Foi no auge do seu livro, O DOCE VENENO DO ESCORPIÃO (Panda), do Marcelo Duarte. Auge mesmo: o livro estava em primeiro lugar na lista dos mais vendidos por todos os lados. O relato da menina de classe média que ganha a vida satisfazendo os clientes com o seu corpo conquistou o Brasil. E num sábado eis que a nossa escritora surge pela porta da livraria. Usava uma camiseta branca e jeans de marca, me pareceu tímida, um pouco deslocada, dá pra entender. Foi um dos primeiros eventos feitos por Raquel, que assim se apresentou: “Prazer, Raquel”.
Lembrando dos dias que antecederam a sessão de autógrafos, vale contar que a imprensa local nos ignorou solenemente. Passamos em branco por todos os veículos que sempre nos apoiavam em pequenos ou grandes encontros com autores. Recebi até um telefonema irritado e ameaçador de uma senhora (a voz parecia a de uma senhora), que bradava contra a nossa escolha. “Como que uma livraria séria traria uma, uma, você sabe”...
No dia passamos por outro constrangimento. Um freqüentador da Realejo chega um pouco antes da hora marcada para o lançamento e dispara: “A Bruna já chegou?” Compra um exemplar e pede para ser atendido em caráter de urgência, está com pressa. Raquel estava recolhida no andar de cima, tomando um café acompanhado de um pão de queijo.
Achei melhor subir também, intuição de livreiro dublê de cronista. Flagrei o meu cliente propondo um encontro para uma leitura a dois do livro recém comprado. Raquel olhava para mim e dizia ao senhor: “Parei”. Simples assim, sem emoção. No final das tentativas rolou um beijinho e uma foto.
Para solucionarmos a “ignorada” da imprensa a autora usou do melhor expediente que a antiga profissão lhe deixara. Acendeu um cigarro e ficou de pé na calçada da livraria olhando para um ponto imaginário, com aquele olhar morno, em transe. Deu certo, vendemos muitos livros. Para minha surpresa o público era mais feminino e jovem. Será que as mulheres competem? Queriam conferir de perto os atributos que levaram a autora à fama?
Sejam quais forem as respostas para essas perguntas, o livro virou filme com Deborah Secco no papel de Bruna, e não entrou para a estante dos grandes textos eróticos. Mas serve mais como um registro cru e desconcertante de uma menina que queria migrar de classe social pelo caminho da alcova.
Hoje, Raquel Pacheco mantém sua personagem Bruna Surfistinha viva e ativa como DJ e como Conselheira Sexual no website ingenua.com.br , e neste último final de semana fez leituras dramáticas de suas histórias de alcova na Virada Erótica, um evento paralelo à Virada Cultural Paulistana.
José Luiz Tahan, 41, é livreiro e editor.
Dono da Realejo Livros e Edições em Santos, SP,
gosta de ser chamado de "livreiro",
pois acha mais específico do que
"empresário" ou "comerciante",
ainda mais porque gosta de pensar o livro
ao mesmo tempo como obra de arte e produto.
Nas horas vagas, transforma-se
no blues-shouter Big Joe Tahan.
(a ilustração acima é do Seri)
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