Na primeira
semana de novembro (ou segunda), esse modesto merceeiro soltou uma que não
seria nada demais (ou para se pensar!) no caso das coisas jamais se tornarem
sérias: sobre o talento nacional de se (só!) mudar as moscas.
No interiorzão
de Minas (válido também para o Vale do Jequitinhonha e Goiás Velho), há uma
instituição chamada “mentira benta”. Em outros lugares do país, vai de “mentira
santa”, mentirinha dita quando os efeitos colaterais da verdade são
arrasadoras.
A “mentira
benta” (ou “santa”!) não seria necessariamente uma mentira, mas uma ocultação.
Tipo de troço que não é mentira, mas a verdade. Contudo, apenas uma pequena
porcentagem da segunda.
Não é mentira,
apenas a verdade, porém longe de sua totalidade: quem sabe, somente 20% do
fato. Mesmo! É uma ‘omissão do holístico’: afinal o(a) corno(a) sempre será
o(a) último(a) a saber.
Costume popular
de se poupar a vítima (ou alvo) de uma verdade aterradora (quando em sua
totalidade) até para quem ficou a cargo da tarefa apocalíptica.
Por exemplo:
renovação política. Isso não existe, mas as pessoas ‘botam fé’. Outra: “esse(a)
fulano(a) é probo(a)! Confio nele(a)!”. O grande humorista Costinha vinha com
“... juro que só vou pôr a ‘cabecinha’...” em algum ponto de seus espetáculos.
O(A)
brasileiro(a), em especial, possui um talento enorme para uma espécie de
“propaganda interna” que somente ele(a) mesmo(a) acredita. É um povo bem
‘bipolar’, na base do “8 ou 80”: uma hora, tomamos ‘Fodex’ e ficamos
‘fodásticos’, na outra, São Nelson Rodrigues nos atormenta com seu rótulo de
“nação vira-lata”.
Uma pessoa que
tenta empurrar amizade com esse inadvertido merceeiro com anzóis do tipo “os
esquemas de corrupção, no novo governo, não serão mais os mesmos” força o
combalido comerciante a acreditar que o(a) dono(a) do enunciado vai para a
lua-de-mel sem as genitais.
Coelhinho da
Páscoa, Papai Noel (o final do ano ‘tá’ chegando!), Loira do Banheiro,
Homem-do-Saco... a fauna é variada. Pega-se algum desses para desperdiçar
crença.
É óbvio que os
esquemas de corrupção serão os mesmos! Talvez, corruptores nunca vistos antes,
algumas empreiteiras diferentes... mas o ‘vai-da-valsa’ tem tudo para
continuar.
Não se trata de
‘niilismo’: trata-se de que uma das características do século XXI, a saber, a
tal da ‘riqueza’, está cada vez mais distante de ser estabelecida em bases
minimamente honestas.
Quando há alguma
honestidade, ou ‘pureza de coração’, lá vem aquela enxurrada de ‘mensagens
frias’: o sorvete vai na testa de maneira gritante ao nos apercebermos de que o
espaço foi ganho por algum(a) ‘songa-monga’ oportunista.
Porque ser 100%
verdadeiro é algo impossível, ser humano algum aguenta. Saber, por exemplo, que
sexo é moeda-de-troca e favores sexuais celebrados em cima da cama (pode ser em
outros ambientes também) dão resultados para lá de eficientes. Uma performance
proba, para o bem-estar geral e coletivo, pode, como outro exemplo, desmoronar
diante do “aceite” de um convite.
Como ser 100%
verdadeiro com a ‘vida acadêmica’, por exemplo, quando isso mais se assemelha a
uma sala cheia de atores pornôs, de calças arriadas, fazendo uma fálica
competição na base do “... meu currículo Lattes é maior do que o seu”.
Sinceridade é
uma coisa feita para jamais ser usada.
Inclusive, a
‘mentira benta’ salva vidas.
Na madrugada de
ontem para hoje, tremendo ‘finde’, sabadão-domingão com aquele clima de boa
primavera, bares cheios, alguns quiosques também, cervejas no ponto, carros do
ano, felicidade mil com as casas noturnas devidamente frequentadas, empreendimentos
imobiliários de quase R$ 2 milhões a unidade por esse ‘grande Leblon’ com
ocupação máxima, e a ‘perguntinha’: “... de onde saiu todo esse dinheiro?!”.
“Não estaríamos ‘na merda’?!”.
“É mentira
beeeeeeenta, sô!”. Tem crise, mas não tem, entende?! A corrupção acabou, mas
ela continua, percebe?! Seu marido/mulher é um(a) canalha, mas é honesto(a),
sacou?!
Mentira benta
detesta coisa binária, percebem?! Tudo tem de ser ‘na nuance’, 50 tons de
alguma coisa que você, querido(a) freguês(a), tem tudo para ser o(a) último(a)
a saber.
As escolas,
faculdades, produtos financeiros, unidades imobiliárias, comércio, indústria,
bebidas alcoólicas, porções de bolinhos holandeses, recheios de pastel,
computadores, automóveis, amizades, amores, uniões estáveis, conservação do
meio-ambiente e patrimônio histórico, asfalto de avenidas, chinelos de dedo,
cabelos, bichos de estimação, ‘shopping malls’, entre tantos, são uma espécie
de “grande amizade colorida”: eu te como (ou você me dá), mas é sempre ‘sem
compromisso’: “... não queremos, de fato, formar ‘um casal’, não é verdade?!”.
E quem se
disponibiliza em ‘aumentar a porcentagem da transmissão de um fato’ sempre
levará a pecha de “o(a) inconveniente”, “o(a) chato(a)”, “o(a) mentiroso(a)”, a
escalação para uma ‘persona non grata’ da existência de todos. Sentir isso ‘na
pele’, através das naturais rejeições que tal abordagem traz, “... é que são
elas!”.
Marcelo Rayel Correggiari
nasceu em Santos há 47 anos
e vive na mítica Vila Belmiro.
Formado em Letras,
leciona Inglês para sobreviver,
mas vive mesmo é de escrever e traduzir.
É autor de Areias Lunares
(à venda na Disqueria,
Av. Conselheiro Nébias
quase esquina com o Oceano Atlântico)
e escreve semanalmente em
LEVA UM CASAQUINHO
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