Sunday, November 11, 2018

TÁCITA ELOQUÊNCIA (uma crônica de Marcelo Rayel Correggiari)



Já diziam os antigos: “Em boca fechada não entram mosquitos”...
... ou “o silêncio vale ouro”. Tinha, também, aquela: “Quem muito fala, ouve o que não gosta”.
Todos ‘dizeres’ em torno de certas punições sofridas ao se valer da máxima que certa incontinência verbal pode ser tremendamente prejudicial a qualquer tipo de saúde.
Há o extremo oposto: nos casos de traumas e problemas psicológicos severos, ficar de boca fechada pode encurtar a vida.
O que fazer, então?! Qual a medida?
Não há muito o que possa ser dito. Trocadilho à parte, o equilíbrio na manifestação verbal quase beira a uma ‘grande arte’. Em épocas de participação obrigatória em tudo (sob a ameaça de ser enquadrado(a) como “isentão(ona)”), ficar em silêncio e só opinar quando se tem uma boa base, de fato, para fazê-lo “... é que são elas”.
É abrir as tais ‘redes-sociais’ e encontrar “orelhadas” em tudo.
E vem a voz da Velha Maria, mãe da minha mãe, em seu costumeiro: “Era isso que você tinha para me dizer?!? Podia ter guardado para você”.
Nem sempre temos opinião para tudo, ou sobre todas as coisas. Há vários comentários ótimos para serem guardados nos recônditos da existência... e nada mais!
Lembro, certa vez, ser arguido quanto a minha opinião sobre censura: um certo espanto na resposta.
Como romancista e artista, era muito claro que deveria virar todos os obuses contra qualquer insinuação dessa natureza. A resposta, porém, causou bastante estranheza.
Esse livre merceeiro jamais seria adepto a qualquer tipo ou forma de censura. Claro que não! Muito menos à auto-censura. Contudo, sempre tive em mente como fazer com que certos objetos não sejam enxergados como “chocantes” no velho exercício da ‘notoriedade barata’ pelo ‘escandalizamento’.
Tem de se levar certos aspectos em consideração. Raciocinemos pelo absurdo: como livres e literatos, promovemos uma ‘prosa de ficção’ cujo personagem principal é um pedófilo.
Somos livres para desenvolver a história? Sim, aliás, garantidos pela constituição. Mas pensem encontrar um grande amigo, uma grande amiga, casado(a) ou não, com seus pequenos em algum playground público ou privado da cidade e que resolve compartilhar com você o perrengue pelo qual passou quando os rebentos folhearam a tal obra de sua lavra.
“Mãe?! O que é pedófilo?!”, “Pai?! Por que o homem tirou a roupa do menino?”.
É um equilíbrio difícil: um livro, quando ‘na praça’, tem vida própria e nem todo mundo fez quatro anos de Letras para entender que aquilo é uma peça de ficção, apesar de relatar sobre um fato asqueroso da vida.
Mesmo os adultos não possuem ‘filtro’ suficiente para entender que o livro precisa voltar para a estante após sua porção de leitura ao invés de ficar ao alcance dos mais novos.
Os adultos também se chocam sobre determinados temas: a reação, quase sempre, costuma ser hostil e pouco amigável. Em que pese todos os esforços de “... engenho & arte...” para abrandar ao máximo as cenas referentes a espinhoso personagem, nem sempre a intenção é espetacularmente bem-sucedida.
A ‘sinuca-de-bico’ do(a) autor(a): “Mexo, ou não mexo, com isso?!”.
Realmente é preciso muito “... engenho & arte...”, “vocação & talento”, para criar certos personagens e mexer com certos assuntos sem “... quebrar os ovos”. Nem sempre a expressão transgressora é bem-vinda, por mais que seu amigo ou sua amiga adore você.
Há momentos em que o silêncio pode te ajudar a repensar o que precisa ser dito, porém sem espatifar os ovos contra a parede.
Silêncio não é isenção: quando muito, um ganho de tempo para que se possa lidar com assuntos espinhosos, mas de necessária abordagem, sem que o debate se encerre por conta de qualquer outro melindre.
Isso seria a tal ‘auto-censura’?! Penso que cabe o debate.
Tendo a dizer que “não”.
Enfim... “façam suas apostas”. Em épocas de obrigação quanto a ‘versar’ sobre tudo, quase sempre caímos na armadilha de propagar as piores besteiras possíveis. O que é pior: causando mágoas em pessoas que tanto amamos.
“O silêncio vale ouro!”, diz a voz da Velha Maria por algum eco cá dentro da minha cabeça.
Se realmente o que tem a dizer o(a) querido(a) freguês(a) possui grande relevância, faça-o. Com moderação, por favor. Caso contrário, guarde para você.
Use com moderação as tais ‘redes-sociais’. Silêncio também é saudável. O Ministério da Saúde Mental agradece o esforço.


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

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