Thursday, September 21, 2017

UMA ESTAÇÃO NO INFERNO (uma crônica de Ademir Demarchi)


Águas de São Pedro é uma cidade que não tem indústrias e nem área rural, ou seja, é apenas turística e tem apenas 3,9 km2 de área, sendo um simpático balneário paulista que encontrou sua vocação em três tipos de águas minerais. A mais peculiar delas é uma sulfurosa, das mais intensas do mundo nesse aspecto.
De fato, é uma água que tem um cheiro muito forte, de enxofre, que lembra ovo cozido, mas que, por ser enxofre, lembra também o diabo e o inferno – e quem leu Dante e a Divina Comédia, em que o poeta relata suas peregrinações para ter o amor da amada Beatriz, deve imaginar o que isso significa.
Curiosamente, ela foi batizada de Fonte da Juventude e é indicada para o tratamento de reumatismo, diabetes, alergias, asma, colites, moléstias da pele, intoxicações e inflamações. Ou seja, como um elixir desses antigos que vendiam a promessa da juventude eterna, daí até mesmo o nome de sua fonte.
Águas de São Pedro é mesmo uma cidade simpática e tranquila, boa para descansar e fazer massagens relaxantes, umas duchas escocesas e saborear a culinária local. Mas o que mais me atrai lá é que essa água sulfurosa é usada também para banhos de imersão, em banheiras em que se deita e se esquece do mundo, pois a água fica a uma temperatura de 28 graus, relaxando até o pensamento que, inspirado pelo odor do enxofre, logo está bem no meio do inferno, aquele imaginado por Dante e ilustrado por Gustave Doré em gravuras já clássicas.
Depois que conheci essa cidade havia muitos anos, vim a ler um livro de Paulo Emilio Salles Gomes, Três mulheres de três PPPês, o único de ficção desse crítico de cinema, que tem nele 3 novelas e que é sempre lembrado pelos críticos literários. Uma delas se passa em Águas de São Pedro, registrando um triângulo amoroso de um jovem que está se iniciando na vida, com uma mulher mais velha, casada com um intelectual que personifica a burguesia paulista, que Paulo Emilio, comunista ferrenho, odiava e ironizou com essa ficção. Essa mulher, Helena, ecoa aquela de Tróia, assim como a Capitu de Machado de Assis, na medida em que o tema do adultério como apenas sugerido ou de fato consumado paira na novela.
O jovem Polydoro, o narrador da novela, parece ter saído abobado de um banho de enxofre, pois sua relação com aquela Helena o desnorteia pela tentação e pelas ambiguidades que ela sugere, enquanto transita pela cidade e pelo Grande Hotel que lá ainda existe, hoje administrado pelo Senac, que o transformou em escola mas cobra preços de exorbitantes estrelas, parecendo ser administrado pelo velho diabo.

[publicado originalmente em 19/02/2009]

Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Livros e Edições.
(basta clicar nos nomes para ser enviado
ao website da editora)



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