UM POEMA PÓSTUMO COM O CRIVO DO HOMENAGEADO
(por Alex Sakai)
O poema a seguir foi escrito para Márcio Calafiori em 2009, quando me disseram q ele tinha falecido. Aí eu soube que era tudo mentira e mandei o poema pra ele. Ele revisou as rimas e me devolveu o poema. Foi a primeira vez em que um poema póstumo foi revisado pelo defunto.
NOITE FRIA DA ALMA
(para Márcio Calafiori)
As noites frias da ilha
São tempo de desalento e solidão.
O silêncio entre as vagas,
Voltando ao continente,
São suplícios de insone calar.
Nada dos telúricos meneios de outrora.
Nenhum sonho, por baço ou baixo,
A ressoar seu nume como uma clarabóia.
Apenas o pêndulo oscilante da memória,
Inexorável, marcando o tempo da morte do anjo da juventude.
As rugas fatais ocultando lentamente
A beleza juvenil
Em sua teia de eras.
As lágrimas já secas. O ventre murcho.. A volúpia calada...
Se és pó ao pó deves voltar.
Se lama na lama deves ficar.
Se tu és lamento um só ai
E desvaneces num átimo.
Procures lentamente por teu verdadeiro ser.
Além da matéria efêmera,
É a casa da esperança
Q tudo renova em sua luz,
Restaurando eternidades
E clareando consciências.
Não é nas plagas do mundo
Q encontrarás teu verdadeiro Eu.
Não é nas fendas amargas da existência
Q reside teu espírito.
Além da matéria densa
É Q existe a vida intensa
Q em vão procuraste em teus descaminhos
Nessa terra estéril de onde viestes.
É no interior silencioso
Na sublime vacuidade dos egos
Q a Paz suprema cresce
E o Amor verdadeiro,
Q nada tem
Nem quer possuir,
Q a tudo envolve
Com seu manto cósmico
Irradia
Dia
A
Dia
A suave luz espiritual
Q
te redimes
Então teu espírito finalmente sorri
Vibrando em uníssono com as esferas
A música
Q extermina quimeras e tormentos
O Amor Q move o sol
E o firmamento.
CALAFIORI E O
SANDUÍCHE DE QUINTA-FEIRA
(por Marcus
Vinicius Batista)
A última
conversa aconteceu há três dias. Ele me convidou para um café que, na verdade,
viraria lanche às cinco da tarde da próxima quinta-feira. Um sanduíche de
queijo branco, provavelmente acompanhado por presunto. Como bebida, suco de uva
integral.
Ele me avisou
que me daria alguns livros, o que sempre acontecia em nossos encontros, na casa
dele. Da última vez, ele me deu Joyland, de Stephen King. Preferia os contos do
escritor norte-americano aos romances. “Ele, às vezes, escreve demais.” Pegou
emprestado um romance policial, que pertencia a um amigo comum, o André Rittes.
Aprendi com
Calafiori a ideia de que livros devem circular e que só se mantém vivos se
passarem de mão em mão. Livros, também, salvam as contas em meses muito
apertados. Ele me reapresentou o Américo, um colega de futebol e hoje
comerciante de livros usados.
Encontrei
Márcio Calafiori há cerca de um mês. Ele estava cerca de 20 quilos mais magro,
disciplinado com a diabetes e preocupado com as sessões de hemodiálise.
Colocaria uma fístula no braço direito, dois dias depois. Pelas razões
colocadas acima mais a minha mudança no estilo de vida também por causa da
diabetes, a saúde ocupou muito tempo da nossa conversa.
Como eu havia
feito estágio numa clínica de Nefrologia, acompanhando pacientes em
hemodiálise, a terminologia parecia integrar um papo cotidiano. Ele me falava
da necessidade de transplante, dos remédios, discutíamos custos, dietas,
horário para a aplicação de insulina e nossos excessos do passado.
Inevitavelmente,
desviamos o assunto e fomos para a literatura e para o jornalismo, temas de
sempre que nos levaram à sala de aula por cinco anos na Universidade Santa
Cecília, até que Márcio se aposentou. A universidade, onde nos conhecemos no
começo da década passada, era pauta antes dos almoços, agora dos lanches de
final de tarde. Tivemos que trocar o macarrão italiano legítimo e a linguiça de
primeira com molho de tomate importado pelo sanduíche natural. Márcio fazia
macarrão demais e me obrigava a levar quase meio pacote para casa. Presente
para Beth, ele dizia.
Márcio
Calafiori foi um dos melhores professores e jornalistas que conheci. Um dos
três melhores textos, sem dúvida. Era um jornalista à moda antiga, daqueles que
– até na semana passada – andam com um bloquinho de anotações. As pequenas
histórias, os grandes diálogos da rua agora povoavam suas postagens no
Facebook. Ou invadiam seus contos, em fase de preparação, sonhando com um livro
em breve.
Como
jornalista do século passado, Márcio era um boêmio, um homem de excessos
noturnos. Cansei de acompanhá-lo no restaurante Cook’s, no Supercentro
Boqueirão, depois que dávamos as aulas de Leitura e Produção de Textos. Ele,
uma porção e uma cerveja. Eu, um misto quente e uma, duas latas de Pepsi.
Conversávamos por uma hora e meia, duas horas, até que ele me convencia a pegar
carona de táxi. “Márcio, eu moro a um quilômetro. Vou a pé.” “Malandro, vamos
embora”, era a resposta.
Márcio nunca
destratava ninguém, mas era de uma honestidade intelectual rigorosa. Não
poupava palavras para expor críticas e propor soluções. Aproximava o rosto da
tela do computador e trabalhava um texto palavra por palavra. Um ourives de
lentes aumentadas diante da joia em lapidação. Ou da eminência de descobrir que
se tratava de uma pedra sem valor.
No nosso
último encontro, dei a ele meu último livro de presente. Márcio não ia aos
lançamentos. Não gostava do que chamava de Tertúlias, uma piada que nos
divertia sempre. Márcio teceu elogios calorosos à edição feita por Beth e à
ilustrações do DaCosta. “Ele está cada vez melhor. Gênio.” Não sei Calafiori
leu meus textos e diria suas opiniões na próxima quinta-feira. Levarei essa
curiosidade comigo. Por outro lado, ele gostou dos textos iniciais do blog que
abriga essa homenagem. A opinião verdadeira dele era um presente.
Márcio estava
muito contente. Estava casado com Regina, a “companheira para o final da vida”,
nas palavras dele. Fez questão de me contar como haviam se conhecido – história
que se esquecera de relatar em outras ocasiões – e da gafe que cometera no
primeiro dia. Contava a história, colocava a mão na barriga e gargalhava
jogando a cabeça para trás, como sempre fazia, seguido de um “Malandroooo!”. A
satisfação também vinha do livro do pai, recém-publicado e editado por Beth.
Combinamos,
diante das nossas semelhanças em proporções diferentes de diabéticos, de nos
encontrarmos todos os meses. Colocar a conversa em dia. Falar sobre Jornalismo
e Literatura. Trocar livros. Relembrar histórias juntos. Dividir nossos
escritos.
Seria na
próxima quinta-feira, às 17 horas. Um lanche, duas horas de conversa, depois eu
partiria para dar aula. Na última vez, fez questão de me levar até a esquina
para prolongar a conversa. Nos despedimos com um abraço fraterno.
Na
quinta-feira, Márcio, neste horário, farei um lanche em sua homenagem. Muito
obrigado pela amizade. Desculpe-me pelas lágrimas. Um abraço, Malandro!
A DICA DO
CALAFA
(por Marcelo
Rayel Correggiari)
O grande
jornalista Sérgio Cabral (17 de maio de 1937, Cascadura, Rio de Janeiro) tinha
um hábito bastante peculiar, quando “foca”, toda vez que conseguia escapar do
segundo clichê, saía da redação e passava na casa do grande mestre Pixinguinha.
Tiro-e-queda:
além de gozar das grandes amizades e de uma música excelente, dessa dos grandes
compositores, tinha em primeira-mão notícias do meio musical que fatalmente o
colocavam como o grande destaque da redação no dia seguinte, sempre com as suas
novas “mais quentes”.
Se alguém
quisesse saber do que rolaria no meio musical do Rio nos anos 1950, o nome era
o de Sérgio Cabral. Com amigos(as) dessa envergadura, não tardou em se tornar
compositor e pesquisador de música e cultura popular.
Um dia,
indagado sobre o porquê não se faziam mais jornalistas como antigamente, Cabral
foi taxativo: “Jornalista tem de se enriquecer culturalmente, sempre!
Jornalista não pode ficar preso em redação... jornalista tem de andar na rua!”.
Essa renomada
revista, a Leva um Casaquinho, tomou seu segundo duríssimo golpe: em menos de
seis meses, após o desaparecimento de Álvaro de Carvalho Jr., não está mais
entre nós o queridíssimo e já saudoso Márcio Calafiori.
Somados à
recente passagem do eterno Alfredo Monte, há de se apontar que a coisa vem
andando para trás, em termos locais, regionais, a passos gigantescamente
largos. Sinceramente, fico ressabiado se realmente temos peças de reposição à
altura.
Os grandes
mestres já não estão mais entre nós para suas visões, aconselhamentos, dicas,
todas elas, acima de tudo, para o enriquecimento tanto dos críticos quanto da
plateia.
Isso tem um
custo caro lá na frente, hein?!
Márcio
Calafiori não formou duas gerações de jornalistas, como andam dizendo: foram
três! Muito do jornalismo regional e nacional teve a influência da forma de se
fazer jornalismo protagonizada pelo querido Calafa.
Pelas
manifestações referentes à sua passagem no último domingo, foram três as
gerações que chegaram ao mundo pelas mãos do querido mestre.
Profissionais
que estão na lida, na luta, representando a atividade com galhardia, feito à
fidalguia inerente ao estimadíssimo Márcio Calafiori. Jornalistas engajados,
que não baixam a cabeça para a primeira aberração que pinta na área. Gente que
herdou do mestre o finíssimo paladar requintado pelas Artes a fim de se
enriquecerem como pessoas, como jornalistas, como pupilos atentos contra tudo
aquilo que vem em nossa direção para nos desestabilizar.
O mestre
rigoroso e generoso, um homem que talvez não admitisse colegas de profissão e
de ensino, na Universidade Santa Cecília, que apreciassem (ou flertassem com) o
abjeto. Com a velocidade de leitura semelhante a de se beber um cópo d’água num
dia de grande sede, essa Mercearia passava perrengue: “Ah! Vamos escrever qualquer
coisa... ninguém vai ler, mesmo!”.
“Rapááá...!”.
Saía a postagem semanal da revista e lá estavam os comentários dele logo
abaixo. Era bom não vacilar com essa de que “... ninguém vai ler”. Ele lia!
Além,
obviamente, de sua sempre brilhante participação nessa revista com o “Canto de
Página” e os inesquecíveis “Conto Mínimo”. Como já dito aqui, um jornalista
ligado às Artes (com algum especial relevo do cinema) cuja participação nessa
publicação eletrônica justamente se dava sobre o caráter sensível, artístico e
poético com o qual traduzia a vida.
Uma das
grandes dicas do Calafa: o enriquecimento, independente de qual profissão você
exerça! Não seja “teba”, “mocorongo”, “détraqué”, perdido(a) nas costumeiras
“ambições míopes” que parecem ter se tornado um enxame nos dias de hoje.
Márcio Calafiori
é pela vida. A vida, com seus bons desencontros, esses de ‘ficar sem rumo’, mas
que fornecem grandes canções e poesias. Grande cronista, sim, mas sem perder a
veia do lírico, do poético, daquilo que constitui a vida.
Advindo da
escola dos grandes jornalistas, como Sérgio Cabral, sua outra grande dica de
ouro: jornalista é para andar na rua! Se o jornal é o encontro das grandes
& boas histórias “de uma aldeia”, não faz muito sentido jornalista na
frente do computador.
Jornalismo é
profissão de se andar pelas ruas. Sem isso, o(a) leitor(a) fica sem as boas
& grandes histórias. Dica do Calafa: máquina de escrever (hoje em dia,
computador, tablet, celular, sei lá... essas frescuras) é só para
materializá-las (as histórias). Viver é na rua! Cinema, cerveja, teatro, show,
beijo, luar, restaurante, exposição, festa, bar, abraço, tertúlias, dramas,
festival, colóquio, cachaça, tragédia, riso, encontro, lágrima, chegada, café,
desavença, literatura, desencontro, dança, partida, tudo isso é na rua!
Sem “a vida”
(essa que acontece nas ruas) não há grandes jornais.
Grande dica,
essa, a do Calafa, hein?!
O mestre segue
em novo ciclo. Deixou o corpo para povoar e existir em nosso inconsciente, como
fizeram Narciso de Andrade, Plínio Marcos, José Antônio Rezende de Almeida
Prado, Roldão Mendes Rosa, Patrícia Galvão, Gilberto Mendes, Lydia Federici,
Alfredo Monte, Nelson Salazar Marquez, Maritns Fontes, entre tantos(as).
Saudade
eterna... ausência sentida. Ainda sem chão. Uma angustiante sensação, nesse
momento, de que ainda não sabemos muito bem o que fazer.
BEIJOS BEIJOS
BEIJOS
(por Juliana
Rosano)
Era o meu
último ano no Jornalismo da Unisanta e foi o primeiro dele como professor na
universidade. 1999. As minhas lembranças daquela época são mais bem nebulosas,
portanto algum detalhe pode escapar.
Fui com a cara
dele desde o começo. Sujeito bonachão. Eu, uma jovem com aspirações literárias,
com uma fascinação pelo underground. Não demorou para ele se juntar ao grupo
“dos malditos” da turma de Jornalismo. Sempre no final das aulas, ele se
juntava ao nosso grupo para beber uma. Nas sextas-feiras, esticávamos ao
Lanches Praia, ali na esquina da Conselheiro com a Epitácio.
Foram muitas
conversas, sempre regadas com muita cerveja. Às vezes batia a aura “lorde
falido” dele e tomávamos um Dry Martini. Foi durante esses papos que descobri
alguém de gostos refinados e humor ácido. Também foi o meu grande incentivador
para que eu continuasse a escrever. Ele foi o primeiro quem leu o meu clássico
conto “Delírio de uma Noite Selvagem” e partilhamos a alegria de quando foi
publicado na Big Man Internacional. Sinceramente não me lembro de nenhum
conselho jornalístico que ele tenha me dado, ele me via mais como uma
escritora, do que qualquer outra coisa, e lá no fundo, eu nos via como a Anäis
Nin e o Henry Miller do século XXI.
Acredito que
um dos seus principais prazeres era presentear livros. Ele me deu três: o
primeiro, “Diana Caçadora”, da Marcia Denser, onde ele escreveu algo assim como
dedicatória: “para a minha querida Julie Cass, a futura grande escritora...”; o
segundo foi o “Porre”, do Peter Benchley e o último, no meu 22º aniversário, um
do Bukowski “O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do
navio”.
Depois, por
circunstâncias da vida, nos distanciamos. Eu fui embora do país, voltei e fui
embora de novo, acabamos ficando muitos anos sem nos falar. Até que o advento
das redes sociais nos reaproximou. Mesmo depois de tantos anos, ele ainda se
prestava a ser meu editor pessoal: leu, releu e corrigiu vários textos escritos
por mim. Inclusive nos seus “poeminhas de domingo”, ele publicou um poema meu.
O último ano nas redes sociais foi marcado por um post infeliz que ele fez,
celebrando o aniversário do Roberto Carlos (o cantor). Aí, meu, não teve
jeito... O Edu Cavalcanti e eu não perdoamos. A zoeira tomou conta de nossas
publicações: ele se metia comigo e com o Edu por a gente gostar de rock e eu e
o Edu nos metíamos com ele por ele camuflar o seu gosto pelos RCs (Roberto
Carlos e Ray Conniff). Foi um ano prolífico de batalhas verborrágicas; qualquer
coisa, fosse um show, uma música, um filme, ou até os bonecos Funko Pop, tudo
era motivo de zoeira, que eu rio sozinha quando lembro. Era sempre uma alegria
ver como ele comentava, respondia, estava ao tanto de tudo e todos os
comentários que os amigos faziam no Facebook. Ainda que, devido às nossas
provocações, sempre que eu publicava alguma coisa, ele reagia com uma “carinha
enfezada” e vice-versa.
Quando da
minha última viagem ao Brasil, em setembro do ano passado, fiz um âmago de um
reencontro. Mas ele se negou, dizendo que já não podia beber. O que eu acredito
é que ele não queria que as pessoas vissem a gravidade do seu estado. E neste
domingo, 12 de Maio tivemos a triste notícia da sua partida.
A minha
homenagem para ele vai ser, a partir de agora, ter mais disciplina como
escritora. Ele sempre me dizia “se quiser escrever, tem que escrever todos os
dias”. E termino essa pequeno relato como ele sempre se despedia de mim:
BEIJOS, BEIJOS, BEIJOS
CARAJO MAN
(por Paulo
Reda)
Em 2015 fiz
uma postagem aqui ilustrada por uma foto minha com o Márcio Calafiori que tinha
a seguinte legenda: "Ao Mestre com Carinho". Na verdade, nunca
tivemos uma relação de discípulo e mestre, apesar dele ser cerca de oito anos
mais velho que eu e ter sido duas vezes meu chefe. Em conversa mais recente
assumi minha reverência intelectual e profissional a ele, o que o deixou entre
satisfeito e constrangido. Quando o conheci, em 1993, ao assumir a secretaria
de redação do extinto e saudoso Diário do Povo, foi a vez dele me constranger,
ao me chamar de Paulo Francis Reda em uma reunião com a participação de toda
redação. Era uma pequena homenagem, sem dúvida, mas também uma sutil sacanagem
bem-humorada, coisa típica do Calafa. A partir dali surgiu uma amizade alicerçada
em livros, jazz, boêmia e muitas - muitas mesmo - risadas. Choramos juntos a
morte do próprio Francis e do Sinatra nas mesas do Bar Azul. No dia da morte do
Sinatra, o Márcio comprou uma biografia que vinha com um cd encartado e
passamos o dia na redação do Diário Popular a ouvir os sucessos do Old Blue
Eyes, para minha alegria e desespero do pessoal mais jovem que ali trabalhava.
Essa é uma das muitas histórias que poderia relembrar do Calafa. Mas agora só
desejo manifestar minha profunda admiração e carinho por esse imenso camarada.
E encerrar com o brado inventado por ele em uma daquelas tardes inesquecíveis
no Diário do Povo: "Carajo Man"!!!!
OI MÁRCIO
CALAFIORI, BOM DIA!
(por Márcia
Okida)
Oi Márcio
Calafiori, bom dia! Que horas e onde a gente se encontra hoje para ir na
exposição da Beatriz Rota-Rossi?
Era assim que
eu queria que meu dia começasse hoje! Era isso que estava programado! E eu
estava tão feliz por isso! Por te ver, por vc sair de casa (era difícil te
fazer sair), pq os abraços que te mando sempre virtualmente, te daria
pessoalmente.
Mas Márcio, a
vida, o destino não quis assim! E este texto que escrevo agora é para você, por
isso pode ser textão 🙂 Também é para
quem tiver paciência de ler e quiser saber mais de você por outro ângulo, até
pq o meu lado é totalmente diferente do da grande maioria: 0% jornalístico \o/ 🙂
Ao invés disso
– da pergunta do início do texto – o que tenho pra te contar – e somente hoje
porque não tive coragem, nem forças, para escrever sobre você ontem – é que,
nossa, nossaaaaaa quanta coisa linda li de você, sobre você e para você. E olha
que li, acredito, 90% ou mais das mensagens, comentários etc feitos em sua
homenagem nestes dias.
E cheguei à
conclusão que nossa amizade era fora da curva, ou fora da caixinha 🙂
Não fui sua
aluna! Não sou jornalista! Meu trabalho não é relacionado aos textos – sou
designer, das artes e imagens!
Também nunca
tive o prazer de sair para beber ou apenas sentar em uma mesa de bar com vc,
nunca, como pode isso!!!
Sou sua amiga
careta, sua amiga que não bebe nada, nunca fumou nada e nunca usou nada, nada
mesmo. A louca por natureza, “vc não precisa Marciaaaa”, vc diria, como já
disse algumas vezes! Outra diferença: vc nunca me chamou de “malandroooo” 🙂
Não sei
escrever textos lindos, perfeitos, com a profundidade dos textos jornalísticos,
das crônicas da vida ou que falam dos seus ensinamentos de uma sala de aula,
como a imensa maioria que li aqui.
Escrevo do meu
jeito mesmo... vc um dia disse que meus contos – vc foi a primeira pessoa para
quem mostrei um conto meu – tinham o estilo de Tchekhov!! Pronto vc criou um
monstro 🙂
Vc revisou,
leu, arrumou, deu palpites trocamos ideias sobre todos, TODOS, os contos,
crônicas que escrevi até pouco tempo atrás. Vc foi o primeiro a ler todos os
meus haicais que viraram exposição depois.
Vc leu todos
os meus textos sobre o Lorenzo, sobre minha mãe, sobre minha vida...
Todas as
minhas exposições... os nomes, os títulos vieram de você. Afinal Márcio, vc
sabe que sou péssima com títulos e você sempre me deu grandes títulos criativos
e que parece que sabiam exatamente o que eu queria.
O último
“Mulheres2 – Impressões de Corpo e Alma” ideia dada no dia 19 de junho. A expo
foi um sucesso!
É, fui olhar
as nossas conversas... sou meio esquecida e atrapalhada, vc sabe... amiga fora
da curva lembra?! 🙂. Fui buscar
fotos, achados, mémorias que sabia guardadas, mas não sabia onde!
E achei tanta
coisa Márcio... tanta coisa... que nem imagina...
Os textos que
vc escrevia para mim de presente de aniversário, Páscoa, Natal... alguns ai em
imagens na postagem.
O meu breve
currículo mais poético e artístico que vc fez para mim... uso até hoje nas
minhas artes e agora que não deixarei de usar jamais! Ta ai tb entre as
imagens.
E o texto que
vc escreveu justificando minha entrada na disciplina de Revista que vc
lecionava junto com o Renato Rovai – se bobear nem ele Renato lembra deste
texto... chorei lendo... ta aí na postagem.
Na verdade
tenho chorado muito... to parando... pq qd começo vem a sua voz aqui “Pô
Marcinha, chorando por minha causa!”
Aliás, vc
lembra Marcio, quando anos e anos atrás me avisaram na sala dos professores que
vc havia morrido? Desandei a chorar que nem louca na sala dos professores...
preocupei um monte de gente. Era o povo me dando água, me acalmando etc... Até
que alguém falou “Mas o Calafiori não morreu não!” A notícia do meu choro
correu a faculdade! Quando você soube que, além de terem te matado o quanto eu
chorei e sofri, levei uma “bronca” de vc. “Pô Marcinha chorar assim por minha
causa”
É Marcio,
desta vez não foi mentira! Até chegar no seu velório aonde fiquei até as 22h30
e voltei na manhã seguinte para a despedida final, esperava que em algum
momento alguém me falasse, novamente, que seria Fake News... mas não rolou.
Nossa amizade
é de vidas, de alma – mesmo vc não acreditando muito nestas coisas espirituais
– mas eu sei que era, é.
Tão
rapidamente logo que nos conhecemos, nos tornamos amigos, nos reconhecemos... e
por 20 anos... vc esteve presente na minha vida com uma força, uma presença,
sem igual mesmo.
Poucos sabem
do quanto era forte a nossa amizade.
Qts segredos
meus eu te falei e sei que vc guardou.
Qts segredos
vc me disse e eu guardei a sete chaves até saber, por vc, que você havia
contato para um ou outro.
Saber da
Regina, conhecer a Regina, logo no início, de como ficou feliz quando deu
entrada nos papeis do casamento no dia 12 de junho – ainda tirei maior onda com
vc falando deste seu lado romântico – dar entrada no casório no dia dos
namorados!!!
Romântico
demais! Como vc estava feliz...
E no dia 13 de
junho te dei os parabéns , pedi o contato da Regina, disse que estava feliz
demais da conta e falei que eu precisava arranjar um amor assim e vc me
respondeu:
“— um dia vc
arranja, o coração precisa estar desarmado”
Palavras suas,
guardadas e gravadas aqui.... Ainda tô na busca Marcioooo... mas vc me escreveu
isso e também escreveu, na mesma mensagem, que estava deprimido com toda esta
situação da hemodiálise.
E como eu
“brigava” com vc, desde maio de 2018, para vc decidir logo a começar a hemodiálise
(que começou apenas em agosto).
Minha última
briga foi pra te convencer a entrar na fila de transplante, também desde maio
do ano passado te falava disso.
Você também
brigava comigo, pegava no meu pé, dava bronca... ficou do meu lado em todos, TODOS
os perrengues da minha vida que tive depois de te conhecer. Muitos deles,
muitos amigos nem sonham que aconteceram. Só você soube e me ajudou e me
socorreu!
E isso desde
sempre... ou seja 20 anos de broncas, pegação de pé, de troca, reciprocidade,
de confiança, de ajuda...
20 anos de
muita, muita, muita amizade, carinho, respeito, amor mesmo... amor de alma!
Era assim que
era.
Marcio...
Agora não tem
mais nossas críticas e debates sobre a educação, formação...
Seus
comentários para causar nas redes sociais e sua confissão pra mim “Marciaaa
escrevi lá só pra discordar, gosto de causar polêmica”. Aliás, quando dava aula
em jornalismo, na sala de aula, uma vez você disse “A Okida já é jornalista
porque ama uma polêmica”. Amo mesmo!!!
Agora não tem
mais brigas, pegação no pé....
Não tem mais
piadas...
Não tem mais
as críticas ao mundo, as pessoas...
Não terei mais
um poema seu de presente de aniversário ou natal, ou sei lá de que... alguns
aqui nesta postagem
Não terá mais
você falando na voz do Lorenzo!!!! Que encontro foi aquele hein na sua casa...
O Lorenzo e você, “A Voz”. Como era lindo ver/ler vc encarnando ele... Prometo
tentar resgatar essas falas do Lorenzo por Marcio Calafiori, mesmo... vai ser
difícil, mas vou tentar.
Afinal que
criança teve o privilégio de ter como 2ª personalidade um Marcio Calafiori!!!
Numa das
nossas ultimas conversas vc me perguntou:
“Não tenho
visto mais o Lorenzo por aqui, cadê ele?”
Nesse dia
falei que ele estava viajando e te apresentei o Yuichi. Trocamos algumas linhas
engraçadas sobre o nome Yuichi e de onde tinha vindo. A partir daí vc também
perguntava sobre como estavam Lorenzo, minha irmã e Yuichi.
É Marcio...
Estou te
escrevendo isso por uma necessidade: de colocar um pouco pra fora tudo que
estou sentindo. Quem sabe falando pro mundo, mesmo que o mundo não leia, a dor
diminui.
Tinha
prometido pra mim e pra vc que não ia chorar mais a partir da primeira linha
deste texto... mas não deu.
Chorei...
Mas prometo
tentar parar!
Afinal
acredito mesmo que tudo acontece na hora certa que tem que acontecer.
Acredito que a
vida continua e que vc esta melhor na sua nova caminhada.
Mas saber isso
não elimina a dor...
Mas essa dor
eu sei que vai virar uma linda saudade, repleta de lembranças e de muita
história.
História essa
que agradeço demais por existir e ter colocado você no meu caminho.
Fico por
aqui... com certeza se vc revisasse este texto mudaria mil coisas,
principalmente as minhas “...” 🙂 🙂 Mania de “...”
Termino com o
um dos últimos poemas que vc me mandou do poeta Antonio Machado:
“Quando o
pintassilgo não pode cantar.
Quando o poeta
é um peregrino.
Quando de nada
nos serve rezar.
`Caminhante
não há caminho,
se faz o
caminho ao caminhar…´
Golpe a golpe,
verso a verso.”
É isso...
Golpe a golpe, verso a verso... vc continuará comigo sempre!
Márcio
Calafiori Siga em paz amigo... grande amigo...
Fica uma
grande falta... e saudades...
Márcio Calafiori foi jornalista, escritor e professor. Nasceu em 1957 e se formou pela Facos em 1986. Exerceu quase todos os cargos em redações de jornais em Santos, Santo André, Campinas e São Paulo. Foi redator, repórter, revisor, editor, secretário de redação, chefe de reportagem e ombudsman. Aposentou-se em 2012 como professor da Unisanta, depois de 29 anos de dedicação exclusiva ao Jornalismo Impresso. Na falta de coisa melhor para fazer, foi uma espécie de sócio fundador de LEVA UM CASAQUINHO
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