O escritor alemão Walter Benjamin, um estudioso dos meandros da cidade, especialmente da Paris do século XIX, que a desvelou a partir da obra do poeta Charles Baudelaire, observou sobre que “aprender a orientar-se em uma cidade não exige muito. Mas aprender a perder-se, como alguém se perde em uma floresta, exige toda uma educação”. Benjamin lia as ruas e os becos, os pequenos detalhes que dão característica peculiar a cada lugar, as marcas deixadas pelo tempo, os traços da arquitetura, os vestígios humanos que o olhar cotidiano não vê por habituado que está com a paisagem. Ele disse também que “os nomes das ruas devem soar para aquele que se perde como o estalar dos gravetos ressecados, e as vielas do centro da cidade devem refletir as horas do dia tão nitidamente quanto um desfiladeiro e suas montanhas”.
Isso talvez soe estranho a cidades recentes como as do norte do Paraná, como Maringá, em que a arquitetura, além de recente, é constantemente transformada pelas novas tecnologias e pela radical transformação da vida urbana nas últimas décadas que alterou o modo de morar. O que seria característico na cidade? Talvez as casas de madeira, quase todas retransformadas em alvenaria, das quais se salvou a primeira delas construída no Maringá Novo e reconstruída e transformada em museu na Universidade. Há ainda muitas casas nos bairros mais antigos, resistindo em madeira que foi derrubada da mata, porém seu desaparecimento é iminente.
O projeto de reurbanização do Centro, além de alterar sua ocupação, caminhos e comércios peculiares, colocou em discussão uma possível necessidade de preservar o prédio da antiga rodoviária, por seu sentido histórico. Duvido que isso aconteça, pois a vocação dessas sempre novas e renovadas cidades do Paraná é de se transformarem, de preservar muito pouco e se alterarem em função da economia que rege suas existências.
No caso da rodoviária velha, aquele prédio já nem faz mais sentido ali, pois todo seu entorno foi alterado, todos os meandros, quase todas as portinhas comerciais peculiares, becos e lugares dele e das imediações foram engolidos pelas transformações e o pior é que nem dá para fazer como a primeira casa da cidade, levando-o para outro lugar. De modo que ele, que possibilitou tantas viagens e assistiu a tantos acenos de despedida, fatalmente assistirá os últimos acenos de adeus, desta vez para si mesmo. O tempo passa e a todos e a tudo leva. A nós cabe apenas não permitir que o esquecimento seja uma segunda morte – e isso serve para tudo.
Por isso é preciso caminhar pela cidade, descobrir seus meandros, as pessoas peculiares que trabalham em espaços também peculiares, os resquícios do passado que estão sempre por um fio de se esvair para sempre nesses lugares. E nada melhor do que fazer isso em Maringá, onde as calçadas são largas, respiram para os pedestres respirar e, segundo uma visitante que acompanhei em minha última estada na cidade, transmitem sinal de civilidade, pois o ser humano é mais humano como pedestre, nas calçadas.
[P.S. – De fato, logo depois que publiquei este texto o prédio foi demolido e em seu lugar restou um horrível cercado de alambrado usado para estacionamento de veículos, enquanto não se constrói mais uma torre igual a tantas outras.]
[publicado originalmente em 18/09/2008]
Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
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