Estava
há dois meses sem escrever. Ainda sou incapaz de detectar a fonte deste
comportamento, mas tenho minhas desconfianças. Desconfio que tenha relação com
uma percepção de papéis. Meu papel e o papel da literatura.
Nestas
oito semanas de abstinência, cheguei a ficar incomodado com o fato de não
produzir um texto sequer, exceto uma contracapa de livro. Cheguei a encarar
como uma espécie de paralisia, algum tipo de transtorno que padecesse de
tratamento. Estava, segundo este olhar, à frente da porta da depressão
literária.
A
reflexão sobre a angústia que me acometia me levou a uma resposta tão
iluminadora quanto uma notícia de cura. Eu havia sido vítima de um falso
diagnóstico. Erro meu. Enxergava apenas uma parte do quadro, olhava para o que
seria um sintoma, quando deveria ter visto a etapa de um processo contínuo de
metamorfose.
Se
passei dois meses sem escrever, atravessei dois meses lendo como poucos, como
em poucas fases de minha vida. Li cerca de dez livros no período, revisei e
editei - ao lado de minha esposa Beth - duas obras. Reforcei o hábito de
carregar um livro comigo para todos os endereços e os mantenho espalhados por
todos os cômodos do nosso apartamento.
O
livro de contos para as viagens de ônibus. O romance para as esperas na sala
dos professores, antes de dar aula. O livro de banheiro. O livro para
embaralhar os olhos antes de dormir e prometer a retomada de páginas no dia
seguinte. O livro de Psicologia para observar o futuro que se avizinha na linha
de vida profissional.
Livros
são, para mim, a melhor invenção humana. Livros abriram minha cabeça, me
ajudaram a entender melhor quem eu amo, a compreender e conviver com quem
tolero, a sobreviver diante das minhas maldições, a ser um profissional mais
habilidoso, técnico e competente.
Livros
me lembram - todo o tempo - o quanto precisamos ser sensíveis numa tempestade
de excessos, inclusive de informações, que nos induz a confundir achismo com
argumento, debate com ganhar a conversa, liberdade de expressão com exercício
de intolerância, diversidade com maniqueísmo.
Não
consigo passar um dia sem ler. É feito o atleta que para de se exercitar e
sente os efeitos químicos em seu organismo. A leitura me conforta, me anima, me
descansa, me norteia, me transporta, me faz pensar e sentir.
Ler
me oferece uma colherada ou uma refeição deste caldeirão de emoções e
sentimentos que representam a minha relação de amor e gratidão com o livro.
Mesmo
com esta declaração de amor, preciso fazer uma confissão: não sei - com
honestidade - se a literatura salva o homem. Mas sei que a literatura - na
escrita e na leitura - consegue me manter um homem saudável. É a boia onde me
agarro neste mar selvagem chamado vida cotidiana.
(publicado originalmente em
CONVERSAS E DISTRAÇÕES
em Julho de 2017)
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