Wednesday, July 25, 2018

INDIGÊNCIA (por Marcelo Rayel Correggiari)



Há certo sofrimento para um país periférico como o Brasil construir um ícone, uma imagem: em geral, é um lugar pouco dado a se referir ao que realmente vale, ou tudo aquilo que lhe permitisse bom lastro a partir de algo erigido como resultado da própria lavra.
Ao fim de mais uma Copa do Mundo, cabe aproveitarmos o ensejo para uma de nossas referências domésticas, a “camisa 10” dos times de futebol, por exemplo. Uma assinatura tipicamente brasileira. Cada time tinha o seu: o Corinthians ia de Rivelino, o Santos de Pelé, o Flamengo de Zico, o Palmeiras de Ademir, a Ponte de Dicá... isso para tentar encurtar o parágrafo.
Todos na equipe nacional para quase mitificar o número: a contribuição de cada um para esse ícone internacional que se tornou a camisa 10 amarela.
E não é invenção do delírio nacional: esse envelhecido merceeiro, no exterior, já presenciou o que esse símbolo, de fato, significa.
Até que...
... vindo do mesmo clube do principal “camisa 10” de todos os tempos, o jovem Neymar da Silva Santos Júnior aportou no mundo do futebol. Chamado de “filé de borboleta” pelo ‘profexô’ Wanderley ‘Louxemburg’, o franzino jogador voava longe com o impacto dos mais viris lances protagonizados pelos zagueiros das equipes adversárias.
“A oportunidade faz o ladrão”: o grande expediente de induzir o árbitro a entender que todo lance é falta, quando, na verdade, parte do ‘teatro’ é mera encenação.
Isso elevado a ‘enésima’ potência, deu no que deu: na última Copa, o #neymarchallenger virou a maior piada internacional, elaborada pelos seus mais contundentes críticos e praticada por quase todas as pessoas na face da Terra.
A “camisa 10” amarela, construída com tanto sacrifício, foi para o vinagre: agora, por conta do famigerado jogador, é vista esfregada em qualquer canto do solo terrestre. Nunca um símbolo brasileiro foi tão menosprezado com tanta ‘técnica de solo’ e ‘rolamentos’ mundo afora.
Qual seria o próximo passo? Tal símbolo rolar tanto até parar na sarjeta?
Olá, querido(a) freguês(a)! Neymar Jr. não é uma criação dele mesmo, ou de uma ‘entourage’ que o cerca completamente descolada da realidade (conhecidos(as) nessa última Copa como “... parças”): ele é resultado de, no mínimo, uma desatenção e covardia bem, bem nossas!
Ele é resultado de um grave defeito dos(as) torcedores(as) brasileiros que não torcem para os seus times ou para a equipe nacional: torcem pela vitória! Como na própria vida nacional, vale a “Lei de Gerson”, onde os meios pouco contam diante dos benefícios que somente uma vitória pode trazer.
Coincidentemente, Neymar Jr. revelou-se jogador de bola a partir de um clube que leva o nome de uma cidade pouco afeita sobre “... como você conseguiu esse dinheiro todo?!”. Basta tê-lo, e os tapetes vermelhos da glória de estenderão para você. Independente se essa grana foi conseguida da forma mais ilícita e espúria possível: se está em enormes quantidades na sua conta bancária, isso é o que vale!
Recordemos: não se torce pelo time de coração. Se torce pela vitória!
Em “Fuga de Nova York”, lugar prodigioso por finalmente materializar “em massa” o apequenamento do espírito, todos os valores sobre as construções de ícones, imagens e mediações, sem contar os aspectos humanos que elevem a alma, são colocados na lata do lixo: basta você apresentar seu extrato bancário bem rechonchudo que você será ‘o(a) cara’!
O processo da mais inegável indigência humana, cultural e intelectual que ganhou seu curso em menos de meio-século: peguem o principal “camisa 10” do clube da cidade no final dos anos 1950 e o principal “camisa 10” da mesma agremiação 60 anos depois para verificarem o tamanho do apodrecimento de tudo o que nos cerca.
Neymar Jr. é nossa incapacidade de entender que, desde maio de 1968, fomos incapazes de entregar às novas gerações a democracia massificada. As massas: que fazem desaparecer ‘as castas’... e ainda, nesse início de ‘Era de Aquário’, tem gente falando da carcomida “luta de classes”.
Mais anacrônico, impossível!
As massas: que engolfam o proletariado, a elite, a classe-média, a burguesia, e permitem uma burocracia-de-estado num lugar onde o estado é autoritário e, se bobear, a galera curte um troço desses...
... temos o Neymar Jr. que merecemos!
Neymar Jr. é a nossa mais eficiente incapacidade de ver o que está posto, não como “... o que deveria ser...”, mas “... como realmente é...”. Neymar Jr. é fruto de nosso principal defeito: o “... farinha ‘pouca’, meu pirão primeiro...”, a melhor tradução de nossa horrenda falência de qualquer possibilidade de cognição.
Acima de tudo: a falta de coragem de brecar qualquer um que perpetue a mais baixa das ações iconoclastas. Algo que não é a revolução, ou a transformação para melhor, mas o mais abjeto rastejo que se possa testemunhar.
No caso de Neymar Jr., literalmente.
Poderíamos jogar tudo na conta da educação? Perigoso, isso. Algum olhar um pouco mais atento e verificamos que, às vezes, a educação como ‘estar sensível à percepção’ pode ser uma coisa para lá de subversiva. Nem sempre é vista com bons olhos, por incrível que tal afirmação possa parecer. Ao longo da história dos países, educação também serviu, por exemplo, de fornecimento de mão-de-obra para o que havia de mais asqueroso no que era chamado de ‘burocracia-de-estado’...
... “... a educação como adestramento”. Pensem nisso.
A “camisa 10” brasileira rola muito no chão. E isso não foi inventado da cabeça do próprio jogador: ele, de uma certa maneira, foi educado para tal. É uma (des)educação nossa que, em nome sabe-se lá de quê, veio ao mundo oriunda de um certo amedrontamento de denunciar, “... bater de frente...”, qualquer coisa que eventualmente possa ser prejudicial às nossas construções mais humanas e nacionais, identificadas e respeitadas ao redor do globo.

A “camisa 10” amarela rola pelo chão ultimamente. Qual será o próximo passo em termos de se esculhambar o pouco que produzimos com tanto sacrifício?! Quem terá a coragem de colocar os diversos ‘Neymar Jr.’s espalhados por aí em seus respectivos cantos? Quem será?!


Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 48 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É avesso a hermetismos
e herméticos em geral,
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO

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