À VENDA ONLINE E AGORA
EM TODAS AS LIVRARIAS!
(1ª temporada, episódio 11)
Aproximei-me de uma assistente que tinha a cara menos estranha do grupo e perguntei, com ar de preocupação, se, por acaso, meu amigo não havia deixado de tomar os remédios prescritos durante a sua mais recente reabilitação e voltado às drogas, digamos, ilegais.
Ela me respondeu com um revirar de olhos que até hoje não entendi o significado.
No centro do galpão, havia uma dessas mesas compridas, meu amigo à cabeceira e seis ou sete assistentes, incluindo Speed, sentados ao redor. Ofereceram-se uma cadeira e, após perguntarem se alguém queria beber ou comer algo, meu amigo começou a expor “o plano”.
Eu gravaria um comercial maquiado como o Coringa, mas de forma estilizada – exigência dos detentores dos direitos autorais. Meu rosto aparecia em close, com cortes na altura do começo do cabelo na testa e no queixo, o que daria destaque aos movimentos da grande boca. Meu texto se resumia à citação em azul na capa do livro pardo: ““não se defenda, chute primeiro, acerte nos bagos, não hesite, chute já!”
A câmera se afastaria do meu rosto, até me pegar de costas, sentado numa cadeira iluminada apenas por um holofote que destacava a minha silhueta contra o escuro do resto do cenário.
Embaixo da tela, num letreiro, agora em letras maiúscula e amarelas: “ESCRACHANDO O DEMÔNIO COM UM CHUTE NOS BAGOS. À VENDA ON LINE (link do site) E AGORA EM TODAS AS LIVRARIA”.
- Por que o Coringa?, perguntei.
- Porque é ao mesmo tempo assustador e engraçado”, respondeu uma das garotas da produção.
- Mas esse é só o primeiro, prossegui meu amigo. Num dos vídeos você aparece de Coringa; em outro, como o Flash, e outro, como o Batman. Vão passar os três comerciais alternados, com várias inserções ao dia.
- Vocês despirocaram de vez? Tô fora dessa merda.
Meu amigo voltou à carga: “Cara, vê se entende, vai ser o primeiro livro de autoajuda recomendado por super heróis.”
- Toda essa confusão legal, de paraíso fiscal, chantagem, dinheiro lavado pra comprar direito autorais. Vocês já pensaram na grande bosta que pode dar isso?
- Nós já temos um puta grupo de advogados especializado trabalhando nisso. Na verdade, eles são especialistas em apagar todos os rastros e pegadas”, disse confiante meu amigo.
Que prosseguiu: “Isso me deu outra grande ideia. Vamos fazer um quarto comercial com você caracterizado como Saul Goodman.
- Quem é Saul Goodman?, perguntei.
- O advogado do Walter White, do Breaking Bad. Tão fazendo uma série sobre o Saul antes de ele conhecer do Walter. Já está na segunda temporada e começou a bombar na TV a cabo.
- Gente, agradeço a atenção, mas estou desesperadamente precisando me esconder em minha caverna. O Speed poderia me levar de volta agora?
Chovia quando o helicóptero desceu no gramado de casa.
Perguntei pro Speed se ele não queria esperar um pouco para decolar de novo, mas ele me garantiu que, depois das montanhas, o tempo estava ótimo.
Em vez de tomar a direção de casa, fui para a caverna.
Cheguei lá ensopado, mas fiquei vestido até anoitecer, quando ouvi minha mulher colocar uma bandeja com comida na entrada da caverna.
Ela sabia que o melhor a fazer, nessas ocasiões, era me deixar distante de todos, inclusive dela.
Escureceu por completo. Acendi os lampiões e fui buscar a bandeja que minha mulher havia trazido.
Aproximei-me dos lampiões e comi.
Continuava chovendo. Recolhi alguns galhos secos no chão da caverna e, usando um pouco de querosene de um dos lampiões, acendi uma minifogueira. Dormi com as roupas ainda úmidas, ouvindo a chuva caindo lá fora.
Acordei com um raio de sol que atingiu meus olhos a partir de uma fenda numa das paredes de rocha.
Levantei, fui lá fora e disse em voz alta: “Já que não consegui me tornar invisível nem um pregador bêbado de uma igreja no deserto, vamos lá então, chutar os bagos do demônio.”
Liguei para meu amigo e perguntei se Speed tinha condições de vir me buscar a tempo de participar do início da produção do comercial com o Coringa. Ele respondeu que tudo bem.
Aguardariam minha chegada para começar os preparativos. Minha presença ajudaria.
um jornalista que tem preguiça de perguntar,
um escritor que não tem saco pra escrever
e um compositor que não sabe tocar.
(mesmo assim escreveu dois romances
e uma quantidade considerável de canções
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