Já estamos
acostumados a tomar lavada do cinema argentino quando falamos em drama, a
novidade é que também tomamos uma lavada quando o assunto é comédia, mais
especificamente, comédia romântica.
Tudo bem que os
filmes argentinos passam por um filtro para chegar aqui, não recebemos qualquer
coisa, então acabamos recebendo os mais bem-sucedidos ou os com boa recepção da
critica – Um Amor Inesperado foi a segunda maior bilheteria de 2018 por
lá –, mas, mesmo comparando com as melhores produções nacionais, no geral, eles
se saem melhor.
No filme, Marcos
e Ana (o onipresente Ricardo Darín e Mercedes Morán) estão casados há 25 anos,
são aquele tipo de casal bem entrosado, com piadas internas, auto ironia,
gostos em comum, mas que, inevitavelmente, já foram contaminados pelo dia a
dia. Quando o filho vai fazer universidade na Espanha é justamente a mudança no
dia a dia que levanta questões em ambos. Agora que há mais tempo livre, os
questionamentos vão aparecendo.
Aos poucos vão
sendo levantadas dúvidas sobre o que seria melhor, se manter na relação
estável, com cumplicidade e segurança, ou arriscar encontrar alguém que
desperte a paixão que já se extinguiu há algum tempo. O tradicional conflito humano
entre segurança e liberdade. Também convívio, via Skype, com filho iniciando a
universidade em outro país, cheio de possibilidades, alimenta ainda mais as
dúvidas, obviamente, pesando pro lado da liberdade, até que ambos decidem se
separar.
A partir daí, os
dois entram numa nova fase, explorando a recente solteirice e o filme também
muda junto, alternando o tom para uma comédia mais escrachada. Seria fácil
criar uma série de gags sobre as desventuras de adultos de meia idade num mundo
cheio de novidades, do Tinder aos contrastes com potenciais parceiros mais
novos, reencontros de paixões antigas, etc., mas o filme escapa dessa armadilha
explorando muito bem esta fase, potencialmente mais cômica, na medida certa, sem
esgotar o assunto ou se tornar repetitivo.
Depois desse
estranhamento inicial e, por que não, também dos prazeres da liberdade, o filme
passa ao seu terceiro ato, explorando os novos relacionamentos de ambos, que
acabam os levando de volta ao mesmo inconformismo do início.
É na transição
entre esses três atos que está um dos pontos fracos do filme, em alguns
momentos o filme perde levemente o ritmo, demorando um pouco para
reencontrá-lo. A quantidade dos bons diálogos, a leveza com que o filme trata
de temas complexos sem cair no clichê e, especialmente, a ótima química entre o
casal compensam com folga essa falha. Darín e Morán nos fazem acreditar desde o
início que existe um relacionamento de carinho, cumplicidade e prazer entre os
dois, mesmo depois da separação, nos eventuais reencontros. Com isso, fica
fácil embarcar na dúvida, será que valeu a pena abrir mão disso para arriscar
algo mais intenso? Sem essa cumplicidade da plateia o filme estaria arruinado.
Os personagens
periféricos, outro recurso muito utilizado em comédias românticas, também são
usados com muito cuidado, rendendo bons momentos, mas sem nunca ofuscar a
química do casal, nem tomar protagonismo exagerado. O filme é mesmo dos dois!
Como comédia, Um
Amor Inesperado compre o seu papel, tem momentos de riso explicito, mas sua
grande força está nos diálogos inteligentes, às vezes irônicos, outras vezes
provocativos, que levantam questões extremamente relevantes, sempre com leveza
e frescor.
Ao final, saímos
sorrindo, mas com uma série de questões não resolvidas – que, provavelmente, já
estavam lá – na cabeça. Só isso já é um bom motivo para celebrar.
UM AMOR INESPERADO
(El Amor Menos Pensado 2018)
Diretor
Juan Vera
Escritor
Juan Vera
Daniel Cúparo
Daniel Cúparo
Elenco
Ricardo Darin
Mercedes Morán
Claudia Fontán
Mercedes Morán
Claudia Fontán
Duração
2h 16m
Fábio Campos convive com filmes e música
desde que nasceu, 52 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo
do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
Fábio é colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.
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