Friday, September 1, 2017

COISAS DO BRASIL (uma crônica de Álvaro Carvalho Jr)



Mulherzinha porreta, Tacila Bernarda. Dona do único bordel da pequena Aquiraz, pertinho de Fortaleza, percebeu que as meninas enfrentavam dificuldades para desempenhar suas difíceis tarefas:

-É pouco quarto prá tanto pinto...comentava todo final de noite, quando percebia que alguns de seus clientes reclamavam da falta de atendimento. Mas, essa pequena mulher tinha uma mentalidade empreendedora, qualidade adquirida ao longo dos anos por pura necessidade: chegara pobre, sem quase nada, principalmente instrução, e aos poucos foi investindo naquilo que mais gostava. Deu muito, guardou dinheiro, três ou quatro doenças venéreas que foram curadas às duras custas; a chegada da camisinha, o colchão forrado, a abertura do bordel, a procura por meninas, as orientações de praxe e, finalmente, o sucesso. Só que sucesso exige crescimento e a hora chegara.

Sua única saída era construir um anexo ao lado da construção que já existia. O terreno vazio e vizinho já era seu, resultado de investimentos (comprara por uma ninharia...), faltando apenas acertar detalhes junto à Prefeitura, conversar com o gerente do único banco da cidade e iniciar as obras. Coisa de dois ou três meses e teria espaço à vontade. Imaginou uma decoração especial, quartos espaçosos e, quem sabe?, até com ar-condicionado, única maneira de enfrentar aquela terra boa, mas muito quente. Tudo dependeria dos custos. Não podia haver qualquer problema. Imaginou dias felizes e ricos. Porque não? Lutara por isso...

Mas a vida não é fácil. O pastor da Igreja Neopentecostal, provocado pelas carolas da cidade, resolver peitar a construção. Levantou a Bíblia em riste, como uma espada, gritou salmos e afins durante a seita e começou uma campanha contra o anexo do puteiro. Ou melhor, do lupanar. Tacila não entendeu bem a posição do pastor. A convivência, até então, vinha sendo tranquila: ele salvava almas e ela oferecia prazeres.

Nunca tiveram qualquer tipo de briga, discussão, enfrentamento. Até se cumprimentavam respeitosamente quando se encontravam aqui ou alí. A sociedade local, formada pelas esposas, filhas e congêneres do, a esposa do prefeito, todas faziam parte do rebanho do pastor e exigiam que o respeito fosse mantido. Onde já se viu aumentar o lupanar da Tacilia? Um desrespeito total para com cidade e fim de conversa.

Briga feia, que acabou no pequeno periódico da cidade; na rádio e virou conversa corrente nos quatro butecos locais. Mas, um dia, as chuvas chegaram ao sertão e com elas um raio, maldito para uns, bendito para outros. Faltava apenas uma semana para a inauguração quando o anexo foi inapelavelmente atingido pelo raio e não deu outra: incendiou inteirinho. Do pó viestes ao pó voltarás, para desespero de Tacilia . O pastor incendiou suas pregações durante as cerimônias semanais e à Tarcilia restou apenas uma saída: a Justiça dos homens.

O argumento de seu advogado foi claro: o incêndio fora por “Intervenção Divina”, por total e indiscutível excesso de orações feitas pelo pastor e seu rebanho purista. Já o pastor, diante do problema judicial, responsabilizou o acaso, “nada alé de um aciddente”. O processo foi montado e encaminhado para a Justiça, onde o único juiz de Aquiraz, demonstrando sapiência, fez o seguinte comentário na audiência de abertura:

“Pelo que li até agora, temos, de um lado, a proprietária de um prostíbulo que acredita firmemente no poder das orações. E, de outro lado, uma Igreja inteira que afirma que as orações não valem nada...”

A sentença ainda não foi publicada...

Álvaro Carvalho Jr. é jornalista aposentado
e trabalhou para vários jornais e revistas
ao longo de 40 anos de carreira.
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quando quer e quando sente vontade,
pois, como dissemos acima,
Álvaro Carvalho Jr. é jornalista aposentado.


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