Roald
Amundsen é um herói europeu e de grande parte daqueles que se apaixonaram por
expedições. Ele é fruto de uma mentalidade que renasceu com impacto na passagem
do século XVIII para o século XIX, quando cientistas e aventureiros resolveram
conhecer e explorar lugares exóticos e distantes do planeta, muitos deles
infelizmente a serviço de governos com o olhar colonizador. Tratava-se, em
parte e com algumas diferenças, da retomada do período das grandes navegações.
O
vírus colonizador não infectou Amundsen, nascido na Noruega e, portanto,
habituado ao mundo gelado desde a infância. Em 1899, ele foi imediato do navio
Bélgica, que fez a primeira invernagem no continente antártico. Um dos
integrantes da embarcação era o cientista polonês Henryk Arctowski, o primeiro
a fazer um estudo meteorológico da Antártida.
O
norueguês, no entanto, entrou para a história em 14 de dezembro de 1911 quando,
acompanhado por 52 cães e quatro trenós, alcançou o Pólo Sul, penúltimo extremo
do planeta a ser atingido pelo homem. O último foi o Monte Everest em 1953. Na
corrida ao Pólo Sul, Amundsen derrotou o capitão inglês Robert Scott, que
chegou ao mesmo ponto em 14 de janeiro de 1912 e morreu de frio, ao lado de
dois homens, no retorno da expedição.
Esses
viajantes tiveram influência na transformação da Antártida no único continente
neutro da Terra. O espaço não pertence a nenhum país e há um acordo de
preservação coletiva e desenvolvimento de pesquisas científicas até 2050. O
Brasil é um dos países que trabalham no local. Cerca de 50 cientistas de várias
universidades pesquisam e monitoram a Antártida a partir da Estação Comandante
Ferraz. Aliás, o nome é estação, pois base apresenta conotações militares, o
que difere dos objetivos idealizados para a Antártida.
Nesta
semana, as comunidades científica e ambiental arregalaram os olhos com a
divulgação de um estudo chefiado por Eric Rignot, do Instituto de Tecnologia da
Califórnia. De acordo com a pesquisa, o aumento de perda de gelo no continente
cresceu 75% nos últimos dez anos. São 192 bilhões de toneladas de gelo a menos
apenas em 2006. O cientista Jonathan Bamber, em entrevista a Eduardo Geraque,
da Folha de S. Paulo, disse que quatro bilhões de toneladas de gelo, por
exemplo, abasteceriam de água o Reino Unido por um ano.
O
estudo não foge á regra recente e aponta as mudanças climáticas como
responsáveis pelo problema no continente antártico. Em outras palavras, a
temperatura marítima esquentou, provocando o derretimento acentuado das calotas
polares, em função da elevação da temperatura atmosférica.
Se
a Amazônia é considerada o pulmão do planeta e, a partir daí, ganhou
importância geopolítica na agenda diplomática, a Antártida pode ser vista como
os rins, de igual peso para o equilíbrio do sistema ambiental, principalmente
nos oceanos. O degelo na Antártida afeta, por exemplo, o nível do mar. A
relação entre os dois lugares é tamanha que cientistas já localizaram na
Antártida partículas decorrentes de queimadas da Amazônia.
Ninguém
se arrisca a fazer previsões. Contudo, as reações ambientais em cadeia já são
suficientes para gerar temores, inclusive com base histórica. Na Península
Antártica, região do continente onde fica a estação brasileira, a temperatura
subiu 5 graus Celsius nos últimos 50 anos.
O
ecossistema na Antártida é um dos mais frágeis do planeta. Os organismos
apresentam maiores dificuldades em se adaptar às mudanças no clima. Muitas
espécies, entre elas os pingüins, tem que percorrer distâncias cada vez mais
longas em busca de alimentação. Os verões, nesta década, foram mais extensos, o
que interfere também o ciclo reprodutivo de muitos animais e plantas.
Este
cenário se constitui somente em mais um indicativo de que as discussões
ambientais devem sair da mesa dos burocratas ou dos debates de boutique de
shopping center. O investimento em ciência também se posiciona como fundamental
para se buscar saídas de curto, médio e longo prazos, além de mecanismos de
prevenção. O recado vale ainda, com força na palavra, para o Governo brasileiro,
que investiu míseros R$ 25 milhões no Programa Antártico (Proantar) em 23 anos.
A prática política tem que incorporar o valor da ciência, que traz
intrinsecamente a curiosidade pelo mundo e a relação apaixonada entre homem e
natureza, que colocaram indivíduos como Amundsen na história.
(publicado originalmente em 28 de Janeiro de 2008)
é o cronista santista número um, ponto.
É autor de "Quando Os Mudos Conversam"
Realejo Livros),
coletânea de crônicas escritas
entre 2007 e 2015,
e mantém uma coluna semanal
no Boqueirão News
que é aguardada com avidez
por sua legião de leitores.
Atendendo a um pedido
de LEVA UM CASAQUINHO,
ele se dispôs a resgatar
algumas de suas crônicas favoritas
escritas nos últimos anos
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