Sunday, December 9, 2018

A VIDA ÀS VEZES É INSUPORTÁVEL (por Ademir Demarchi)



A vida às vezes é insuportável, assim como quando oferecem pela milésima vez uma sacolinha de plástico com um sorriso de código de barras. E bem depois que você viu fotos de montanhas delas, que nunca vão se degradar, pois é terrível, você vai morrer e elas vão continuar ali, coloridas, com a cor da felicidade que deram, num dia qualquer, para qualquer um.

Não entendo nada da capacidade de sobrevivência da sacolinha, assim como também não entendo como tem quem consegue continuar fumando com aquelas fotos todas de gente perdendo pedaços de si própria estampadas nos maços.

A velha que passou, por exemplo, devia acreditar que chegaria lá, pois veio e se foi, dando passos de tartaruga pela falta de ar, enquanto arfava como se estivesse nas pontas dos pés sobre algum abismo que não consegui vislumbrar, segurando um cigarro queimando mais vivo que ela entre os dedos. Onde achava que ia chegar?

Com certeza não era no mesmo lugar que a outra, de botas, parecendo que ia montar. Essa disse para o telefone móvel – sim, é o que parece, as pessoas estão sempre falando com um pedaço de plástico que acham que é um aparelho, há as que até olham para ele, acho que tentando ver algum par de olhos que quem está longe não vê. Então, ela disse com a maior naturalidade ao pedaço de plástico que vendera o carro pelo melhor preço, o objeto pareceu compreendê-la, e que agora ia comprar outro pela menor parcela, sem nada de culpa pelo fato de que aquele plástico pudesse achar que ela ia fazer o mesmo com ele, mas logo explicou que fez porque precisava da grana para uns negócios imperscrutáveis − seus olhos estavam inacessíveis por trás de um ray-ban de espelhamento degradado e foi aí que pensei que as sacolinhas não, mas os ray-bans sim se degradam...

Mas difícil mesmo não é minha prima ter sobrevivido, difícil foi ter que assistir ao vídeo que ela fez questão de mostrar de todos os seus órgãos internos sendo pinçados por buracos na cirurgia de laparoscopia, aquelas coisas vermelhas se mexendo vivas dentro dela – já não bastava vermos suas banais fotos nos pontos turísticos mais óbvios e seus poemas escritos todos na primeira pessoa inacreditável que ela é.

O mundo está cheio de gente incapaz de entender alguém que abre o melhor bombom que existe e o come apenas pela metade. Meu cachorro mesmo sempre cavuca buracos improváveis e esconde ossos que não acabou de roer e faço de conta que não vejo, achando que ele deve estar guardando para quando a hecatombe nuclear canina chegar − cachorros devem saber das coisas, apesar de que tenho muitas dúvidas quanto a isso quando os vejo cagando.

Sou um cara de sorte, ontem achei uma moeda de 10 centavos, hoje encontrei-me com uma caixa de fósforos faltando apenas um palito, todos os outros por queimar.

[publicado originalmente em 17/07/2008]


Ademir Demarchi é de Maringá, Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata".

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