Toda
despedida exige maturação da distância para reinventarmos uma nova presença por
magia da saudade.
Alguns
personagens de nossas caminhadas são tão presentes que imaginamos por
comodidade estarão sempre ali, ao alcance da mão para nos saciar com seu
fascínio. Wagner Parra era onipresente, sem ser íntimo; amigo sem ser próximo:
havia uma identidade natural em nossas diferenças.
Antiintelectualista,
era inteligência empírica, libertário, longe de ser politicamente correto; duma
sinceridade desconcertante, nunca indiscreto: era um beatnik, outsider sem
maneirismos de ´porralouquice´ artificial: um artista da experimentação na vida
e na criatividade. Impulsivo sem ser necessariamente aplicado: se tivesse que
definir sua capacidade musical rara seria como mestre da intuição. Escrevo para
nunca ver esquecido um DJ compositor de valor internacional que escolheu
dedicar-se as noites do mar. Não tenho a menor vocação para hipocrisia: Parra
não se reduz a um obituário elogioso simples: não era um artista exemplar
porque era único em sua complexidade múltipla: ´hagiografia´ soaria ofensa
babaca para libertação em pessoa. Posso ainda lembrar a manhã em que foi
convidar Gilberto Mendes para discotecar no Torto: a idade avançada não
permitiu essa façanha que seria encontro entre o DJ erudito e o compositor por
vias tortas. Na cidade caída em limbo reacionário, a Disqueria e a casa de
Mendes no mesmo quarteirão eram oásis que eu considerava ´Estação
Conselheiro-Praia´ do Metrô: dois ambientes que me tiravam da solidão cultural
em ´Dubai do Brejo´. Foi Wagner quem disseminou essa minha expressão jocosa
sobre Santos com boêmia interditada, pensamento censurado e burrice
conservadora galopante. A caretice acústica e o polvo arquitetônico eram sem
nenhuma amargura os assuntos preferidos entre os demolidores da burguesia
asnática´.
Comigo
foi seu último ´selfie´, com ele foi uma Santos que parece desistiu de sonhos.
Um artista que ´baixava´ para um patamar humano a bola de qualquer afetação
erudita: tinha uma oficina mental de mixagens, um caleidoscópio sem
preconceitos de gêneros, cores e estilos: nos fazia concordar em divergir. Era
literário, tinha um acento mítico e para Santos prometamos, sem ponto final.
Publicado originalmente no Diário do Litoral
em 21 de Fevereiro de 2015
Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Este é seu mais recente trabalho publicado:
...enorme a falta que parra faz na cidade cada vez mais imersa no limbo reacionário...
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