Uma mercearia
‘24 horas’ jamais fôra uma tarefa fácil: a certa altura, o cansaço bate. Além
disso, um esforço grande para as despesas quando o sol se põe: eletricidade e
funcionários, horas-extras... o custo e o impacto das operações podem ser
fatais.
Fica muito claro
que todos têm direito ao descanso, ao sono, ao repouso. O duro é explicar isso
para os notívagos...
A boa e velha boemia
só ocorre em casos de adesão: diversões noturnas, dessas madrugada afora, só
existem em bom número, densidade e consistência para aqueles que desejam
faturar em cima daqueles que se jogam na ‘night’ sem saber, ao certo, onde tudo
vai parar.
Caso contrário,
meia-noite e tudo mundo na caminha, envergando seu melhor pijaminha...
... cidade de
velhos?! É uma boa pergunta.
Quem trabalha na
noite sabe o encurtamento da vida que tal atividade ocasiona a qualquer
organismo. Isso também cabe para uma ideia meio ‘romântica’ que boa parte dos(as)
leitores(as) têm em relação aos escritores: aquele(a) sujeito(a) que ocupa um
cômodo aceso pela madrugada a deitar sobre o papel seu/sua melhor criação
literária.
Ó, inocência!
Mal sabem que mais de 90% deles(as) acordam sete da manhã para iniciarem suas
tarefas às oito. Essa ideia do silêncio da noite para a criação literária é bem
típica de quem não tem a Literatura como ofício.
Enfim... ninguém
é obrigado a saber de certos detalhes quase sórdidos. Sigamos com a visão
romântica do escritor, sua musa, boemias e madrugadas, nem que seja para
aquecer corações ou motivar o(a) leitor(a) a sair de casa e adquirir um
exemplar de seu mais recente trabalho.
Assim sendo, a madrugada
só é boa para quem está na ‘vibe’ do negócio, quem ainda tem energia para a
curtição do horário e o encanto das luzes de neon. Para quem está atrás do
balcão, ...
Isso, entendemos
perfeitamente! E, acreditem... os fregueses até se queixam, mas corroboram o
direito sagrado que todo trabalhador tem do descanso.
O que não
imaginávamos é que o trem fosse fechar tão cedo.
Caiu na ‘night’,
barbas de molho que as cozinhas fecham a uma da manhã.
Aí, já sabe,
caro(a) freguês(a), é um tal de “... pergunta lá no posto ipiranga...” que é
uma graça! É o último lugar a passar se o desejo é o anonimato (principalmente
depois dele!). Tromba-se com todo mundo...
É um arraial
caiçara, a Leblon do Manoel Carlos (ou como se diz em Belo Horizonte, a “roça
grande”)! Todo mundo acaba sabendo da vida de todo mundo. Ô, inferno! Tem o
lado bom: se alguém está devendo para você, já sabe onde cobrar a dívida.
Sem contar com a
‘ziquizira’ de uma hoste de gente pelo estacionamento com ‘long-necks’ na mão:
bebem até a gravata do garçom! Numa boa taverna, estariam lambendo a rolha.
O lance funciona
nas vontades do encontro e da fome: “Tô morta de fome”. “Eu também”. “Tu tá
onde?!”. “Tô na praia”. “Fica aí que eu passo de carro. Vamos comer alguma
coisa”. “Quer chocolate?!”. “Quero!”. “Então, faz como?!”. “Fica parado aí na
esquina que eu te pego”.
Guardem o
detalhe do chocolate: em algum momento ele será útil.
Primeira parada
no Havaí-Cinco-Zero: trampo infernal para se achar uma vaga de estacionamento.
OK, vaga encontrada, deixa-se o veículo e assim que se chega ao estabelecimento
em questão, vem a notícia: “a cozinha já fechou”.
Volta-se para o
carro: arrisca-se um passeio pelos arredores de Saint Marteen, uma espécie de
outrora paradisíaco Havaí dinamarquês. Uma breve contemplação na pracinha das
crianças, dos cachorros e dos casais de namorados, embica-se na Maria Máximo
até a avenida.
A noite
prometia, aquele “Colours of Nature” no radinho do carro, Ibiza lounge style,
“... se melhorar, estraga...”. “Não, pera”...
O veículo aborda
o Honolulu de canal: espanto! Tudo escuro, apagado! Pelos cálculos, as cadeiras
foram para cima da mesa em torno de meia-noite! Ai, ai, ai...
Segundo
estacionamento, um bar de peixe na esquina. Porta adentro e a indagação ao
garçom: “A cozinha tá funcionando?!”. Um doce para quem souber a resposta...
Acabou o
romance! De volta para o carro com o estômago na testa, nem pensar em roubar
beijo! Lembram-se daqueles chocolates do diálogo acima?! Uma forte impressão de
que a fina arte de Marco Pierre White se reduziria a barras de um areado de
famigerada multinacional suíça.
Como nossa orla
não nos abandonará (jamais!), o veículo apontou para o melhor da culinária
escocesa: um dois andares mais desmontado do que Ministério da Cultura. Um
terceiro sanduíche feito por alguém com ódio da própria existência: torradinho,
o pão, mais queimado do que o presidente da República.
Valeu a noite?!
Claro que valeu: pela companhia, pelo encanto e pela cumplicidade.
Contudo, para
quem curte uma “magia ao luar”, bons romances com generosas doses de
“fotossíntese lunar” noite afora, já se é possível cantar a musiquinha: “...
dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e picles, num pão com
gergelim...”.
Tudo porque a maldita
da cozinha já está fechada...
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