por Francisco Russo
para AdoroCinema
Chama a atenção o fato de A Senhora da Van ser baseado em fatos reais – ou ao menos grande parte do filme, como ressalta o alerta presente logo no início do longa-metragem. Não propriamente por ser uma história surpreendente, mas por trazer aos habitantes de um típico bairro de classe média (alta?) britânico a pobreza nua e crua, escancarada ao alcance das mãos. É no relacionamento entre a senhora Shepherd e seus vizinhos que está a sutileza do roteiro e também a beleza da situação como um todo.
A trama gira em torno do fato da tal senhora Shepherd viver em uma van que, de tempos em tempos, troca de vaga ao longo do bairro de Camden Town. Tais mudanças são um martírio para os vizinhos, devido aos hábitos pouco higiênicos da motorista de passado misterioso. O único que a tolera – e a palavra certa é esta, tolera – é o escritor Alan Bennett, que cede o banheiro para que ela possa usá-lo – não sem muitas reclamações, é bom ressaltar. É neste ponto que A Senhora da Van chama a atenção: por mais que às vezes surja uma ajuda aqui ou ali, na verdade todos os envolvidos querem mesmo é que a senhora e sua van desapareçam de suas vidas. A existência de uma pessoa que aceite passar por necessidades morando tão próximo incomoda, não apenas pela existência de tal realidade em um bairro abastado mas, também, pela dificuldade em lidar com o diferente. E isto vale também para Alan, o “herói” da narrativa.
É bem verdade que, mesmo com todos os seus preconceitos, ainda assim Alan demonstrou humanidade ao ajudá-la. Como é o verdadeiro Alan Bennett quem assina o livro e a adaptação do mesmo para o cinema, é natural que não haja uma mão muito pesada em relação ao incômodo da pobreza ao lado, tratado mais a partir de comentários ácidos, típicos do senso de humor inglês, e um certo coitadismo que logo se transforma numa espécie de “adoção coletiva da figura excêntrica do bairro”. Ou seja, o explosivo tema que poderia render bastante pela diferença de classes em um país capitalista de primeiro mundo é naturalmente minimizado, por mais que permaneça sempre nas entrelinhas.
Diante disto, o interesse maior do diretor Nicholas Hytner é ressaltar as personalidades tão anacrônicas da senhora Shepherd e de Alan, e como aos poucos surgiu entre eles uma relação de respeito e agradecimento, com cada um guardando para si segredos bem particulares. É possível notar um carinho palpável por ela, auxiliado pela atuação sempre competente de Maggie Smith, desta vez em uma personagem de atitude que, em muitos casos, torna-se antipática para o próprio público. A atriz consegue driblar bem estes momentos, incitando no espectador um interesse genuíno pela personagem. Já Alex Jennings constrói um Alan Bennett multifacetado, cuja psiquê surge dividida em duas em vários momentos e que tem na insegurança seu traço mais marcante.
Conduzido sempre em clima ameno, já que não há interesse em tocar em temas mais espinhosos, A Senhora da Van cumpre sua função de trazer tal história tão pitoresca ao grande público, agora nas telas de cinema. Entretanto, por mais que tenha dois bons protagonistas e seja até interessante, o filme por vezes cansa pelo tom monocórdio que adota, sem qualquer movimentação brusca ao status quo estabelecido desde o princípio.
QUEM GOSTOU DE "PHILOMENA", NÃO PODE PERDER "A SENHORA DA VAN"
por Alex Gonçalves
para CineResenhas
QUEM GOSTOU DE "PHILOMENA", NÃO PODE PERDER "A SENHORA DA VAN"
por Alex Gonçalves
para CineResenhas
Famoso dramaturgo britânico de 81 anos, Alan Bennett passou ele próprio por uma situação digna de ficção: entre os anos 1970 e 1980, ele abrigou em sua garagem Miss Shepherd, uma senhora que tinha uma van caindo aos pedaços como único lar. Conhecido por “As Loucas do Rei George”, peça de 1991 que três anos depois seria levado aos cinemas pelo então estreante Nicholas Hytner, Alan não poderia deixar de relatar como artista a sua convivência com uma velhinha aparentemente com alguns parafusos a menos.
O resultado é “A Senhora da Van”, antes narrado na BBC Radio 4, transformado em romance e agora encarnado em um longa-metragem. É também Nicholas Hytner que se encarregou em compartilhar essa história no cinema atrás das câmeras, que inicia com Miss Shepherd (Maggie Smith), uma senhora religiosa envolvendo-se em um acidente. Só se houve o barulho da batida de um sujeito contra a sua van e, na sequência, a sua fuga do local e das autoridades.
O destino fez Miss Shepherd estacionar o seu veículo em um bairro cercado de vizinhos que adoram fofocar uns com e sobre os outros. De faixada em faixada, Miss Shepherd acaba estacionando permanentemente na residência Alan Bennett (interpretado por Alex Jennings), ainda em uma fase em que não atingiu o ápice da consagração como autor. Ao mesmo tempo em que respeita o passado de Miss Shepherd (ele parece a última pessoa da Terra curioso em remexer as circunstâncias que a deixaram em um estado tão desolador), Alan entra em conflito consigo mesmo quando vê na situação um belo argumento para a escrita de um novo romance.
É inevitável não pensar em “Philomena” ao avaliar “A Senhora da Van”, pois há uma série de coincidências que os aproximam. Entre os principais, temos a vida de uma idosa voltando a ganhar movimento com o acesso a um homem intelectual e alguns traumas ou perdas que serão revividos para que uma solução seja encontrada.
Lamentavelmente, a sensibilidade de Nicholas Hytner ficou nos tempos de “As Loucuras do Rei George” e “As Bruxas de Salem”, pois a história de “A Senhora da Van” recebe aqui um tratamento descuidado e desinteressado. Sem que os protagonistas sejam submetidos a qualquer processo de envelhecimento, fica difícil acreditar que o convívio entre Alan Bennett e Miss Shepherd tenha durado nada menos que 15 anos. Pesa também a condução em banho-maria, com tiradas tipicamente britânicas e um clímax revelador que não elevam a pulsação de uma história real extraordinária.
A SENHORA DA VAN
(The Lady In The Van, 2015, 104 minutos)
Direção e Produção
Nicholas Hytner
Roteiro
Alan Bennett
Fotografia
Andrew Dunn
Elenco
Maggie Smith
Alex Jennings
James Corden
Jim Broadbent
Frances de la Tour
Dominic Cooper
Roger Allam
Samuel Anderson
em cartaz nas melhores salas de cinema
do Rio e de São Paulo
(mas infelizmente não em Santos,
por culpa de OS DEZ MANDAMENTOS)
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