Saturday, December 29, 2018

DIÁLOGOS INTESTINOS (por Denise Marino)

(foto: Denise Marino)


Daqui a pouco o sol vai se por... E amanhã nascerá novamente, configurando esse colar monótono de dias, um após o outro. Com os anos acontece a mesma coisa e mesmo assim as pessoas criam expectativas – pensei e esperei o contra-argumento.

Porque a minha mente funciona assim, por meio do diálogo entre duas ou mais pessoas. Às vezes são três ou quatro, nem sempre educadamente; invariavelmente discordando.

Mas, na maior parte das ocasiões conseguem chegar a um acordo e a uma conclusão provisória.

E o contra-argumento veio:

– Não é verdade. Um fato ou um conjunto de fatos faz um dia ou um ano diferente do outro.

Concordei e inspirada por esse último pensamento deixei escapar para o motorista:

– Pois é, daqui a alguns dias um novo presidente vai tomar posse...

– Eu quero que ele morra! – respondeu o motorista.

A resposta me surpreendeu, pelo conteúdo e pelo tom.

Especialmente, por que, um segundo antes da pausa que engendrou as divagações sobre a monotonia da sobreposição dos dias e dos anos, o motorista e eu conversávamos, amistosamente, sobre o calor e as variadas formas de combate-lo na ausência de um ar condicionado.

Falávamos também sobre a família dele; esposa e filho de 16 anos.

O jovem senhor, com alguns fios de cabelo grisalho no cabelo e na barba, me parecia ponderado, pacífico e gentil. Até no modo de conduzir o veículo pela estrada. Que razões fariam um homem assim desejar a morte de alguém?

Creio que ele leu a interrogação no meu rosto, antes de entrar no túnel e emendou:

– Eu não gosto do Bolsonaro.

– Eu percebi – respondi sorrindo.

E acho que meu sorriso o estimulou:

– De qualquer modo ele vai morrer. A senhora vai ver: ele vai governar só dois anos e vai morrer da doença que ele tinha no intestino.

– A facada você quer dizer?

– Não! A doença que ele tinha antes. A facada só serviu para aproveitarem para tratar a doença com a cirurgia.

– Então você acha que a facada foi encenação?

– Não, foi verdade, mas foi sorte, entendeu?

– Putz! Deus me livre de uma sorte dessas – sorri novamente, e perguntei: – se ele estava doente não poderia se tratar? Por que teria que esperar a facada?

– Aaaah a senhora não sabe...em política é tudo complicado, são muitos interesses. Lembra do Tancredo Neves? Falaram que era doença, mas foi a oposição que matou ele.

Não pude ouvir o restante das teorias do motorista porque a assembleia recomeçou em minha cabeça.

– Eu não disse? Um dia atrás do outro: foi golpe, foi condenado sem provas... – ressaltou o primeiro antagonista.

– O Brasil vai virar uma Venezuela... – retrucou o segundo.

– Eu também já ouvi gente dizendo que gostaria de ver a Dilma e o Lula mortos – ponderou o terceiro.

– Não seria melhor que cada um pagasse pelos seus erros ou crimes, simplesmente? – refletiu o quarto antagonista.

E todos se calaram em assentimento.

No Brasil, as elites relegaram a política a profundezas tão ilegalmente obscuras, repletas de becos e labirintos disfarçados que, para tentar entende-la o povo se especializou em teorias da conspiração e reações passionais.

A elites sorriem satisfeitas, pois, essas ruelas tortuosas se estendem em círculos que afastam o povo, cada vez mais, do Castelo dos usurpadores onde se tramam as mamatas.

Nos quilômetros seguintes, não ouvi mais nada. Me dediquei a observar a estrada que liga com clareza dois pontos equidistantes, apesar de algumas curvas que possam existir no caminho.



Meu nome é Denise Mattos Marino, mas fui sintetizada: Denise Marino ou, simplesmente, Dê, acompanhada ou não do Marino. Sou historiadora e professora de história. Atualmente aposentada – fui mais rápida que a reforma. Mas ainda levo para os meus aposentos a curiosidade, o “só sei que nada sei” e a vontade de ensinar. Ah! Sou libriana.

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