Tuesday, January 19, 2016

"SPOTLIGHT", DE TOM MCCARTHY, ANALIZADO POR DOIS CRÍTICOS COM LEITURAS DISTINTAS

ANATOMIA DE UM MESMO CRIME REPETIDO INDEFINIDAMENTE

(por Giovannni Rizzo para OBSERVATÓRIO DO CINEMA)


Alguns filmes parecem seguir uma cartilha com recomendações bem específicas para se habilitarem aos principais prêmios do cinema americano. Spotlight: Segredos Revelados de longe parece um exemplo disso: um drama baseado em fatos reais e com uma crítica social importante atualmente. Só que o longa do pouco conhecido Tom McCarthy evita cair nos clichês do gênero e revela-se um grande filme.


Baseado na história de um grupo de jornalistas que investiga um escândalo de pedofilia na Igreja Católica em Boston, McCarthy entende perfeitamente que o tema é dramático por si só, não caindo na armadilha do sensacionalismo e sentimentalismo. Spotlight consegue extrair dramaticidade dos próprios fatos sem apelar para uma trilha sonora grandiosa ou grandes surpresas, o longa tem um compromisso com a realidade e faz desse fator sua melhor qualidade.


McCarthy tira de seu elenco performances incríveis; Rachel McAdams, Michael Keaton e principalmente Mark Ruffalo se entregam, tornando seus personagens, que já são bem complexos, ainda mais humanos. Mas o que chama atenção são os personagens secundários, ou nem isso. O grupo de jornalistas busca pela cidade as vítimas dos abusos de vários padres, e são nesses relatos em que o filme surpreende. Os fatos narrados por esses personagens menores são marcantes e dramáticos por natureza. É fascinante como o diretor utiliza bem os silêncios nessas cenas, há apenas a experiência daquelas pessoas, há apenas o drama, há apenas o mal causado por toda aquela situação.


Dessa maneira, Spotlight: Segredos Revelados é um filme denúncia. Não apenas dos fatos que já são revelados na sinopse, mas de como aquilo pôde acontecer e esse mais do que tudo é o grande legado do filme. Ao longo da busca da equipe de jornalistas pelos acontecimentos, é mostrado como uma cidade inteira foi igualmente culpada pelos fatos. Acobertando tudo o que acontecia para proteger a reputação da Igreja e da cidade, Boston é um dos tantos criminosos. Em um momento do longa, um advogado diz que para educar uma criança é necessário uma vila inteira e para abusar de uma criança também é necessário uma vila inteira. É exatamente essa ferida que Spotlight busca cutucar, ninguém ficará impune, nem que para isso seja necessário escancarar os pecados de uma população inteira.


Interessante notar como Spotlight: Segredos Revelados não tenta de forma alguma ser genérico ou universal, mostrando as particularidades da cidade norte-americana e porquê o caso se deu de tal forma naquela região. Vale ressaltar como o diretor filma a cidade nas cenas externas, sempre com a presença física de alguma igreja, evidenciando ainda mais o poder e a opressão daquela instituição na vida e atos dos cidadãos de Boston.


Com tudo isso, Spotlight não deixa de conter um clima pesado, mas é exatamente pela força e persistência dos seus protagonistas que o filme ganha seu ritmo. E é dessa forma que o longa tem seus grandes momentos, o que dizer da sequência em que um coral de criança canta noite feliz em uma igreja e em uma montagem o espectador acompanha a escrita da reportagem que denúncia paróquias, padres e bispos, além de mostrar como o árduo trabalho reflete na vida daqueles jornalista.


Diante de tudo isso, Spotlight: Segredos Revelados só pode ser considerado um belo filme. Um longa necessário para nossa sociedade e que alcança momentos de verdadeiro drama, conseguindo ser sensível diante daquelas histórias, mas que mantém uma responsabilidade crítica de encarar os fatos sem hipocrisia ou sensacionalismo.



UM FILME QUE ENALTECE O TRABALHO DA IMPRENSA COMO HÁ MUITO TEMPO NÃO SE VIA EM HOLLYWOOD

(por Roberto Bueno para OBSERVATÓRIO DO CINEMA)


Atualmente, os inúmeros casos de padres católicos ao redor do mundo que teriam abusado de crianças são conhecidos. Mas esses casos vieram à tona por causa de um grupo de jornalistas determinados do jornal The Boston Globe, de Boston, capital do estado de Massachusetts, que em 2002, publicaram um especial no qual mostraram como os bispos da Igreja Católica transferiam os padres para outras comunidades quando eram acusados de abusos. Baseado-se nestes fatos que o filme Spotlight: Segredos Revelados foi produzido.


Em 2001, vindo da cidade de Miami, chega o novo editor, Martin Baron (Liev Schreiber, da série Ray Donovan), ao The Boston Globe. Em uma das suas primeiras reuniões de pauta – nas quais os jornalistas e editores conversam sobre quais matérias serão produzidas para a edição seguinte do jornal ou para as seguintes – ele se depara com a história de um padre que teria abusado de uma criança.


Martin conversa com o chefe da seção Spotlight, Walter “Robby” Robinson (Michael Keaton, de Birdman) e pede para o grupo deste aprofunde aquela história. Spotlight é um grupo de jornalistas especializados em investigação criado neste jornal de Boston no inicio dos anos 1970. Assim, Mike Rezendes (Mark Ruffalo, de Vingadores: Era de Ultron), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams, de Nocaute) e Matt Carroll (Brian d’Arcy James, de O Encontro) e Robby Robinson deixam de lado a investigação na qual estavam naquele momento e começam a se aprofundar no que se passa por trás dos altares e sacristias de uma cidade profundamente católica e ligada a Santa Igreja.


A história foi muito bem construída. Inicialmente, mostra um exemplo. Depois mostra como o interesse dos jornalistas do jornal é despertado e vai mostrando as consequências que as investigações vão desencadeado dentro e fora do jornal e entre a alta sociedade e pessoas importantes da cidade de Boston. Apesar do tema deste filme lembrar muito o longa de 1976, “Todos os Homens do Presidente”, com Dustin Hoffman e Robert Redford, é um lindo filme que mostra como quando o Jornalismo é bem feito, ele pode contribuir para ajudar milhões e milhões de pessoas.


A criação do roteiro de Spotlight: Segredos Revelados ficou a cargo de Tom McCarthy e Josh Singer. Tom é um ator que eventualmente também trabalha atrás das câmeras, tanto como diretor, quanto roteirista. Ele dirigiu, por exemplo, O Visitante (2007) e atuou em filmes como Jogo de Poder (2010). Uma feliz sacada da história é mostrar como a chegada de um novo elemento a um grupo faz com que coisas que pareciam ser normais ou até desimportantes podem esconder atrás de si uma grande história.


Spotlight: Segredos Revelados tem um pouco mais de duas horas de duração e Tom o dirigiu de forma impecável. Provavelmente ser o roteirista do filme o ajudou nisto. Ele o faz de forma que a tensão do filme não caia bruscamente quando é mostrado, por exemplo, a repercussão do trabalho dos jornalistas em suas casas com familiares e os sentimentos que foram brotando neles conforme trabalhavam neste caso.


As atuações de Michael Keaton, Rachel McAdams e Brian d’Arcy James estão muito boas. Eles se põem em cena com a disposição que os seus personagens pedem para fazer o trabalho necessário: garra e atenção. Michael Keaton parece que redescobriu o caminho para grandes filmes e acerta novamente ao fazer uma atuação precisa. Rachel também está segura em sua interpretação. Entretanto, Mark Ruffalo consegue superá-los. Você não consegue vê-lo em cena, apenas o jornalista determinado que interpreta. Mark pode ser um páreo duro nas premiações que estão para vir para melhor ator coadjuvante.


Para contar esta história cheia de passagens e que está revelando um segredo que muitos gostariam que continuasse assim, Tom McArdis, que já trabalhou com Tom McCarthy em O Visitante faz o trabalho de edição bom. Porém, em um determinado momento, a cenas poderiam ser um pouco mais extensas para deixarem que os espectadores tivessem mais tempo para entender o que estava se passando.


Spotlight: Segredos Revelados tem a fotografia realizada pelo japonês Masanobu Takayanagi. Velho conhecido de Hollywood, Masanobu trabalhou em Aliança do Crime (2015) e O Lado Bom da Vida (2013). Neste filme, ele realmente quis deixar a impressão de que há um holofote sobre os diversos personagens. Essa luz revela a apreensão, o medo, a angustia de se estar sendo trazido para a claridade algo que muitos até sabiam existir, mas não tinham coragem de assumir para si a sua existência.


Realmente, o filme desvela como um grupo de pessoas que é determinado percebe estar fazendo um trabalho cujo resultado ajudará milhões de pessoas a perceberem que não estão só. E para terminá-lo, não deixaram que medos ou receios os atrapalhassem na busca deste nobre objetivo.


SPOTLIGHT: SEGREDOS REVELADOS
(Spotlight, 2015, 126 minutos)

Direção
Tom McCarthy

Roteiro
Josh Singer
Tom McCarthy

Música
Howard Shore

Elenco
Michael Keaton
Mark Ruffalo
Rachel MacAdams
Liev Schreiber
Stanley Tucci
Billy Crudup
Brian D'Arcy James
John Slattery



em cartaz no Iporanga 4



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