Thursday, September 28, 2017

CAFÉ & BOM DIA #76 (por Carlos Eduardo Brizolinha)


Essa de carimbar como credenciado por ter sido traduzido em 70 ou sei lá quantos países não significa qualidade. Poderia citar uma centena de exemplos, mas não vou perder tempo. Li alguns autores de ficção e confesso que apreciei poucos dos que surgiram, nem um novo Asimov, Clark, Verne. Não me apraz essa de monstros disformes, alienígenas, predadores do espaço e por ai vai. Ficção que me dá prazer tem que ter vértice de serem possíveis acontecer. Minha companheira é fã incondicional e lá vou eu me sentido chapado de ácido lisérgico, não aguento mais super-hérois, a contrapartida é tê-la ao lado assistindo filmes tal como "Amour" do Haneke, Nebraska que para ela é de uma monotonia tal que dá vontade de tomar cicuta. Nunca li nada de Margaret Atwood e me interessei face a insistência dela para que assistisse o seriado "The Handmaid’s Tale" que de certa forma avança como se fosse um filme dos que gosto e ela não. Baseado no "Conto da Aia" nos faz atravessar dentro de uma teocracia onde a peste ou sei lá o quê, não é explícito, torna infértil boa parte da população e a personagem Offrey face infertilidade mundial resultou no recrutamento das poucas mulheres fecundas remanescentes em Gileade, chamadas de "servas". Fui conferir a qualidade da literatura de Atwood e é realmente digna de ser levada a sério, principalmente pelo adorável livro de contos "Dicas da Imensidão"


UMA ESTAÇÃO EM ADEN é o que leio num dos meus arquivos. Phillipe Sollers revisa o livro de Jean Jacques Lefréve "Arthur Rimbaud" portentoso livro de 1 240 páginas. Outro livro que mapeia os passos de Rimbaud é "Rimbaud à Adem" de Hughes Berrou e Pierre Leroy, neste podemos apreciar as fotos de 1880. Não há uma única árvore, nem mesmo ressecada, grama, sequer uma gota de água doce. Aden é uma cratera de vulcão extinto cujo o fundo é recoberto de areia do mar. Não vê nem se toca absolutamente nada além de lava e areia. Nesse buraco assamos como estivéssemos num forno. Nesse ambiente Rimbaud não expressa nenhum romantismo, tensão, somente carrega objetivos financeiros, austeros e precisos. Enfastiado, não lê jornais, romances. Se esmera em ficar fluente em Árabe para vencer na sua atividade. Não fala da sua vida passada e, se alguém perguntar sobre criação poética, diz ter sido um período de embriaguez, absurdo, ridículo, repulsivo. Está distante da escola poética decadente. Onde vai o poema " Voyelles " ? Seu plano é ganhar dinheiro, voltar um dia, muito embora estar habituado a vida errante e aos climas quentes. Tudo menos literatura. Olho a fotografia de Rimbaud com cinco personagens coloniais e ele destoa zombando das animações culturais. Na foto exibem armas como se estivessem de volta de uma caçada. Vejo Rimbaud pousar sua mão no cano de seu fuzil. É Rimbaud numa região onde se massacram, pilham, mas é tratado com consideração devido aos seus procedimentos humano. O tempo vai levando para o passado "Une Saison en Enfer" Os poetas não matam, não massacram, não saqueiam. Os poetas são gentis, mas não tem peso. "Alfre Bardey que foi seu patrão nos oferece uma observação. "Sua caridade, discreta e ampla, foi provavelmente uma das muito poucas coisas que fez sem zombaria e sem aversão"


É encantadora a sensação quando encontramos num texto ideias tão renovadoras, revolucionárias, cuja a arma seja sensibilidade da alma. T S Eliot abriu uma estrada majestosa na literatura com dois livros. O primeiro "Prelúdios" e o segundo "A Canção de Amor de J Alfred Prufrock", ambas de 1917. Eliot buscou o doutorado em filosofia, mas foi a poesia que o convocou, nunca terminou seu curso. O destino se mostrou sábio pois seu legado deixa para a literatura um dos personagens arrebatadores. Na poesia, A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock). O poema que foi descrito como um “drama de angústia literária” é um monólogo de um homem urbano frustrado nos seus desejos. Atravessamos a rua com um pateta redimido de sua boçalidade, faz jus a ironia na obra que é o arranque para sua expressiva vocação. Cinco anos depois veio "A Terra Desolada" com suas vozes articulando gemidos fantasmagóricos rogando renascimento. Revolucionário! Revolucionário com Joyce, Proust, Woodsworth. O pessimismo da obra de Eliot é um pessimismo que não passa, é o que sentimos agora. Eliot propõe um exercício intelectual que resulta numa estética nostálgica inovando na forma, suas associações, reciclagens, ainda que baseando se em "A Lenda do Rei Pescador" para "Terra Desolada" ou em outras que também são recicladas, é o caso de "Assassínio na Catedral". afinal (...) Poetas imaturos imitam, poetas maduros roubam.


Há dois mil e quinhentos anos, no dealbar do pensamento filosófico ocidental, Sócrates tinha reputação de ser o homem mais sábio da Grécia. Um dia, Gláucon, um jovem ateniense abastado, desafiou-o a responder a uma questão sobre como havemos de viver. O desafio constitui um elemento-chave na República de Platão, uma das obras estruturantes da história da filosofia ocidental. É também uma formulação clássica de uma escolha última. Segundo Platão, Gláucon começa por contar uma vez mais a história de um pastor que servia o soberano de Lídia. Um dia, estava o pastor com o seu rebanho quando se abateu uma tempestade sobre o local onde se encontrava e se abriu um abismo no solo. Ele desceu pelo abismo e, uma vez lá no fundo, encontrou um anel de ouro, que colocou no dedo. Alguns dias depois, sentado com outros pastores, calhou começar a brincar com o anel e, para seu espanto, descobriu que, quando girava o anel de determinada forma, tornava-se invisível aos olhos dos seus companheiros. Uma vez feita esta descoberta, arranjou maneira de ser um dos mensageiros enviados pelos pastores ao rei, para dar conta do estado dos rebanhos. Chegado ao palácio, usou o anel para seduzir a rainha, conspirou contra o rei, matou-o e, assim, obteve a coroa. Gláucon considera que esta história encerra uma visão comum sobre a ética e a natureza humana. A implicação da história é que qualquer pessoa que possuísse tal anel faria tábua rasa de todos os padrões éticos. De seguida, Gláucon desafia Sócrates a provar que esta opinião comum da ética é errada. Prova-nos, diz ele, que uma pessoa sensata que descobrisse o anel continuaria, ao contrário do pastor, a fazer o que era certo. Segundo Platão, Sócrates convenceu Gláucon e os outros atenienses presentes de que, seja qual for o lucro que a injustiça pareça proporcionar, só aqueles que agem de forma correta são realmente felizes. Que outra resposta poderíamos dar a Gláucon? Uma “resposta” que não é resposta alguma consiste em ignorar o desafio. Há muitas pessoas que o fazem. Vivem e morrem irrefletidamente, sem alguma vez se terem perguntado quais os seus objetivos e por que fazem o que fazem.


Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou se a tornar se negro a partir de dentro. Um nó preto a partir atrás da cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido ao aparecimento do novo peixe. O problema do artista era que obrigado a interromper o quadro onde estava o peixe vermelho e o vermelho do peixe. Não sabia que fazer da cor preta que o peixe lhe ensinava. Os elementos do problema constituíam-se na observação dos fatos e punham-se por esta ordem; vermelho pintor - sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro do pintor. O preto formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor. Ao meditar sobre as razões da mudança exatamente quando assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe efetuando um numero de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como da imaginação. Era a lei da metamorfose. Essa metamorfose é mais rapidamente percebida por quem está olhando o aquário e o peixe tem nos olhos do pintor o espelho.


BOM DIA PARA TODOS E CAFÉ QUENTINHO.


Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada à Rua Bahia sem número,
quase esquina com Avenida Mal. Deodoro,

bem ao lado do Empório Homeofórmula,
onde bebe diversas xícaras de café orgânico
ao longo de seu dia de trabalho.



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