Friday, April 7, 2017

FÁBIO CAMPOS COMENTA A NOVA AVENTURA MARVEL "A VIGILANTE DO AMANHÃ



Adaptar quadrinhos, especialmente os muito festejados, não é uma tarefa fácil. Você pode pensar, ah, mas a Marvel tem acertado um filme atrás do outro, isso não deve ser muito difícil. Mas, pra mim, o segredo do sucesso da Marvel no cinema é transferir os personagens dos quadrinhos para a tela sem se preocupar com fidelidade excessiva.

Temos, na tela, apenas a essência dos personagens que cativaram milhões de pessoas nos gibis. Nos filmes, eles transitam em outro mundo, sem amarras com o mundo dos quadrinhos, sem obrigações com histórias já escritas. Somente com um monte de material para ser usado como inspiração.

OK, isso irrita muito os fãs mais xiitas, mas acerta em cheio com grande publico, que muitas vezes desconhecia o personagem, além daqueles que tiveram contato com gibis, sem se tornarem fanáticos.

No caso de histórias consagradas, existe a obrigação de fidelidade ao original, que acaba engessando a produção.

O melhor exemplo disso é Watchmen, Zack Snyder fez (já havia feito em 300) o que acabou se tornando a sua especialidade, transferir quadrinhos para a telona com uma precisão impressionante. Mas, existe um preço a ser pago, na maioria das vezes, os filmes acabam ocos, sem personalidade.

No caso de Watchmen, o texto de Alan Moore era tão bom – pra mim, o melhor quadrinho já escrito – que acabava dando uma boa consistência ao filme. Não é o que acontece nesse A Vigilante do Amanhã, adaptado do mangá, que depois gerou um anime consagrado. O visual é deslumbrante, mas o filme nunca parece completo. Parece faltar alma a um filme, que, justamente, debate a busca da humanidade. A tal ghost, do título original, Ghost in the Shell.



No filme, Scarlett Johansson é Major, fruto de experimento que transfere um cérebro humano para um corpo cibernético, e está alocada num departamento de combate ao terrorismo. Estamos em 2029, em algum pais asiático, e próteses biônicas são comuns. Soa como uma evolução natural da evolução da ascendência da tecnologia, associada à nossa busca pela perfeição.

Neste ponto, a escalação de Scarlett é perfeita. Ela nunca pareceu tão perfeita num filme, parece nos lembrar a todo momento que não é humana, que está acima dos outros personagens, alguns com próteses, mas nunca no grau de perfeição de Major.



A ambientação é deslumbrante, lembra a Los Angeles de Blade Runner, com mais tecnologia à disposição. Os combates são de tirar o fôlego, mas tomam um tempo exagerado do filme, não permitindo um melhor desenvolvimento da trama e um melhor aprofundamento dos personagens. Isso acaba custando caro, fazendo com que ótimas personagens acabem não rendendo todo o seu potencial, como o chefe do departamento e o vilão, interpretado pelo ótimo Michael Pitt, enquanto outros são simplesmente desperdiçados, como o parceiro de Major e a personagem de Juliette Binoche, que poderia gerar um conflito interessante entre criador\criatura, mas acaba sendo extremamente superficial, com uma função apenas didática na trama.

Ao longo do filme, Major vai sendo instigada a questionar o seu passado, partindo em busca de suas raízes, mas, mais uma vez, tudo é muito apressado, culminando num enfrentamento típico de passagem de fase de vídeo game.

O tema da busca pela humanidade acaba levando imediatamente a uma comparação com West World, mas a série foi muito mais bem-sucedida no tratamento do tema.



Claro que a série teve muito mais tempo para desenvolver o assunto, mas o principal problema de A Vigilante do Amanhã é o excesso de preocupação com a bilheteria, algo comum no cinema atual, especialmente para filmes de grande orçamento. É preciso encher a tela de perseguições, explosões e efeitos visuais para satisfazer as plateias mais jovens, a maior parte dos consumidores de blockbusters. Isso acabou deixando o filme um tanto superficial.

Acaba sendo muito pouco para um filme com tantas pretensões, que termina afirmando que não são as nossas memórias que nos moldam, e sim, as nossas ações.



A VIGILANTE DO AMANHÃ
(Ghost In A Shell, 2017, 120 minutos)

Direção
Rupert Sanders

Roteiro
Shirow Masamune
Jamie Moss
William Wheeler

Elenco
Scarlett Johansson
Takeshi Kitano
Michael Pitt
Johan Philip Asbaek
Juliette Binoche

em cartaz na Rede Roxy


Fábio Campos convive com filmes
e com música desde que nasceu,
50 anos atrás.
Em seus textos sobre cinema,
Fábio se posiciona não como um crítico,
mas como um moviegoer esclarecido,
e seus comentários passam ao largo
da orbrigatoriedade da objetividade
que norteia a maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.

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