Tuesday, March 26, 2019

UMA DESPEDIDA (OU OS MERCEEIROS TAMBÉM CHORAM) (por Marcelo Rayel Correggiari)



Semana passada, este pobre merceeiro passou pelo seu ‘momento epifânico’.
Após a magnífica apresentação da jornalista e mediadora de leitura Goimar Dantas, dia 19 último no Senac-Santos,  pus-me a pensar. Enquanto esperava a fila do autógrafo diminuir, fiquei sentado em meu lugar, olhando aquilo tudo, ainda tocado pela performance da velha amiga.
E uma única pergunta: “Onde é que você se perdeu, ‘Marcelão’?!”.
A Goimar é da minha época de Primo Ferreira, mas somente a conheci melhor (ela e o marido Maurício) nos tempos de Facos (nas famosas escadarias da Euclides da Cunha). Um quarto-de-século, caro(a) freguês(a)! Depois de tanto tempo, ao vê-la em ação, a impressão que tive é que o hiato não existe ou, se existiu, passou muito, muito rápido.
Foi uma trombada vê-la com aquela mesma energia da juventude. Goimar não envelheceu. A casca... ‘tá’, tudo bem. Todos nós ficamos com a casca meio avariada pela passagem do tempo. Mas o espírito... ah, aquele espírito não mudou nada!
A mesma pessoa apaixonada pela Literatura! A mesma! A mesma paixão pelo livro e pela leitura desde os tempos de Primo Ferreira. Um troço impressionante!
Quase fui às lágrimas enquanto esperava a fila do autógrafo diminuir. Não, caro(a) freguês(a), por incrível que pareça, não foi só pelo reencontro ou pela atuação dessa profissional na mediação de leitura e formação de novos(as) leitores(as). Foi porquê, descobri, como um tapa na cara, de que sou uma pessoa ‘desapaixonada’.
Fiquei ‘sem chão’ na hora. Paixão, paixão, mesmo... aquele que deixa a gente insano(a), quem tinha era ela. Não eu. Talvez tenha caído minha máscara de embusteiro, de alguém que, de fato, não possui talento algum, mas força o convívio com os(as) demais por intermédio da Literatura.
Convenhamos: não é assim que se faz. Literatura não foi feita para isso.
Fiquei ali sentado, vendo a costumeira alegria e o sorriso da Goimar; o Maurício fazendo ‘a social’, os pais e a irmã dela presentes (era aniversário da mãe!), amigos & amigas, e mais amigas & amigos na fila. Todos sequiosos pelo autógrafo em seus exemplares. E eu ali sentado na poltrona, estático, fazendo uma força para não desabar no choro e sair correndo dali.
Pois é: descobri que não tenho paixão nem por escrever, nem por Literatura.
Foram dez anos de ‘pancadas’: de várias formas, maneiras, de várias frentes. Tentei fazer o meu melhor, só que esse choroso merceeiro descobriu que, depois de tanta desautorização, desidratação e isolamento compulsórios, acabou a paixão!
Esse merceeiro não tem mais certeza se é realmente apaixonado por textos, livros e Literatura (a Goimar é! Sem sombra de dúvida!). Talvez até goste, mas não é ‘uma paixão’. Acho & penso que não. Como dito há pouco, um engano em tentar se colocar no mundo como 'um homem das Letras’.
Engano!
Foi bom descobrir que, de fato, não tenho paixão alguma. Não que deixasse de querer uma, porventura até tivesse, mas nutri-la demanda uma outra arte que sinceramente acho que não tenho.
Essa Arte talvez demandasse mais cuidado comigo mesmo, não achar que seres humanos são recíprocos. Não há reciprocidade desde o século XIX, essa ‘reciprocidade da cortesia’. Não! No século XXI, é “foda-se, você!”, “... se vira...”, “... cada um por si, Deus por todos...”, uma espécie de ‘unilateralidade de troca’. “Seja feita vossa vontade, tudo; venha a nós o vosso reino, nada!”.
Mais cuidado que esse merceeiro devesse ter consigo próprio, sem essa de ‘amizadinha’, a maldita violinada do ‘elogio’; no fundo, estão todos se cagando de tonelada. Aí, o erro deste comerciante que vos fala: pago, hoje, caro por não ter cuidado da própria vida e torná-la esse amontoado presenciado nesses correntes dias.
Na hora que a vaga de estacionamento se anuncia, não há solidariedade. Não há mesmo. Quem chegar primeiro, leva. É assim que funciona. E “foda-se o resto!”. Como já disse o astuto Bernard de Mandeville, “... o mundo como ele é”, não o mundo que boa parte das pessoas fala da boca para fora.
Meu pecado: o da crença; de que eu podia confiar.
Talvez isso tenha ‘matado a minha vida’ (e, consequentemente, ‘matado a minha paixão’ por algo). Esse merceeiro “... correu atrás do vento” e não cuido de si.
Não tem vida que aguente um troço desse por uma década.
Esse merceeiro achou melhor juntar os cacos e botá-los na lata do lixo. Lá se vai tudo, outra vez, do zero. E dessa vez sem as Letras por perto, ao redor. Hora de ‘dar adeus’ à Cultura, às Artes, a todo esse tipo de coisa que não paga as contas e não dá futuro para ninguém.
Pelo contrário: só serve para muita desilusão, frustração e destruição dessa preciosa energia chamada “vida”.
Rezo somente para que não me falte saúde & energia para fazer tudo de novo (sem as Letras & a Literatura por perto, fiquem avisados!). Começar tudo de novo aos 48 é bem mais duro do que quando se é mais jovem. Enfim, hora de mudar e deixar para trás toda essa construção que parece ter sido benéfica para muitos, mas que deixou muita ruína e desolação pelas bandas de cá.
A Literatura não existe! O excelente texto literário não faz ‘grandes coisas’: quem realmente as faz são as relações públicas (coisa que esse merceeiro não tem lá grande talento). Queridos jovens, se pudesse antes de minha passagem deixar um conselho, seria o de ter muita cara-de-pau e, absolutamente, muita, mas muita grana no bolso.
Como diria o famoso cantor cearense Falcão, “o dinheiro não é tudo, mas é 100%”. Ajuda a pagar ‘os pedágios’ para se alcançar aquilo que se quer. Tenham-na em profusão!
No mais, para mim, a Literatura acabou. Atividades culturais e artísticas também. Só tenho uma coisa em mente: dinheiro. Só isso. Arte & Literatura só servem de dissabor, desautorização, desidratação.
Se o(a) prezado(a) jovem tem talento para as Artes, um dica: fuja! Nem pense! Vá ganhar dinheiro, tenha uma ocupação que preste (leia-se, nada dessa coisa “de Humanas”) e fuja dessa merda. Seja como eu, um merceeiro bem a fim de encher o bolso de grana.
Só isso é que é vida. O resto é vontade de encher linguiça.
Não percam tempo com os(as) vivaldinos(as); é o que mais tem na área de humanas e, principalmente, nas Artes. Se tiverem pouco apreço a livros, cinema, artes plásticas, teatro, fotografia, dança, entre tantos, já é um excelente começo! Não percam tempo com essa bosta!
Corram atrás da ‘paixão’! Com muito dinheiro no bolso & na conta bancária, s.v.p.!!!
Nem pensar uma ‘paixão’ “de Humanas”! Não façam isso! Nem ‘paixão’ “por Artes”! Os dois são um poço de destruição da vida. O(A) querido(a) jovem pode até se endereçar a tal, mas sempre com muito dinheiro no bolso & um espírito de mercador-de-escravos. Ah! E sempre prontos para ‘matar’ a concorrência, sem dó!
Bom, preciso descansar. Estou exausto. Sabe, dá até certa leveza deixar para trás a Literatura & as Artes, não ter mais de encarar decepção & desapontamento aos borbotões. Não quero mais ser visto como ‘o cara legal’, ‘o bacanudo’, ‘o erudito’, e mais um monte de falsidades que falam sobre esse cansado merceeiro. Meu mestre, agora, é o falecido Armênio Mendes: muita grana no bolso, pagando o sistema e, se for o caso, tocar no frosquete de uma penca (como se não houvesse amanhã!).
Se caso o querido editor desse espaço permitir, a Mercearia continua. É o único contato com texto escrito que ainda tenho algum prazer de ter. Para aqueles que ainda me veem como “alguém da Literatura”, é bom começar a definitivamente me deixar de lado. Mesmo! Na tora! Parto para outra, lá não tem essas preocupações estéticas & uma tremenda punheta-siririca verborrágica que, pelas bandas de cá, só deixaram escombros.
Para os que continuam, meus parabéns & desejo sorte. E que Deus ilumine o caminho de todos.




Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO


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