FÁBIO CAMPOS VIU "HITCHCOCK TRUFFAUT" E COMPARTILHA CONOSCO SUAS IMPRESSÕES

por Fábio Campos

Hitchcock/Truffaut: só esses dois nomes já fazem qualquer cinéfilo tremer.

Consultando a programação dos cinemas aqui na Florida, encontrei esse título. Resolvi ir conferir.

O filme parte de uma premissa até então desconhecida pra mim. Em 1962, Truffaut, então com 30 anos, resolveu convidar seu ídolo, Hitchcock, com mais que o dobro da sua idade, para uma série de entrevistas sobre seus filmes, seu método e cinema, em geral.

O filme parte das entrevistas, e do livro resultante delas, para discutir a grandeza e a proximidade desses dois cineastas, mesmo que esta não seja tão aparente.

Claro que naquele momento Hitchcock era muito mais importante que Truffaut. Mas o que eu não sabia, é que, naquela altura, Hitchcock não era o cineasta idolatrado por todos, como hoje.

Principalmente por causa dos seus sucessos comerciais, ele era considerado um cineasta popular e, consequentemente, não o gênio que todos o consideram hoje. Desde sempre esbarramos nesse tipo de preconceito. Muitos dos filmes dele só foram considerados obras de arte depois de algum tempo, depois que o sucesso de publico esfriou.

É curioso perceber que foi Hollywood, com seu interesse comercial, que permitiu a Hitchcock ser um cineasta autoral muito antes do cinema autoral atingir seu ápice, nos anos 70. Quanto mais ele se saía bem nas bilheterias, mais autonomia ele tinha.

Além das conversas entre os dois, que transcorrem num clima bem-humorado, sem nenhuma afetação, o filme conta com depoimentos de Martin Scorcese, David Fincher, Wes Anderson, entre outros, falando principalmente sobre a obra e o legado de Hitchcock. 

Parece que estamos assistindo a uma aula de cinema, recheada de cenas tiradas dos filmes dele. Algumas são impressionantes, são suficientes para admirar e entender a genialidade do mestre. Aliás, um dos temas mais interessantes discutidos no filme e que, por ter trabalho no cinema mudo, Hitchcock conseguia se expressar somente com imagens. É consenso que o som, e consequentemente, os diálogos, acabaram sendo um retrocesso para o cinema. Nunca tinha pensado nisso, mas faz todo sentido.

A marca autoral é outra coisa muito presente. Ele colocava todos os seus traumas e obsessões nos filmes, mais uma vez, muito antes do chamado cinema autoral. Isso também foi uma marca de Truffaut. Pra mim, uma das coisas mais impressionantes é o obsessão pela beleza, Hitchcock sempre trabalhou com atores e atrizes lindos. Mas sempre teve total controle sobre os personagens, nunca permitia que os atores acrescentassem nada.

É incrível com ele se importava com a plateia. Dizia que os filmes eram para ser vistos sobre a perspectiva de 2.000 pessoas (sim, as salas de cinema chegaram a ter mais de 2.000 lugares), não de uma só. Talvez isso represente a continuidade do cinema até hoje. Com isso sempre pensava em surpreender o publico, engana-lo, instiga-lo, nunca entregar o que ele queria. Justamente ao contrário de hoje, onde a briga é para entregar exatamente o que o publico quer, nem mais, nem menos. Talvez por isso tenha tido vários sucessos de bilheteria e alguns fracassos.

O filme se aprofunda, principalmente em Um Corpo que Cai e Psicose, mas temos cenas maravilhosas tiradas de vários filmes.

É um documentário curto, não chega a 90 minutos, mas delicioso. Como foi produzido pela HBO, com certeza, vai passar no canal. Pra quem ama cinema é um programa e tanto. Saí encantado do cinema. Pra terminar, uma história pessoal com Hitchcock.

Meu pai adorava os filmes dele, um dos seus favoritos era Festim Diabólico. Ele assistiu ao filme sozinho, na época que namorava minha mãe. Ficou tão encantado pelo filme que resolveu assistir novamente, desta vez com ela. Minha mãe ficou tão indignada com a perversidade do filme, que queria terminar o namoro. Ninguém que achasse aquele filme bom poderia ser uma boa pessoa, ela disse. Segundo ele, foi bem trabalhoso convence-la do contrário. Ainda bem que deu certo, senão não estaria aqui...

Fábio Campos mora em Orlando, Florida
e assiste filmes desde que nasceu, 49 anos atrás.
Seus textos sobre cinema passam ao largo

do vício da objetividade que norteia
a imensa maioria dos resenhistas.
É um colaborador contumaz
de LEVA UM CASAQUINHO.