imperdoável por lidar com uma temática tão complexa de forma tão ligeira. Já fãs de Graham Greene e Kingsley Amis certamente irão gostar de suas brincadeiras na montanha russa da história, e vão devorar as quase 400 páginas de "À Espera do Amanhecer" com prazer.

Ninguém pode reclamar de falta de ação nos romances de William Boyd. Pode, se quiser, reclamar de exagero. Mas seria tolice reclamar disso, na medida em que "À Espera do Amanhecer" não engana ninguém em suas intenções. É um romance ligeiro de entretenimento escrito por um escritor sério, muito aparelhado, com plenos poderes sobre seu métier. Boyd envolve seus leitores com uma narrativa tão ofegante e, ao mesmo tempo, tão cativante que até nos faz relevar algumas inverossimilhanças que vão surgindo pelo caminho. O importante, para Boyd, é não deixar o ritmo da narrativa cair, formulando capítulos curtos e concisos repletos de acontecimentos, informações e personagens com atitudes inusitadas.



"À Espera do Amanhecer" foi lançado em Londres em 2011 e chegou por aqui no ano seguinte, pela Editora Amarilys. Mal lançado, acabou passando quase despercebido pelas livrarias. Recebeu pouquíssimas resenhas nos principais suplementos literários e guias de livros. Foi o último romance de William Boyd antes de aceitar a incumbência dos herdeiros de Ian Fleming para dar sequência às aventuras de James Bond. "Solo" (2013) foi a primeira aventura de Bond escrita por Boyd. Se passa no final dos Anos 60, e é bastante inusitado e deliciosamente rocambolesco. Boyd tem um apreço todo especial por tramas movimentadas e imprevisíveis.

Eu achei "À Espera do Amanhecer" dando sopa por 10 reais num saldão de livros na Estação Jabaquara do Metrô, e levei o livro para casa. Acabou rendendo um final de semana extremamente agradável. Relação custo-benefício altíssima. Dá para imaginar este romance virando uma minissérie para a TV inglesa sob a direção de Stephen Poliakoff. É entretenimento literário de primeira linha. Sendo assim, não resista. Divirta-se.


À ESPERA DO AMANHECER
William Boyd
Editora Amarilys

Título original
WAITING FOR SUNRISE

372 Páginas

Preço:
R$12 a R$40
na ESTANTE VIRTUAL



Chico Marques devora livros
desde que se conhece por gente.
Estudou Literatura Inglesa
na Universidade de Brasília
e leu com muito prazer
uma quantidade considerável
de volumes da espetacular
Biblioteca da UnB.
Vive em Santos SP, onde,
entre outros afazeres,
edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO


FELIZ SEMANA SANTA
PARA TODOS

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