Tuesday, April 11, 2017

CANCELANDO O SERVIÇO (uma crônica de Marcus Vinícius Batista)


texto publicado originalmente no Juicy Santos em 12 de maio de 2016


Qualquer consumidor já enfrentou a maratona para cancelamento de serviços no Brasil.

Ligações telefônicas que caem por mistério, mensagens gravadas que parecem dispostas a desabafar, números de protocolo mais longos do que o código de barras das contas dos mesmos serviços.

O exercício de paciência, muitas vezes, resulta em queixas, palavrões ou a vontade de brigar no Procon.

Quatro pessoas me ensinaram como cancelar o serviço de Internet, telefonia, plano de saúde e TV a cabo pelo telefone sem aborrecimentos.

A receita traz como ingredientes a mistura de ficção com criatividade.

Do outro lado da linha, o carrasco perde o poder e vira vítima porque sair do script significa que o único jeito de se livrar do consumo é cancelar o serviço. Até porque o atendente sobrevive se evitar outro problema.

A receita traz como ingredientes a mistura de ficção com criatividade.

Do outro lado da linha, o carrasco perde o poder e vira vítima porque sair do script significa que o único jeito de se livrar do consumo é cancelar o serviço. Até porque o atendente sobrevive se evitar outro problema.

Eis as fórmulas:


CRISE ECONÔMICA

Aparentemente, essa é a forma mais óbvia.

Mas não se engane. Se você não usar as palavras certas, acabará com um desconto (ou até gratuidade) por dois ou três meses.

Depois, a facada compensatória – para a empresa, claro – virá vestida de boleto bancário ou débito em conta.

“Boa tarde, operadora X, Maria falando.”

“Maria, gostaria de cancelar o serviço de TV a cabo e Internet.”

“A senhora é a titular? Tem também o serviço de telefone.”

“Tem sim. Só quero ficar com o telefone. O resto cancela.”

“Qual é o motivo do cancelamento?”

“A falta de grana. A falta de dinheiro.”

A atendente contra-atacou.

“Mas, senhora, isso não é motivo. Me dê um motivo. Nós podemos dar um desconto de 30%, mantendo a TV grátis por dois meses.”

Minha amiga não estava sem trabalho. Pelo contrário, ela está no mesmo emprego há uma década, com estabilidade.

“Como assim, outro motivo? Estou desempregada. DESEMPREGADA!!! Não tenho dinheiro e não vou ter tão cedo. SEM RENDAAA!!!”

“Ah, sim, entendi. Aguarde um minuto.”

Um minuto depois…

“Olha, senhora, está cancelado. Muito obrigado. Amanhã, o técnico passará aí para retirar os conversores.”

Na manhã seguinte, o técnico apareceu – por milagre – na hora marcada e, com pressa, levou os equipamentos embora.


MUDANÇA DE SEXO

Minha prima estava doente e internada no hospital. O marido havia tentado cancelar a linha telefônica que estava no nome dela. A operadora alegava a necessidade do titular para o cancelamento e ignorava a doença da esposa dele. Caso contrário, a burocracia entraria em cena.

A solução foi mudar de sexo. Ele telefonou para a operadora.

“Boa tarde, aqui é Maria. Quem fala?”

Ele esganiçou a voz e disse:

“Boa tarde, é Paula falando. Queria cancelar minha linha telefônica.”

A conversa seguiu sem suspeitas, confirmação da titularidade, dados pessoais, tudo com a voz fina … até que a atendente desconfiou após uma escorregada no tom de voz do marido.

“Só para confirmar: é a Paula falando?”

Ele respirou fundo e fechou a arapuca.

“Claro, querida. Me desculpe, mas minha voz tá rouca demais. Eu sou professora, sabe? As crianças me deixam maluca.”

A conversa fiada fez com que a atendente a despachasse. Ali nunca seria canal para desabafos.

“Claro, senhora. Linha cancelada. A empresa agradece.”


MAMÃE ESTÁ CANSADA

A filha tentava cancelar o plano de saúde da mãe.

O plano era especializado em pacientes com mais de 60 anos. A mãe não o usava, preferia o SUS por teimosia chamada de facilidade, o que resultava num desperdício mensal de R$ 500. A mãe não cancelaria o plano.

A tarefa sobrou para a filha.

“Alô, é do Plano de Saúde Felicidade no Céu? Gostaria de cancelar o plano da minha mãe.”

“Ela é a titular?”

“É…”

“Então, só ela pode cancelar. Tem que ser a titular.”

“E se eu quiser cancelar por ela?”

“Olha, senhora, então a senhora terá que escrever uma carta com o pedido de cancelamento, pegar a assinatura da sua mãe, carimbar em cartório e mandar para a gente. Aí analisaremos o pedido e, então, faremos o cancelamento.”

“Quanto tempo leva?”

“Um mês.”

“Ok, obrigada.”

A filha esperou cinco minutos, telefonou novamente e foi recebida por outra atendente.

“Gostaria de cancelar o plano de saúde.”

Ela deu o nome da mãe e ouviu a mesma pergunta.

“A senhora é a titular?”

“Sou sim.”

O cancelamento aconteceu em dois minutos. O plano estaria indisponível em cinco dias úteis.


A DOENÇA TERMINAL

Um amigo desejava cancelar o serviço de TV a cabo. Ele e a mulher já tinham tomado canseira em diversos telefonemas. Um deles durou 20 minutos e caiu no abismo da rede. Até que ele resolveu ligar para matar o problema.

“Alô, gostaria de cancelar a assinatura da TV a cabo.”

Depois da confirmação do nome, a pergunta sobre o motivo do cancelamento e veio a resposta:

“Quero cancelar porque vou morrer em 30 dias. Minha doença é incurável. Meus netos me deixam aqui sozinho nessa casa. Passo mal todos os dias. Eles não me ajudam com um tostão, esses sanguessugas. Só comem, dormem e não trabalham. Vou morrer logo, menina, e quero ver como eles farão com a TV a cabo. Esses chupins não têm dinheiro.”

“Calma, senhor, calma.”

“Olha, e digo mais: vocês vão ter prejuízo. Esses dois moleques, desconfio, estão envolvidos com tóxico (fala-se, no idioma dele, tóchico!). Maconha, cocaína ou coisa pior. Eu, aqui doente, com esse soro pendurado pra cima e pra baixo, com a enfermeira que tem que dar banho em mim. Uso fraldas, moça. Uma vergonha. Não presto para mais nada, só para pagar as contas.”

“Calma, senhor, tenha calma. Vou ver aqui.”

Menos de um minuto, a ligação é retomada.

“Senhor, o serviço está cancelado. A empresa agradece.”

“Olha, mocinha, vou morrer em 30 dias. Minha doença não tem cura mais não. Quer saber do que eu sofro…?”

“tutututututututututututu…”





Marcus Vinícius Batista
é o cronista santista número um, ponto.
É autor de "Quando Os Mudos Conversam"
Realejo Livros)
coletânea de crônicas escritas
entre 2007 e 2015
e mantém uma coluna semanal
no Boqueirão News
que é aguardada com avidez
por sua legião de leitores.
Atendendo a um pedido
de LEVA UM CASAQUINHO,
ele se dispôs a resgatar
algumas de suas crônicas favoritas
escritas nos últimos anos
para republicação no BAÚ DO MARCÃO.


FELIZ SEMANA SANTA
PARA TODOS

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