Sunday, April 9, 2017

FÁBIO CAMPOS DIVAGA SOBRE O SILÊNCIO DE DEUS NO NOVO FILME DE MARTIN SCORSESE



Silêncio, o ultimo filme de Scorsese, é baseado no livro de Shusaku Endo, que narra a jornada de dois padres jesuítas em 1640 ao Japão à procura de seu mentor, Padre Ferreira -- que, segundo consta, havia renegado a fé, tendo, inclusive, constituído família.

Como Macau era uma colônia portuguesa, alguns jesuítas portugueses resolveram partir para a catequese do povo japonês, da mesma forma como fizeram com os índios na América do Sul. No início não enfrentaram problemas e a base de fiéis foi aumentando -- alguns falam em 300.000 católicos japoneses, os Kirishtan --, mas o Shogum passou a se incomodar com essa influência externa e baniu a religião. Alguns japoneses seguiram praticando a religião na clandestinidade, passando a ser perseguidos e forçados a renegá-la. Ferreira já estava no Japão quando a perseguição começou, mas os seus dois discípulos partem à sua procura depois disso, tendo que entrar clandestinamente no país.

A partir da peregrinação dos padres pelo Japão, Scorsese faz um belo estudo sobre a fé; especificamente, os componentes humanos da fé. Não há nenhuma intenção em justificar ou mistificar a fé, a intenção é tentar entendê-la melhor, observando os diversos tipos de manifestação da fé nos seres humanos.

Durante as quase três horas de filme, desfilam pela tela os mais diversos tipos de expressão da fé, criando um mosaico que nos instiga a tentar entender de onde vem cada uma das motivações.

Na chegada ao Japão os padres Rodrigues e Guarupe -- vividos de forma magistral por Andrew Garfield e Adam Driver -- são recebidos pelos habitantes de uma pequena vila de pescadores que os mantém escondidos para que não sejam capturados pelo inquisidor. Há recompensas para a delação de fiéis católicos, mas a recompensa pela delação de padres é especialmente alta.

A convivência entre a fé dos padres e dos camponeses é algo fascinante. Eenquanto os padres beiram a arrogância, carregam todas as certezas de quem estudou profundamente e acredita fielmente ser propagador da palavra de Deus, os camponeses ficam encantados com a possibilidade de algo novo, que traga um pouco de alivio e esperança para suas vidas miseráveis. Se encantam especialmente com objetos religiosos e com o conceito de paraíso.

Mesmo com a precariedade da comunicação entre o português dos padres e o japonês dos habitantes do vilarejo, e da dificuldade de membros da cultura oriental entenderem conceitos religiosos elaborados por ocidentais, existem membros da comunidade dispostos a morrer pela fé, mesmo que mediante tortura; um dos muitos componentes fascinantes da fé.

Os padres acabam reagindo de forma diferente ao período em que se mantém escondidos. Enquanto Rodrigues vai ficando mais cauteloso, Guarupe vai ficando mais radical, até que são forçados a se separar para continuarem a busca por Ferreira, sem colocar os camponeses em mais risco.

Rodrigues vai acompanhado de Kichijiro, uma espécie de judas, sempre arrependido e sempre tendo algo mais para se arrepender, que parece nos lembrar todo tempo das falhas humanas incompatíveis com a perfeição buscada pela fé religiosa, até que é capturado pelo inquisidor.

No cativeiro, a fé de Rodrigues é colocada a prova pelos japoneses que o capturaram. No inicio, a relação é amistosa, gerando alguns ótimos diálogos entre Rodrigues e o inquisidor, ou entre ele e o intérprete -- alguém que se dignou a aprender português para entender o inimigo, coisa que os portugueses não fizeram muita questão de fazer. Os japoneses também têm sua fé, algo mais pragmático, mas que também pode ser chamado de fé. Essa relação não permanece harmônica durante todo o período de cativeiro, muitas vezes os japoneses utilizam de violência, para depois retornar à relação amistosa, quase respeitosa, claramente com o intuito de fazer com que Rodrigues renegue a fé e se torne um cidadão comum.

Dois encontros são importantes e carregados de simbolismos.

Primeiro, o reencontro entre Rodrigues e Guarupe. Neste reencontro fica claro que, enquanto as posições de Rodrigues se tornaram mais flexíveis, as de Guarupe se radicalizaram, tornando-o um fanático. Esse ponto me pareceu claramente um repúdio ao fanatismo, mas, como todo o filme, pode ser enxergado de forma diferente por outras pessoas. Existem muitas formas de se enxergar a fé.

Já o segundo encontro é, pra mim, o ponto alto do filme. Trata-se do tão esperado encontro entre Rodrigues e Ferreira, mestre e discípulo colocados em situações opostas, com o mestre tentando dar uma nova visão sobre o inimigo, tentando fazê-lo renegar sua fé. Me lembrou o emblemático encontro entre o Coronel Kurtz e o capitão Willard de Apocalipse Now. Temos diálogos interessantíssimos e, mais uma vez, um novo ponto de vista em relação à fé.

O tal silêncio do título se refere ao silêncio de Deus durante a peregrinação dos dois padres. Por que tanto sofrimento, quando a intervenção de Deus poderia acabar com isso? Esta é uma das dúvidas mais relevantes da fé. Acredito que qualquer um, mesmo os de maior fé, já se questionaram sobre o silêncio de Deus em relação às injustiças do mundo.

Silêncio me parece uma espécie de acerto de contas de Scorsese com a sua criação católica, um filme extremamente maduro e bem realizado, mas, que, independente do ponto de vista, -– e existe uma infinidade de pontos de vista quando o assunto é fé -– deixa claro que a fé é um componente indissociável do ser humano. Seja a fé religiosa, a fé na ciência, a fé em si mesmo, a fé no amor, na família... todos precisamos dela pra seguir em frente e, muitas vezes, suportar o silêncio...



SILÊNCIO
(Silence, 2017, 161 minutos)

Produção e Direção
Martin Scorsese

Roteiro
Jay Cocks

Baseado no romance
Chinmoku de Shusaku Endo

Música
Howard Shore

Elenco
Andrew Garfield
Adam Driver
Liam Neesom
Tadanobu Asano
Clarán Hinds

em pré-venda
em DVD e Blu-Ray
na Livraria Cultura
clicando AQUI

disponível para locação
na Vídeo Paradiso
a partir de 24 de Maio
Nabuco de Araújo 60
Boqueirão - Santos SP
Telefone: 3235-8135




Fábio Campos convive com filmes
e com música desde que nasceu,
50 anos atrás.
Em seus textos sobre cinema,
Fábio se posiciona não como um crítico,
mas como um moviegoer esclarecido,
e seus comentários passam ao largo
da orbrigatoriedade da objetividade
que norteia a maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.


FELIZ SEMANA SANTA



PARA TODOS

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