Tuesday, May 7, 2019

JOHNNY LIMPO 300 DIAS (por JR Fidalgo)



“Johnny limpo 300 dias”. Estava lá, escrito em letras grandes, com spray preto, no portão ao lado do velho boteco.

Era irônico Johnny, fosse ele quem fosse, ter escolhido aquele portão, ao lado daquele boteco, para proclamar ao mundo que estava limpo há 300 dias.

Aliás, era irônico, antes de mais nada, ver uma inscrição daquela naquele bairro, onde estar limpo não combinava bem com a paisagem. Se houvesse alguma dúvida a respeito, bastaria perguntar para aqueles três caras sentados na mureta do canal.

Aliás, mais interessante mesmo seria perguntar aos três caras se eles conheciam o tal Johnny e o que eles achavam do fato de ele estar limpo há 300 dias.

Mas é claro que ele não perguntou nada aos três sujeitos, visivelmente chapados, muito provavelmente pelo consumo recente das pedras que costumavam rolar por aquelas esquinas e que, com toda a certeza, também não criavam limo.

Ele passou pelos três fantasmas sentados na mureta do canal, que também devem ter visto um fantasma passar por eles, e continuou imaginando por que Johnny resolvera celebrar seus 300 dias de sobriedade com aquela inscrição ao lado do boteco.

Talvez Johnny tivesse sido um freqüentador assíduo daquelas quebradas e, com muita probabilidade, daquele boteco. Ali devia ter tomado muitas, tanto para enganar a fissura quanto para voltar a Terra depois de prolongados períodos fora de órbita.

Talvez aqueles três fantasmas sentados na mureta do canal tivessem compartilhado muitas dessas viagens com Johnny, antes que ele resolvesse pular fora do barco e tentar aprender a nadar.

Talvez fosse exatamente isso: ali, naquela cena de guerra, onde perdera tantas batalhas, Johnny resolvera anunciar que estava nadando, sem se afogar, há 300 dias, e que, se ele estava conseguindo fazer isso, qualquer idiota podia fazer o mesmo –  bastava decidir pular do barco e tentar aprender a nadar.

Ou talvez não fosse nada disso.

Talvez aquela inscrição, embora parecendo nova, fosse antiga, e Johnny podia estar se afogando na merda de novo.

E se Johnny fosse um dos três fantasmas sentados na mureta do canal?

Não, era melhor imaginar que Johnny ainda estava limpo e ainda vivendo por ali, naquele campo de batalha, agora lutando atrás das linhas inimigas.

Ou talvez fosse o contrário.
Vai saber.

Essas histórias podem acabar de qualquer maneira.


JR Fidalgo: um jornalista que tem preguiça de perguntar, um escritor que não tem saco pra escrever e um compositor que não sabe tocar. (mas que, mesmo assim, já escreveu três romances e uma quantidade considerável de canções
ao longo dos últimos 45 anos)

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