O APARTAMENTO: UM FILME CHOCANTE
EM SUA LÓGICA
O casal de atores Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) é forçado a mudar-se de casa e, provisoriamente, aloja-se no apartamento recém-desocupado de um colega de elenco, Babak (Babak Karimi). Sem nada saber sobre os antigos ocupantes do local, Emad e Rana se instalam, e logo a seguir um incidente muda inexoravelmente a vida de ambos.
Clara metáfora sobre a ruína social e urbana iraniana, o filme foca nas reações de Emad à agressão sofrida por sua mulher, e a maneira como a sociedade o condiciona a agir (e espera que ele o faça). Um paralelo flagrante se percebe nas cenas em sala de aula (Emad é também professor), somente frequentada por rapazes, e na encenação teatral de “A Morte do Caixeiro-Viajante”, do dramaturgo norte-americano Arthur Miller (1915-2005), com Emad e Rana no elenco, onde uma personagem (feminina) deveria estar despida numa cena de banho e aparece completamente paramentada (incluindo gola-rolê e chapéu), pois mulheres não podem aparecer nem com a cabeça descoberta.
O brilhante roteiro de Asghar Farhadi, que em produções ocidentais poderia render um filme de perseguição e vingança estrelado por Liam Neeson, transforma o pacato ator / professor num obcecado investigador sem um mínimo de violência explícita, mas com um máximo de tensão. E quanto mais se aproxima do desfecho da história, mais claro fica que este não será impune. A relação do casal está completamente abalada pelo ocorrido.
Autor e diretor do premiado “A Separação” (2011, Oscar e Globo de Ouro de Filme Estrangeiro), Farhadi leva o espectador a um percurso sem retorno pelas caóticas ruas de Teerã, onde Emad tenta descobrir – mesmo contra a vontade de todos – o que realmente aconteceu em sua casa. O caminho fácil a se percorrer seria deixar o caso esfriar, afinal foi “apenas” uma violência contra sua mulher (a excelente Taraneh Alidoosti, que está desorientada na medida). Mas sua honra pede reparação. Pública, de preferência.
Já colecionando uma série de prêmios, incluindo de Melhores Ator (para Shahab Hosseini) e Roteiro (do próprio Asghar Farhadi) em Cannes 2016, e uma indicação ao Globo de Ouro 2017 (Filme Estrangeiro), assim como uma pré-seleção ao Oscar na mesma categoria, “O Apartamento” é um filme contundente e seco, chocante em sua lógica. Não perca!
O APARTAMENTO
(Forushande, 2016, 143 minutos)
Direção e Roteiro
Asghar Farhadi
Elenco
Shahab Hosseini
Taraneh Alidoosti
Babak Karimi
Mina Sadati
Farid Sajjadi Hosseini
Em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping
com sessões às 13h30, 16h, 18h30 e 21h
ANIMAIS NOTURNOS: UM FILME CONTUNDENTE,
ELEGANTE E IMPERDÍVEL
Tom Ford tem uma curiosa carreira em cinema. Oriundo do mundo da moda, este texano que em absoluto aparenta os 55 anos de idade que tem, partiu de ser um dos grandes criadores das passarelas internacionais, para se tornar um dos mais refinados diretores de cinema em atividade. Haja vista seu primeiro filme, o belo e estilizado “Direito de Amar” (2009), onde o alterego do diretor, Colin Firth, e sua grande amiga, (na vida real), Julianne Moore, contam uma fábula de desencanto e amor, num dos mais elegantes filmes deste século, que inclusive rendeu (merecidas) indicações ao Oscar (Firth) e ao Globo de Ouro (Firth e Moore) a seus protagonistas.
E Ford retoma agora sua carreira cinematográfica com o surpreendente “Animais Noturnos”. E como Hitchcock tinha suas louras, Ford tem suas ruivas. Primeiro Moore e, agora, Amy Adams. É possível até que Julianne Moore tenha sido sua primeira opção para o papel, na época em que seu par no filme seria George Clooney. Mas, com a saída de Clooney do projeto, e a entrada de Jake Gyllenhaal, foi preciso reajustar os papeis, e Amy Adams foi certamente a escolha mais adequada para viver Susan.
Susan (Adams) é a dona de uma galeria de arte em Los Angeles que, apesar do sucesso profissional, sente-se cada vez mais só, dada a indiferença e as longas ausências do marido, o belo e gélido Hutton (Armie Hammer). Um dia, Susan recebe um manuscrito de seu ex-marido, o escritor Tony (Gyllenhaal), e começa a lê-lo, e a se envolver cada vez mais com a perturbadora história ali contada (que ele dedica a ela). E ela começa a perceber que, talvez, as escolhas que fez na vida não tenham sido as melhores possíveis.
O que mais impressiona em “Animais Noturnos” é a maneira como, repentinamente, começa-se a acompanhar uma “história dentro de uma história”, e elas são absolutamente complementares, apesar de totalmente desligadas. E é dentro desta segunda narrativa que despontam todos os elementos realmente vivos que justificam a primeira parte.
Neste emaranhado de ações e reações surgem as pequenas grandes performances de praticamente todo o elenco. Não há pequenos papeis. Laura Linney (substituindo Kim Bassinger), por exemplo, dá um show em uma pequena cena de cinco minutos, como a mãe de Susan. Michael Shannon está perfeito como o policial desencantado Bobby Andes. E Aaron Taylor-Johnson, na pele de Ray Marcus, está simplesmente asqueroso, como deve ser. Sem falar na dupla central de protagonistas, Adams e Gyllenhaal, ambos na intensidade perfeita, afinados.
O curioso da produção é perceber a dicotomia existente entre as duas histórias e suas concepções visuais, antagônicas, porém complementares. Diz a lenda que Ford queria realizar dois filmes separados, antes de chegar a este “Animais Noturnos”. Felizmente não o fez.
Outros destaques correm por conta de pequenas participações de Isla Fisher, Andrea Riseborough e Michael Sheen (todos trabalhando bem longe de suas áreas de conforto), a fotografia deslumbrante de Seamus McGarvey (de “Cinquenta Tons de Cinza”, 2015), e a trilha sonora de Abel Korzeniowski (de “Direito de Amar”, 2009), com ecos muito perceptíveis dos trabalhos de Bernard Herrmann para Hitchcock. Melhor influência, impossível. Um filme contundente e elegante. Imperdível!
ANIMAIS NOTURNOS
(Nocturnal Animals, 2016, 115 minutos)
Direção e Roteiro
Tom Ford
Elenco
Amy Adams
Jake Gyllenhaal
Michael Shannon
Aaron Taylor-Johnson
Isla Fisher
Ellie Bamber
Armie Hammer
Karl Glusman
Robert Aramayo
Laura Linney
Andrea Riseborough
Michael Sheen
Em cartaz no Cinespaço Miramar Shopping
com sessões às 13h30, 16h, 18h30 e 21h
Carlos Cirne é crítico de Cinema
e há 14 anos produz diariamente
com o crítico teatral Marcelo Pestana
a newsletter COLUNAS E NOTAS,
de onde o texto acima foi colhido.
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