Eu falava, na crônica anterior, sobre Águas de São Pedro e seus banhos de enxofre que, depois de conhecer essa cidade, li uma novela de Paulo Emílio que lá se passa. Graças à leitura, à redescoberta de um lugar através de uma dimensão imaginada, o ambiente da novela como que se moldou, de certa forma, às minhas impressões daquele balneário. A observação é interessante porque me sugere um dos dilemas típicos de Julio Cortázar, ou seja, de que os lugares se tornam mais presentes em nossa memória quando os imaginamos do que quando neles estivemos.
Não chegaria a tanto, nesse caso, dizendo que esse balneário, tendo o conhecido antes, passou a existir depois da leitura da novela, porque minhas estadas naquele inferno de banhos de enxofre foram sempre mais divertidas que as impressões causadas pela novela. No entanto, com certeza, ele ganhou outra conotação, pois as impressões de leitura se mesclaram às minhas próprias impressões vividas e o prazer de transitar pelos salões do Grande Hotel, assim, se duplicaram.
De modo que aqueles personagens da novela e sua fantasia de adultério e vida burguesa lá persistem como fantasmas, assim como eu próprio em minha imaginação transito por lá os vendo para sempre, bon vivant entre um banho de enxofre e um flerte com jantar à luz de velas, vinho escolhido a dedo, banquete, toalhas e guardanapos de linho, taças de cristal fino, talheres de prata e colchões celestiais.
Fernando Pessoa, em seu Livro do Desassossego, diz que “É em nós que as paisagens têm paisagem. Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como às outras. Para que viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e gênero das minhas sensações? A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos”.
Esse heterônimo de Pessoa, Bernardo Soares, parecia ser resistente às viagens físicas. Mas viajava bem em sua imaginação, sugerindo que é o espírito que molda o olhar e a paisagem, menos do que o olhar molda o espírito. Assim, viajar só é bom para quem está aberto para experimentar cada novo odor, cada novo sabor, cada novo desvio do sabidamente conhecido para se perder na redescoberta de si mesmo no diferente. Por isso, sugere ele que o que vemos não é o que vemos, mas o que somos, visto que, ainda que estejamos no lugar e em meio ao mais estranho, sempre, como um espelho, descobriremos o que somos nós mesmos naquilo que vemos, por mais estranho que pareça. A viagem, portanto, ainda que exterior, é sempre interior.
[publicado originalmente em 26/02/2009]
Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
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