Wednesday, April 5, 2017

GILBERTO BRAGA E A MODERNIDADE DAS NOVELAS? (por Eduardo Vieira)



Toda vez que se comenta sobre modernidade na teledramaturgia, vemos o velho e autêntico exemplo de Beto Rockfeller, novela de Bráulio Pedroso contando como um marco sobrepondo-se à maneira antiga de se fazer o gênero, com seu universo de condes, reis e princesas. Antes da novela de Bráulio, Lauro César Muniz já havia tentado traduzir o estilo de vida brasileiro por meio de obras como Ninguém Crê em Mim, com falas mais de acordo com nosso tempo.

Uma vez consolidada esse tipo de linguagem, com a qual o povo já mantinha uma grande identificação, o que fazer para que as tramas evoluíssem assim como a sociedade que a assistia?

Sabemos que na vida real, cada vez menos real, a meu ver, pois somos seres moldados também pela ficção, aconteciam coisas que não podiam ser retratadas nas novelas, refúgios dos brasileiros dos problemas do cotidiano, tendo até hoje uma pecha de serem obras de alienação da vida social.

Contudo, o bloqueio desse preconceito foi furado por intelectuais do porte do autor citado, Lauro César Muniz, além de outros, que simbolicamente, chamamos de autores das dez da noite, horário em que se podia discorrer sobre assuntos mais diversos.


Essa evolução surge nas novelas das oito com o auxílio providencial de Daniel Filho, quando Janete Clair escreve o tapa-buracos da então censurada Roque Santeiro, a novela Pecado Capital. Em comum acordo com o diretor, Janete escreve uma trama mais realista, mas igualmente romântica e passional, o que sempre foi sua marca registrada.

Porém, surge em 1979, um autor que vem definir aspectos mais prosaicos e naturais sobre os costumes da sociedade, Gilberto Braga, quando é alçado ao horário das 20:00, com sua clássica Dancin' Days. Gilberto traz uma trama que envolve uma heroína presidiária, coluna social e discoteca, ritmo que era uma febre no Brasil da época.


O autor permeia sua história sem medo, contrapondo valores de uma classe média em decadência a uma em ascensão, as pessoas que moram na Vieira Souto, mesmo tendo um passado mais pobre, como é o caso da antagonista vivida por Joana Fomm, que se apóia num casamento de interesse com um indivíduo que vem de uma classe social superior. Porém esses ricos não se atêm, como nas novelas anteriores, a viverem numa “gaiola” e serem meros Romeus ou Julietas, ou seja, apenas impedimentos sociais, eles misturam-se às classes inferiores, como num manifesto do autor, que enxerga valores de genuína nobreza tanto nas classes ricas como nas menos favorecidas, com isso ajudando a quebrar estereótipos perpetuados em quase todas as estruturas de novelas que vieram anteriormente.


Entretanto, sempre quando se fala em Gilberto Braga, cita-se essa novela e a mais do que excelente Vale Tudo, escrita em parceria com o autor Aguinaldo Silva. Contudo, acho que o auge de modernidade em novelas foi atingida com sua trama posterior, Água Viva, em 1980, um título que nos remete ao mar, grande cenário dessa história, em que o herói “torto”, Nelson Fragonard, Reginaldo Faria, um ator mais de cinema, vive num barco e nega-se a ter uma vida normal, até que algo vem mudar essa instabilidade, o amor de uma mulher ambiciosa, uma batalhadora alpinista social (na época ainda havia personagens assim que não eram vilãs) e a possibilidade de uma filha , o que obrigaria esse homem a colocar uma âncora em sua vida.


A estrutura da novela já era diferente, os ricos são pessoas boníssimas, feitos com perfeição Por Raul Cortez e Tetê Medina e a doidivanas Stela Simpson, papel de Tônia Carrero, lindíssima, personagem amada por todos.

A ótica social crítica era vista pelos olhos da estudante Janete (Lucélia Santos), não por coincidência o terceiro nome do elenco, que era amigo dos personagens ricos, Gloria Pires, Kadu Moliterno, Maria Padilha mas contestava tudo aquilo, achando tudo muito pequeno burguês, viagem, etiqueta, enfim tudo que representasse um abismo entre as classes sociais. Mas também ela cai em uma armadilha, apaixonando-se por um estudante de medicina, filho da vilã da história, a classe média metida à rica, Lourdes Mesquita, papel de Beatriz Segall, soberba (sem duplo sentido).

Na novela discutia-se assuntos como divórcio, pensão, guarda de filhos - temas que eram tratados até então como esboço em outras histórias. Também na parte mais sofisticada existiam temas polêmicos como o topless nas praias do Rio de Janeiro, a moda( havia uma boutique de jeans em que se podia inserir o merchandising nas novelas, outra novidade), modelos, Kadu fazia um fotógrafo de moda. Também nessa trama não havia mais a mansão, um clássico de novela das oito, mas sim um apartamento enorme em que Lígia, personagem de Betty Faria vai morar após casar com o então viúvo, Miguel Fragonard, em que eles recebem convidados em sessões de cinema em casa - era o advento do vídeo cassete adentrando nas novelas, falando de arte como o filme Morangos Silvestres, do cineasta europeu Ingmar Bergman -- algo sofisticadíssimo. A telenovela começava a ter aspectos mais culturais.


Como Gilberto teve Manoel Carlos como autor-parceiro, a literatura também teve seu espaço. Por meio do personagem de Lucélia, a intelectual Janete, sabemos da tradução de um clássico de James Joyce, Ulisses, feito por Antonio Houaiss. Detalhes que vêm permear e dar uma nova cara ao folhetim das oito, porém não perdendo as características de uma boa novela como bons ganchos, ótimos diálogos e personagens e sobretudo uma história que não fazia concessões. Lembro até hoje do choque de se matar a personagem que era o sonho de todos, serem amigos. Luci Fragonard, mulher sensível, generosa, bem humorada, sacrificada em nome do progresso da trama.

Depois dessa novela, as histórias começaram a ficar menos densas e sobretudo esquemáticas, dando espaço a temáticas novas, até em autores já consagrados, cada um com seu estilo, como Janete Clair, que já contou com uma trama mais libertária em Coração Alado, por exemplo, com um herói cada vez menos perfeito, e outros como o próprio Manoel Carlos, que fez do cotidiano de uma classe específica sua matéria - prima com bastantes elementos culturais em suas histórias.



Hoje é claro que se reconhece e se vê o estilo deixado por Gilberto em outros autores, mas sem sua impressão única e sutil sobre uma classe abastada em que não vemos mais o mesmo glamour, pelo fato dos tempos serem outros, mas ainda com diferenças sociais bem demarcadas e ainda suas novelas apresentam um olhar critico natural sobre os problemas do nosso país

Eduardo Vieira é um professor de Português,
mas é viciado em novelas e séries de TV
desde a mais tenra idade,
e acaba de unir forças
ao time de colaboradores
de LEVA UM CASAQUINHO
para escrever justamente
sobre esse assunto.


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