Tuesday, November 27, 2018

IMPRESSÕES RÁPIDAS SOBRE TRÊS FILMES EM CARTAZ (por Fábio Campos)


O QUEBRA-CABEÇAS

Escolhi assistir a O Quebra-Cabeças, refilmagem do filme argentino Rompecabezas de 2009, por causa da Kelly Macdonald. Ela é uma as atrizes mais subjugadas do cinema atual, desde Transpotting já demonstra o seu talento, mas sua carreira nunca decolou de verdade – seu melhor trabalho foram as 5 temporadas de Boardwalk Empire.

O filme acabou sendo bastante agradável, apesar de tratar de um tema bastante recorrente no cinema, por isso não conseguir escapar de alguns clichês.
Kelly é Agnes, uma dona de casa que se dedicou ao marido e aos filhos durante 20 anos de casamento, que segue uma rotina previsível até que ganha um quebra-cabeças de presente de aniversário.

Ela descobre que é muito boa em montar aquilo e é aí que fica difícil escapar dos clichês, já vimos várias vezes filmes sobre donas de casas desvalorizadas pela família que a partir de algum evento passam a questionar a vida que levam. Mas o filme tem dois trunfos, Kelly, que está ótima, encantadora, passando toda a sutileza necessária para a mudança gradual da personagem, e a própria ideia do quebra-cabeças – pessoas com raciocino logico apurado tentam em vão encontrar padrões para encaixar na vida e a ideia de conseguir formar algo ordenado a partir do caos acaba sendo um alento – que traz originalidade e alguns bons diálogos ao filme.

Ao longo do filme Agnes encontra um parceiro, se inscreve num concurso de montagens de quebra-cabeças, entra em conflito com o marido e um dos filhos e, obviamente, questiona suas escolhas de vida. Mas uma vez, nada que nunca tenhamos visto, mas contado de uma maneira competente, com alguma originalidade.  Não é um grande filme, mas dá pra ser assistido com prazer.


EM CHAMAS

Em Chamas é um filme sul-coreano adaptado de um conto de Haruki Murakami, gosto baste dos livros dele, mas sempre imaginei que seria dificílimo adaptá-los ao cinema. O forte de seus livros são as palavras, a maneira de contar a história, e não a trama, o que torna bem difícil imagina-los como filmes.

O diretor Chang-Dong Lee, que foi ministro da cultura da Coréia do Sul, troca a força das palavras pela força das imagens de forma muito eficaz, conseguindo, com isso, transmitir o poder das palavras de Murakami e criando no filme um ritmo muito parecido com os seus livros.

Lee Jong-su encontra por acaso uma antiga colega de escola e começa a se relacionar com ela até que aparece o rico e misterioso Ben – Steven Yeun, de Walkind Dead – e os três acabam envolvidos num triangulo, opondo a condição social e a personalidade dos dois jovens. Um é seguro e confiante, o outro inseguro e desconfiado, totalmente desconfortável no ambiente de Ben. Ao mesmo tempo, este parece sentir algum tipo de inveja em relação a Lee Jong, apesar do enorme abismo da condição social, causando um incomodo que vai crescendo ao longo do filme.

Em Chamas ganhou o premio da critica em Cannes, não é um filme fácil, é lento e longo, mas a história é interessante e intrigante - notei até uma certa influência de Festim Diabólico – cheia de referencias à desigualdade da Coréia do Sul, o que nos deixa mais próximos daquele dia-a-dia, apesar da imensa diferença cultural entre os países e que acaba gerando um interesse a mais.


INFILTRADO NA KLAN

Assisti a Infiltrado na Klan em setembro, no seu lançamento nos EUA, e a pergunta que me veio é por que o distribuidor não lançou o filme no Brasil antes das eleições?

Claro que não havia como prever que o líder da Klan, David Duke, que tem uma grande participação no filme, declararia afinidades com um dos candidatos da eleição brasileira, mas o filme é extremamente político e teria se valido da polarização da época para aumentar o seu potencial de bilheteria.

Spike Lee faz o seu melhor filme em anos contando a história verídica de Ron Stallworth – John David Washington, filho de Denzel, que tem começado a despontar com trabalhos interessantes –, um policial negro da pequena cidade de Colorado Springs que nos anos 70, ao ver um anuncio de recrutamento da KKK num jornal, resolve tirar o telefone do gancho e se inscrever como membro. Após ser aceito, Ron recorre a outro policial, Filp Zimmerman – o excelente Adam Driver – para se passar por ele e participar das reuniões da Klan.
Lee faz uma mistura de estilos, uma história dessas não poderia ser contada sem um tom de comédia, mas ele caminha no limite entre uma comédia de absurdos, um filme policial e uma crônica de costumes da época, com toda a efervescência do movimento de direitos civis nos EUA.

Essa mistura de estilos feita com maestria é um dos pontos altos do filme, o filme consegue ser homogêneo, mesmo alternando estilos tão distintos – tenho apenas alguma restrição às cenas enxertadas no final, mas isso não consegue estragar o filme.

Outra escolha inteligente é não caracterizar os racistas como típicos vilões, o filme se aproxima tanto deles que é possível perceber a sua humanidade, apesar das escolhas totalmente idiotas e de destilarem ódio o tempo todo.

Apesar do tom de comédia, há sempre espaço para reflexão, o que deixa o filme muito consistente, um dos melhores do ano na minha opinião.


Fábio Campos convive com filmes e música
desde que nasceu, 52 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo
do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.



No comments:

Post a Comment