Wednesday, January 20, 2016

DUAS ABORDAGENS DISTINTAS SOBRE "CAROL", FILME DE TODD HAYNES COM CATE BLANCHETT


TENSÃO ERÓTICA DÁ A TÔNICA A "CAROL" E AGRADA EM CHEIO AO PÚBLICO

(por Roberto Bueno para OBSERVATÓRIO DO CINEMA)

As mulheres sempre se sentiram presas em redomas nas quais ou são endeusadas pelos homens ou são tidas como propriedades deles. Quando duas mulheres resolvem não só se unir contra esta opressão masculina, mas também amar uma a outra, acabam por romper definitivamente com essa opressão e assumirem para si o destino de suas vidas sem serem guiadas por ninguém a não ser por elas mesmas. O longa Carol é um ótimo filme sobre esta situação.

Inicio dos anos 1950, em Nova York. Carol Aird (Cate Blanchett), uma típica dona-de-casa de classe média alta dos Estados Unidos, precisa comprar um presente de Natal para a filha. Therese Belivet (Rooney Mara), uma jovem atendente da seção de brinquedos de uma grande loja de departamentos, está atrás do balcão. Seus olhares se cruzam.

Carol está prestes a se divorciar de seu marido, Harge Aird (Kyle Chandler). Os dois têm uma filha pequena, Rindy (Kk Heim). Carol, muito tempo antes de se decidir se separar de Harge, teve um caso com uma velha amiga e madrinha de Rindy, Abby Gerhard (Sarah Paulson).

Therese está noiva de Richard Semco (Jake Lacy), que trabalha na mesma loja que ela. Ela é uma fotógrafa amadora. Apesar de tirar boas fotografias, Therese ainda não foi atrás do que realmente gosta de fazer. Pouco a pouco, as duas vão se conhecendo melhor e percebendo como o mundo a sua volta reage ao que nasce e cresce entre as duas.

Carol é o mais novo filme do diretor norte-americano Todd Haynes. Ele não lançava um filme desde Não Estou Lá (2007), uma surpreendente cinebiografia de Bob Dylan. Neste mais novo trabalho dele, temas como as descobertas, as opressões, a liberdade, a sexualidade e o preconceito, muito presentes em filmes anteriores do diretor, também estão em cena. Velvet Goldmine (1998) e Longe do Paraiso (2002) são marcantes exemplos disso.

Entretanto, o roteiro de Carol não foi feito por ele. O trabalhou ficou nas mãos da Phyllis Nagy. Apesar de este ser o segundo roteiro escrito por ela, Phyllis conseguiu adaptar a história do livro homônimo de Patricia Highmith muito bem. Ela conseguiu transpor do papel para a tela toda a carga dramática da história.

Muitos diálogos são maravilhosos de se ouvir e são muito bem dosados. Existe um equilíbrio entre diálogos e imagens. Em muitos momentos, o dialogo fica completamente desnecessário diante das imagens mostradas. E quando os diálogos se fazem necessários são muito inteligentes. Carol foi o segundo livro publicado por Patricia e, o mais incrível, em 1952! O seu primeiro livro, Strangers on a Train (1950), foi adaptado para o cinema e recebeu o nome de Pacto Sinistro (1951). O diretor foi icônico Alfred Hitchcock. É dela, também, a obra O Talentoso Ripley (1955).

A grande sacada de Todd ao dirigir Carol foi usar os automóveis – aqueles modelos clássicos norte-americanos imensos próprios daquela época – como metáfora das redomas nas quais as personagens de Cate e Rooney estavam vivendo ou viriam a viver. A ideia de estar isolada significa tanto alienação, isolamento e prisão, quanto fuga, paraíso e proteção. Este uso inteligente dos carros foi possível por causa da fotografia de Edward Lachman. Isto fica claro, assim: quando o uso do veículo significa isolamento, a câmera está sempre fora do lado de fora. Quando significava proteção, ela estava dentro, como em um dos primeiros encontros entre Therese e Carol. O uso do close para detalhar o que Therese reparava em Carol também é delicadamente executado.

A trilha sonora composta por Carter Burwell também está perfeitamente no tom do filme. Com uma carga dramática na medida certa em relação aos momentos de delicadeza e em relação aos de embate. Além de terem sido perfeitamente selecionadas músicas da época que embalam algumas cenas entre Carol e Therese.

Sem exceção, todos os atores presentes em cena estão muito bem. Obviamente, Cate Blancett e Rooney Mara se destacam neste fantástico elenco. A maneira delicada, sensível, mas ao mesmo tempo forte e intenso das suas interpretações não deixa dúvida da sinceridade com que suas personagens tratam suas emoções. Isto fica claro em cenas nas quais, cada uma, independentemente resolvem comprar presentes e na qual ambas estão, juntas, se maquiando e se perfumando.

Kyle Chandler e Jake Lacy conseguem passar com as suas interpretações toda a surpresa, a raiva e a frustração de seus personagens em frente ao que, para estes, é uma afronta à suas masculinidades. Kyle Chandler interpreta bem o marido confuso com os sentimentos – um misto de amor e posse – em relação à Carol. Assim como Jake deixa claro a surpresa que o seu personagem tem ao descobrir que sua noiva pode estar gostando de outra mulher.

Merece ser mencionada, também, a interpretação de Sarah Paulson. A atriz faz muito bem o papel de amiga e confidente da protagonista. Esta foi uma ótima seleção de elenco realizada por Laura Rosenthal (Um Santo Vizinho, 2014). Ela acertou em cheio.

A reconstituição de época está impecável. Os automóveis, as roupas, o estilo de cabelo, de maquiagem, os móveis… tudo, mas tudo mesmo faz com quem assista ao filme seja transportado para aquela época. E não só os objetos, mas também, o comportamento da época está condizente. Foi realizado um excelente trabalho de pesquisa.

Esta é uma produção maravilhosa e tocante, não só por causa da história entre Carol e Therese, mas por tudo que este encontro das duas consegue trazer a tona. O pior é perceber que, apesar da grande maioria da sociedade, atualmente, aceitar o amor entre dois homens ou entre duas mulheres, aqueles que ainda não aceitam parecem ter uma reação mais extrema do aqueles que não aceitavam há mais de 60 anos.



CAROL: UMA HISTÓRIA DE AMOR

(por Francisco Russo para AdoroCinema)

Todd Haynes é um diretor que, apesar de ter poucos trabalhos no currículo, tem como marca registrada o perfeccionismo na ambientação de seus filmes/série. Assim foi com Velvet Goldmine, Longe do Paraíso, Mildred Pierce e assim é em seu novo trabalho, o excelente Carol, exibido em primeira mão na edição deste ano do Festival de Cannes.

O longa-metragem acompanha o envolvimento entre duas mulheres, Carol Aird (Cate Blanchett) e Therese Belivet (Rooney Mara), que se conhecem por acaso em uma loja de departamentos. Com um detalhe extra: a história é situada na Nova York dos anos 1950, com todos os preconceitos e ignorâncias da época em relação ao universo homossexual. Ou seja, um período onde sair do armário era considerado uma imoralidade absoluta, ainda mais se você tem uma filha, como é o caso de Carol. Em uma realidade tão difícil de ser quem você realmente é, o único meio de se proteger da fúria alheia é camuflar os sentimentos, de forma que apenas os mais perspicazes possam realmente decifrá-los. É este o mundo em que Carol vive, é este o mundo para o qual Therese é atraída.

Para fundamentar esta complicada realidade, Haynes constrói um mundo repleto de sutilezas onde um simples olhar ou toque diz muito. Mas não há pressa, nem extravagância. O diretor dá às duas o tempo necessário para que se conheçam e se apaixonem, de forma que a cada novo minuto fique ainda mais à flor da pele a necessidade absoluta de liberar emoções duramente contidas, por medo do preconceito e de possíveis retaliações. Quando elas enfim vêm à tona, surge o gozo: de prazer, de alívio, de amor. A sequência é de uma explosão impressionante, delicada e ao mesmo tempo ardente.

É claro que, para que este universo de insinuações funcionasse, Haynes precisava ter em mãos duas grandes atrizes. Cate Blanchett é um verdadeiro monstro em cena, distribuindo olhares sedutores no melhor estilo Lauren Bacall. É ela a Mrs. Robinson da vez, atraindo Therese para seu universo pela atenção concedida a ela. Entretanto, é interessante notar que o relacionamento entre as duas não corresponde à simplicidade do quem seduz e quem é seduzida, já que ambas demonstram personalidade e apresentam, cada uma a seu tempo, força e fragilidade. São as sutilezas e belezas do roteiro, transpostas para a tela com maestria por ambas.

Além de toda a construção psicológica das personagens, Carol ainda oferece ao espectador uma recriação elegante dos anos 1950, onde brilham aspectos técnicos como fotografia, direção de arte e figurino. A trilha sonora de Carter Burwell, linda, é outro grande destaque, sabendo valorizar os silêncios tão necessários para uma história onde o detalhe é tão importante. No fim das contas, Carol traz uma história de amor poderosa, não apenas pelo sentimento presente mas também pela consciência das limitações impostas pela época retratada. Lindo filme, para saborear as entrelinhas.


CAROL
(2015, 118 minutos)

Direção
Todd Haynes

Roteiro
Phyllis Nagy

adaptado de um romance de
Patricia Highsmith

Elenco
Cate Blanchett
Rooney Mara
Sara Paulson
Kyle Chandler
Jake Lacy
Cory Michael Smith



em cartaz no ROXY IPORANGA 4 e no CINESPAÇO MIRAMAR SHOPPING

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