Friday, May 31, 2019

A SOLIDÃO DO HOMEM FOFO #3 (por Germano Quaresma)


A SOLIDÃO DO HOMEM FOFO
Cap X

Volto aqui eu, o narrador, para uma breve reflexão:

O que quer o homem fofo? Filho espúrio de uma época de ocaso, protagonizada por tristes figuras qual Fernando Gabeira, o homem fofo surge como reação ao crepúsculo de um macho romântico, sadio e bondoso, que amava as mulheres sem alienar sua alma ao diabo. Na aurora de enxofre que sucedeu o arrebol do velho macho luziu este espécime execrável, descontextualizado (ele próprio se diz "desconstruido"), sem identidade nem opinião firme. Arroja-se a infâmias como comer saladinhas, cheirar a rolha do vinho e fazer observações sobre safra, acidez, oxidação, combina cores de roupa. Degradou-se, enfim, no afã de agradar a pauta feminista impositiva que matou seu antecessor. Pra não sucumbir, capitulou. Em vez de lutar, aliou-se ao dominador.

Mas, tal e qual o colonizador norte americano tem profundo desprezo pelo índio brazuca que o bajula, as mulheres nutrem pelo homem fofo verdadeiro nojo. Via de regra, quando na companhia de um alfa generoso, que as ame de fato, soem falar mal de um antigo companheiro fofo, a quem atribuem as piores infâmias.

Opinião igual não colhe o fofo entre seus pares homens. Tratam-no como a um traidor, um pelego, um pária, e isso por razões óbvias. Enfim, resta-lhe o isolamento, eis que também entre outros homens fofos não construiu algo como solidariedade, sororidade, etc. Triste arremedo de varão.

A SOLIDÃO DO HOMEM FOFO
Cap. XI

Prossigo eu, vosso humílimo narrador.

Pode-se compendiar todo o pensamento do século das luzes, o dezenove, e chegar--se-á à inequívoca conclusão de que o animal homem vive primordialmente para perpetuar sua espécie. Outra coisa não nos diz Darwin, e aqui me dispenso de explicação. Outra coisa não nos diz Marx, que atrás da ideologia de classe outra coisa não sugere que a multiplicação da classe operária para dominação do mundo. Outra coisa não nos diz Freud, que tudo reduz a sexo, e o sexo é motor da procriação. Ainda que ao pensamento do dezenove se viesse somar Nietzsche, este também não prega outra coisa que o surgimento de um novo homem. Ora, não há como surgir novo homem sem procriação.

O problema foi o pensamento do subsequente, o triste século vinte, que produziu Einstein, o relativizador que não trepava, e Sartre, o promíscuo que trepavaa desbragadamente, mas não para procriar. Do abismo existencial em que o século vinte nos lançou, com suas duas bombas atômicas, chegamos ao presente com esta excrescência que é tomada pelo novo homem nietzschiano: o fofo.

Nascido do espólio do proletariado lutador em cruza com a burguesia falida, o homem fofo tem uma compulsão mórbida por se reproduzir, coisa de que se deveria furtar. E para tanto, via de regra elege uma mulher que de fofa só tem a aparência: uma leoa autoritária que o humilha diuturnamente.

Mateos, o melhor correntista do Eros Fomento Fundos Calções etc, casou com a Sâmila, gerente de relacionamento, um casamento com direito a álbum, floricultura, madrinhas, festança e um padre a abençoar com palavras vagas que nada somavam à fé da assembleia. Do casamento falamos outro dia, hoje importa relatar, num salto temporal, que dois meses depois a menstruação da Sâmila não desceu. Os dois foram à farmácia, ela mijou num potinho e deu positivo. Este secular ritual humano, que nada de original contém, a parelha achou por bem documentar, partilhando na rede social desde a primeira suspeita, entre múltiplos emoticon hearts. Confirmada a prenhez da Sâmila, Mat não se pejou de postar uma foto de ambos, barrigas de fora, com o título:

GRÁVIDOS

Seguiam, à bizarrice de tal enunciado, três pontos de exclamação e um emoticon heart.

Bem, eu devia contar, e me olvidei, que a goma encontrada sobre o assento de Sâmila Sem Calçola não era, como julgou o grosseiro Kleber, resquício de amores noturnos. Ela ovulava ostensiva, fêmea em flor a pedir zangão que lhe adoçasse o mel. 🍯

Amanhã tem mais se Deus quiser

A SOLIDÃO DO HOMEM FOFO
capítulo XII

Acordo amargurado nesta manhã tardia de outono por escrever mais um capítulo deste bizarra história em que me meti, por buscar algum sentido à existência, hoje amargurada feito eu, este vosso humílimo narrador, que busca na rede virtual um lampejo de alegria, com a depressão a lhe fuçar o cangote diariamente (sicut Felicidade, Neuza, op. cit.). Eu próprio, vosso humílimo narrador, que me recusei terminantemente a abandonar a arena e virar a porra de um homem fofo, eu, que ainda professo um machismo sadio, um machismo moleque, um machismo arte etc. Buá. Retomemos a trama:

Fiz um avanço temporal pra mostrar que o casamento de Mateos, o Fofo, com Sâmila, a Imperatriz, redundará no nascimento de Raoni (assim se haverá de chamar o petiz), mas só daqui a muitos capítulos. Por ora, retomemos o recorte inicial, em que Sâmila, que tinha ido ao labor diário no banco, sem calcinhas, a pedido de Mateos, que as queria inalar ao longo do dia, fora ao toalete deixando sobre o assento de sua chaise-directeur uma poça de goma, que Kleber inopinadamente colheu na ponta dos dedos sendo interceptado por Getúlio. Os dois foram por fim interceptados por Sâmila.

Getúlio: "Que porra é essa?" (a substância nos dedos de Kleber)

Kleber: "É exatamente isso, Dr. Getúlio: porra."

Sâmila arroja um sonoro bofete na face esquerda de Kleber. Duas horas depois está na sala de Getúlio expondo que está em período fértil e que desgraçadamente ovulou sem reparar que havia lambuzado a cadeira, mas que não cabia ao escroto do Kleber (a esta altura já demitido por justa causa) e ameaçando processar banco gerente e o caralho a quatro.

Getúlio: "Por tudo o que vivemos um dia, querida. Não faça isso. Você sabe que eu não participei de nenhuma invasão à sua privacidade, e só te defendi dessa grosseria do idiota. Tanto que o demiti imediatamente."

Ela faz um muxoxo, enxuga uma lágrima no canto do olho direito e se aparta. Liga para Mateos.

"Vou chamar meu marido aqui. Ele que vai decidir."

A SOLIDÃO DO HOMEM FOFO
cap. XIII

As ruas do Soho, em London, ainda conservam qualquer charme, a despeito da degradação do bairro (sim, a história se passa em Londres - nota do tradutor). Kleber está num beco de Chinatown, a gravata slim esgarçada, nó frouxo, a camisa desfraldada pra fora das calças. Ele está sentado numa guia de sarjeta com uma garrafa de whiskey, pela metade, na mão esquerda. A mão direita tenta sustentar sua cabeça, que insiste em cair. Ele chora. Um casal de gays se aproxima, o mais sensível acocora-se e lhe acaricia os cabelos:

"Hey, man, o que houve? Quer um abraço?"

Kleber desaba num choro sentido e afunda o rosto no peitoral do jovem halterofilista. Duram 36 segundos suas lágrimas. Logo ele se recompõe e afasta seu salvador com um safanão.

"Bicha escrota do caralho."

Sai correndo, entra num beco, senta de novo e chora mais. Sente-se abandonado como nunca, ou como quando o pai saiu de casa, ou como quando Sâmila começou a sair com o Getúlio lá no banco, ou, lembrando de banco, como quando perdeu seu emprego, o que, aliás, acabou de acontecer. Mais choro convulsivo.

Ainda ontem, depois do esporro que Sâmila deu no gracioso gerente getúlio, o generoso - 4g - chegou no banco Mateos, titular de uma das melhores contas da carteira de pessoas jurídicas, ameaçando tocar o puteiro e processar por danos morais causados à sua senhora, além de, óbvio, encerrar a conta. Panos quentes e contemporização, afinal ela pretende seguir carreira na instituição, e Getúlio vê muito potencial na Gerente de Relacionamento, e já que o pivô da quizília está fora do banco, e por causa justa, sigamos. De noite, na cama:

"Foi machista e babaca a sua atitude de me obrigar a ir trabalhar sem calcinha. E eu, por causa da opressão secular que está introjetada na gente, me permiti. Nunca mais vou fazer isso. Olha a merda que deu, vazou tudo, fiquei exposta. De hoje em diante você só vai usar cueca se eu deixar e... (blergh) " - ela vomita.

"Meu amor, você está bem?"

"Um enjoo. Acho que vamos ficar grávidos."

Os olhos de Mateos brilham.


Wikipedia: The Softman's Solitude é uma série de TV norteamericana inicialmente exibida pela Endemol em EUA e vários países da Europa. Nela são contadas as aventuras de um narrador sem nome, que se suspeita ser uma projeção egoica do autor Harrison Chains. Há correspondências entre a trama e a vida pessoal do autor, que jura ser tudo ficção. No Brasil, a QuaresmaFlix comprou os dreitos de exibição da série e vem publicando capítulos assiduamente. Aqui a obra recebeu o título A Solidão do Homem Fofo, e tem tradução do renomado anglicista Manoel Herzog. Não perdam!


Germano Quaresma, ou Manoel Herzog,
nasceu em Santos, São Paulo, em 1964.
Criado na cidade de Cubatão,
trabalhou na indústria química
e formou-se em Direito.
Estreou na literatura em 1987
com os poemas de Brincadeira Surrealista.
É autor dos romances
A Jaca do Cemitério É Mais Doce (2017),
Dec(ad)ência (2016), O Evangelista (2015)
e Companhia Brasileira de Alquimia (2013),
além dos livros de poemas
6 Sonetos D’amor em Branco e Preto (2016)
e A Comédia de Alissia Bloom (2014).

Este é seu novo trabalho, recém lançado:



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