Tuesday, November 27, 2018

O LANCE PERFEITO (um contículo cult de Flávio Viegas Amoreira)



Serpenteava pela Frei Caneca pensando o que é uma cidade? O que faz pensar que uma cidade é aquilo que vejo? Não será a cidade por onde Artur passa e onde imagino estar Artur bebericando sem minha espera, olhando as garotas,  fumando sem tédio por minha ausência? Parei de pensá-lo , ele voltou para Santos ,  surfando  e agora retomo inventar outra metrópole.  Sinuosa essa rua por quem ninguém dava nada e se inventa.  Um lugar são as pessoas que cruzam ,  cada boteco partícula dessa metáfora.  Como a lembrança do pau de Artur, sua bunda com marca de sunga,  o filete de caipiroska na baba pelo peito cabeludo. Não  tão desatento com entorno : ´´Por quê São Paulo não é tão conhecida nesse mundo?´´ ´´Será por estar em latitude meridiano fora de mão?´´  Mesmo sem Artur por perto havia ali um despenhadeiro vale um platô onde meteram imensa avenida:  mais um pouco iria me encontrar com Fiducia , eu sem jeito com as mulheres,  eu  sem assunto com as mulheres,  sem nenhuma astúcia com esse outra metade de toda gente do planeta.  Por amor a Artur procurava por  Fiducia .   Notava com a pressa estar com casaco puído, os sapatos com alguma lama seca, não tivera tempo se deter no seu aspecto ,  seu estilo não era de afetação no trato e tinha largado qualquer contato social estiloso.  Era só despojamento.  No fone de ouvido uma sonata de Mozart , por trás o vão do Masp,  um café ralo ainda no hálito,  - eu poderia ter pego um táxi, comeria o caminho e essa ansiedade,  não correria risco de assalto, agora foda-se todo medo ,  meus créditos de celular,  essa porra de guarda-chuva é um saco!  Ansiava pelo verão quando estaria livre dessa terra íngreme, solto e só com Artur numa praia abafada de gente e sensações onde pegar o dia a noite mesmo não indo além do mar em frente ao burburinho.  Como começar com Fiducia? Ela entretida com o deplorável mercado de estilo, moda,  galerias,  objetos fortuitos  e me dizendo sobre os dotes de Artur para a passarela, as vernissages ,  tudo aquilo de que se compõem uma ´saison´ ?  para mim que o criara como um filho decifrando os criptogramas da Divina Comédia?  Os vinis de Chet Baker?   Paciência da porra  ouvir Fiducia e sua ignorância reflexa sobre o mundo dos homens.... Porque levaria esse recado que recomporia seu amor ? que Arthur estava pronto retomar o namoro com uma imbecil de grife?  Essa que o arrastava a baladas sertanejas regadas de gim de terceira?  Por uma buceta trocaria nossas noites de Bach entre rodadas de ´rabo de galo´  em meu quarto sala entulhado da melhor poesia de Whitman? Não! não seria esse Hermes das encruzilhadas do Baixo Augusta.... Três meses de não resposta e ela o esqueceria naturalmente na primeira temporada de Aspen! Não seria esse Pigmalião por tudo a perder em nome do bom mocismo esquálido das novas gerações!  Entrei no bom e velho saguão no Hotel Jaraguá para filar seu banheiro decente entre mulheres de burkas e caipiras exitantes no saguão que guarda ainda algum charme de Errol Flynn.... piquei o bilhete em pedaços felinos e fui curtir a madrugada comendo o melhor sanduíche de pernil do mundo no Estadão.... aqueles livros ensebados que folheava já guardados para Arthur e seu futuro simbolista de hipster suburbano ....



Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).
Este é seu mais recente trabalho publicado:

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