Friday, July 6, 2018

INGMAR BERGMAN, CENTENÁRIO DO GÊNIO #1 (por Flávio Viegas Amoreira)



Gênio: com tanta prodigalidade esse termo usado e tão raramente adequado a nomear um artista como foi Ingmar Bergman. Um estilista, um mestre, alguém de quem esperávamos um novo filme como aguardamos hoje um novo Woody Allen ou Almodóvar.

Gênio é o exagero de talento para estruturar uma expressão artística ao limite: no cinema, arte suprema da modernidade poucos deram tanta grandeza aos seus meios quanto o diretor de “Persona” e “O Ovo da Serpente”.

Bergman foi um realizador que usava a técnica a serviço da reflexão profunda, - era um diretor que filosofava, um arqueólogo da alma humana, um pensador tal Kierkegaard com planos, tomadas e perspectivas dum Rembrandt.

Se tivesse que escolher um filme supremo para representar nossa existência e sua precariedade sem pestanejar escolheria “O Sétimo Selo”, verdadeiro documento filmográfico altura dum “Hamlet” ou antes de “A Divina Comédia”. Ando a reler Strindberg e pretendo nesse espaço em julho comentar seu impacto em minha geração, na nossa poesia, todos seus reflexos.

Uma obra que falasse tanto quanto Freud e toda psicanálise?

Em “Morangos Silvestres” inegavelmente temos outro monumento filosófico e psicanalítico sobre a passagem do tempo marcada em nosso espírito, reinventada pela memória.


É impossível fazer ou procurar entender cinema sem passar por um curso intensivo de Bergman.

Assistir suas fitas como guia prático e manual aplicado sobre a sétima arte. O primeiro Bergman a gente nunca esquece.

Onde e com quem, em que época iniciados nesse oficio de fé através dum saber misterioso e revelador?

“Fanny e Alexander”, uma catedral, “A fonte da donzela”, uma capela gótica. Bergman elaborou filmes como arquiteto dum universo refletido desse nosso planeta entre som, fúria e desaparecimento.

Cada um de nós artistas ou tão somente cinéfilos temos essa relação particularíssima com Bergman como assim preferência por determinado vinho ou paisagem sentimental de nossa memória.

Por impacto, afeição ou encantamento ninguém sai impunemente duma sessão de Bergman.

Nos comove pela imagem poderosa e os diálogos antológicos tanto quanto os romances de Herman Hesse na juventude ou os contos de Borges na maturidade.

O absurdo, a solidão intransponível, a dificuldade de comunicação entre gerações e no casamento, as contradições religiosas, o bloqueio da Incomunicabilidade e a condenação de nossa sozinhez.

Bergman é uma enciclopédia filmada de nossos descaminhos, nossos entusiasmos fugazes e abismos. Nesse centenário recordo da Cinemateca de Santos onde descobri seu mundo, de Miro Antunes que o retratava lindamente e do dia que liguei a Gilberto Mendes fissurado pelo diretor falando da sua partida. O maestro desligou aos prantos mal sabendo que a tarde do mesmo dia morria Antonioni. Eram nossos ídolos, nossos íntimos, com quem convivemos eternamente. Tomei de novo seu volume de memórias denominado “Lanterna Mágica” e quanto saber desprendido e destinação a arte ele expressa:  Bergman tinha sensibilidade quase patológica para a existência e essa argúcia que nos passa para esmiuçar o que aqui fazemos...





Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).

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