A partir do final dos anos 60, o público começou a rechaçar os musicais, tão comuns e populares nos anos de ouro de Hollywood. Imagino que a ingenuidade, que era inerente ao gênero, não cabia mais numa época de desilusões após a euforia do pós-guerra. A partir daí começou a surgir a era do cinema autoral, tão bem explicada no livro "Como a Geração Sexo Drogas e Rock and Roll Salvou Hollywood", de Peter Biskind, e o gênero musical foi sendo enterrado, dando lugar ao cinismo, à desilusão e aos anti-heróis, que moldaram o cinema de hoje.
De tempos em tempos, alguém tenta ressuscitar o gênero, normalmente filmando sucessos da Broadway. Mas, por mais bem-sucedidas que algumas dessas adaptações tenham sido, -– Chicago chegou a ganhar o Oscar -–, fica sempre um gosto de requentado. Acho que o único musical realmente memorável realizado dos anos 70 para cá foi All That Jazz, (de um longínquo 79)19, que era carregado de cinismo e acidez, exatamente o oposto do que foi consagrado no gênero décadas antes.
Finalmente, décadas mais tarde, Damien Chazelle -- do ótimo Whiplash -- conseguiu em La La Land o que já parecia impossível: um musical que consegue honrar a velha tradição e agradar em cheio à audiência e à critica contemporâneas.
O segredo por trás disso me parece a simplicidade. Deve ter sido absolutamente complexo conseguir um produtor que acreditasse na ideia, alguém disposto a financiá-la e uma equipe que embarcasse no projeto -- mas, ao contrário, o que vemos na tela é algo simples e honesto: um filme sobre paixões, e o gênero musical é somente uma delas.
A trama é a seguinte: Sebastian e Mia vivem em Los Angeles dispostos a realizar seus sonhos -- ele, criar um clube de jazz que honre as tradições do gênero, e ela, obter sucesso na carreira de atriz. Os dois acabam se esbarrando e incentivando os sonhos um do outro. Até aí, nada de original. Mas a maneira como a história e contada, essa sim, é muito original. acaba fazendo toda a diferença.
Los Angeles, ao contrário de muitos filmes, não é a terra opressora, destruidora de sonhos. É o palco para a sua realização -– e aí está a primeira paixão do filme. A cidade nunca esteve tão bonita, o colorido estourado dá um tom de fabula, deixando-a muitas vezes mais bonita do que realmente é.
O cinema, especialmente o musical, é a segunda paixão. Surgem na tela referências a antigos cinemas de rua e locações de filmes antigos -- como o Observatório Griffith, de Juventude Transviada. Os números musicais são extremamente clássicos e respeitosos. Nada de efeitos especiais complexos. Aqui tudo é feito como antigamente. E o resultado é tão bom que nos faz vibrar a cada número musical.
Finalmente, o jazz é a terceira paixão. Deixa de ser o protagonista absoluto, como em Whiplash, mas continua muito presente, tanto nos clubes e quanto nas constantes discussões sobre ceder para agradar ao publico ou manter o purismo.
A mistura dessas três paixões é tão honesta e tão genuína que contagia a plateia e faz todo elenco embarcar nela de corpo e alma. Os protagonistas têm ótima química entre eles: Ryan Gosling está seguro e à vontade, e Emma Stone parece ter abandonado temporariamente o seu estilo “gato de botas” de interpretação -- que consiste em variações de arregalar de olhos -- e está bem natural. Curiosamente, podemos notar que ela faz uso do tal estilo apenas quanto está sendo submetida a um teste.
Para não ficar somente na ingenuidade e dar um toque contemporâneo ao filme, temos o conflito entre o amor e a realização dos sonhos. Isso dá um toque de realidade na medida certa, quebrando um pouco o tom de fábula. A solução encontrada no final é genial e totalmente "moderna" para uma histórisa como essa.
La La Land deve sair da próxima cerimônia dos Oscars como o grande vencedor, com estatuetas em diversas caterias. Hollywood adora tanto a auto-referência quanto ama prestigiar o renascimento de um gênero moribundo. Mas, não é só isso, o filme tem muitas qualidades. Que fazem com que ele realmente mereça a premiação, se isso acontecer.
É um dos grandes filmes de 2016. Foi badalado em muitos festivais ao longo do ano passado, daí não faz sentido considerá-lo "uma surpresa". Mas é inegável que há algo de extremamente original na maneira como La La Land consegue conjugar essa reverência ao passado e, ao mesmo tempo, ser moderno e sob medida para o gosto das plateias de hoje. E como sabemos, a Academia de Artes e Ciências de Hollywood sempre soube valorizar devidamente iniciativas artísticas como essa.
LA LA LAND
(2016, 128 minutos)
Roteiro e Direção
Damien Chazelle
Elenco
Ryan Gosling
Emma Stone
Emma Stone
Sonoya Mizuno
Callie Hernandez
Jessica Rothenberg
Callie Hernandez
Jessica Rothenberg
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