Monday, January 18, 2016

VISÕES DISTINTAS DE 2 CRÍTICOS DIFERENTES PARA 'A GRANDE APOSTA", DE ADAM MCKAY

ADAM MCKAY ABORDA A CRISE FINANCEIRA SOB A LÓGICA DO ABSURDO

(por Marcelo Hessel para OMELETE)

Da mesma forma que uma mentira repetida diversas vezes pode se tornar uma verdade, um absurdo deixa de ser um absurdo quando se incorpora à norma. A Grande Aposta (The Big Short, 2014), o filme sobre a falência imobiliária americana que deu ao diretor de comédias Adam McKay um lugar no Oscar, tenta entender pela lógica do absurdo como algo tão escandaloso pode ter ganho as proporções que permitiram a crise financeira global de 2007 e 2008.

O filme adapta o livro de Michael Lewis The Big Short: Inside the Doomsday Machine - publicado no Brasil como A Jogada do Século - e conta histórias cruzadas de investidores e especuladores financeiros que previram o estouro da bolha e resolveram apostar contra o que, desde sempre, era um dos investimentos mais seguros do mercado: os títulos de dívida imobiliária nos EUA. Conhecido por filmes estrelados por Will Ferrell como O Âncora e Ricky Bobby - A Toda Velocidade, parte do que McKay chama de "trilogia do homem americano medíocre", o diretor basicamente pega um material típico de drama cheio de lamentos (tantos sonhos desfeitos na crise que desalojou milhares de pessoas) e o transforma numa de suas comédias irônicas (que tipo de crueldade, disfarçada de estupidez, é capaz de desfazer tantos sonhos?).

Atrás de uma resposta, McKay investe na repetição. Seus protagonistas - vividos por Ryan Gosling, Steve Carell, Christian Bale, Brad Pitt e mais meia-dúzia de tipos incrédulos diante do que presenciam - personificam reações diferentes aos absurdos do mercado. Gosling faz o malandro, com suas metáforas, Carell vive o desesperado em negação, Pitt é meio niilista, meio conspirólatra, e Bale carrega no lado depressivo de ter sido o primeiro a diagnosticar uma doença que ele é incapaz de tratar. Antes de ser uma história com começo, meio e fim (porque afinal nos ciclos de destruição do mercado nunca há um fim de fato), A Grande Aposta é um exercício de de ação e reação, e de perplexidade.

Se o filme parece didático demais na forma como personagens expõem entre si (e celebridades expõem ao espectador, em constantes quebras da quarta parede que sublinham que A Grande Aposta de fato é uma comédia, para não deixar dúvidas) as premissas e os fatores da crise do subprime, é porque a repetição é essencial para entendermos como um absurso pode ser eventualmente aceito como norma. Por outro lado, ainda que McKay saiba muito bem o tipo de comédia que está realizando, A Grande Aposta é um filme meio limitado, porque o absurdo se encerra em si mesmo. Lamentamos a crise, porque ela sem dúvida é avassaladora e está fadada a se repetir, mas dificilmente levaremos conosco para além da sala de cinema esses personagens que tão bem exerceram sua função de se deixar transtornar por nós.

É um tratamento muito diferente, por exemplo, daquela de O Lobo de Wall Street, que também tem um narrador que nos interpreta a crise, que é capaz de enxergar o que outros não veem e de explicar para nós como ela funciona, como tirar proveito dela. Martin Scorsese, porém, como bom ilusionista (e em A Grande Aposta em nenhum momento somos levados a suspeitar dos nossos narradores), sabe que o ponto de vista do seu narrador não é confiável, e por fim torna isso o tema do seu filme. Já McKay, justamente por fazer da exposição e da repetição os elementos centrais da sua operação, está mais próximo não só do documentário mas principalmente de uma obra paradidática (se os livros na escola trabalhassem com ironia). O que nos resta é sentar diante de A Grande Aposta e, quem sabe, aprender alguma coisa.


TUDO PELO LUCRO

(por Francisco Russo para ADORO CINEMA)

Às vezes, a realidade é tão absurda que o melhor meio de retratá-la seja através do deboche. Martin Scorsese sabe bem disto, tanto que usou e abusou desta técnica ao contar a história de Jordan Belfort em O Lobo de Wall Street. O diretor Adam McKay, veterano da comédia que traz no currículo O Âncora - A Lenda de Ron Burgundy e Ricky Bobby - A Toda Velocidade, bebe da mesma fonte ao investir em um longa-metragem de fundo dramático - e baseado em fatos reais - sobre a complexa crise imobiliária ocorrida nos Estados Unidos em 2008. Só que, ao invés de se render ao didatismo técnico inerente ao tema, McKay demonstra imensa habilidade ao transformar a sopa de letrinhas do mercado imobiliário em um verdadeiro turbilhão de referências (e críticas) à cultura pop e ao american way of life, como poucas vezes se viu no cinema americano nas últimas décadas.

Baseado no livro escrito por Michael Lewis, o longa-metragem inicia alguns meses antes da crise eclodir. O foco está em quatro grupos de investidores, cada um com suas peculiaridades mas com um objetivo em comum: lucrar (muito!) a partir da destruição do sistema. Tal contrasenso moral é a crítica básica do longa-metragem, apontada diretamente para o capitalismo: se o que importa é lucrar a todo custo, por que não apostar na perda de empregos e na piora de condições de vida da classe mais baixa da sociedade?

É importante ressaltar que, por mais que haja um investimento pesado na tragédia, esta não é provocada pelos "heróis" da trama. O grande mérito da trupe foi saber lidar com a informação, quase imperceptível, de que o sistema estava se tornando insustentável - o que, por outro lado, também não os isenta de torcer descaradamente para que o pior aconteça. Este conflito de consciência até é apresentado através dos personagens de Steve Carell e Brad Pitt, que em certos momentos lembram das consequências do que está por vir. Ainda assim, isto jamais se torna maior que a busca pelo lucro incessante. No fim das contas, serve mais como um lembrete ao espectador do que está em jogo naquele momento.

Questões morais à parte, este filme-coral divide seus 131 minutos ao longo de quatro núcleos base, protagonizados por Christian Bale, Steve Carell, Ryan Gosling e Brad Pitt. Por mais que alguns até se encontrem em raros momentos, a função maior do quarteto é apresentar variações em torno da bolha prestes a explodir. Quem mais aparece em cena é Carell, dono também da melhor atuação. Seu semblante sempre cansado, como se permanentemente carregasse o mundo em suas costas, é a síntese precisa do estado emocional do personagem e do quão absurdo ele vê tudo o que acontece ao seu redor. Christian Bale também brilha, especialmente no início, quando o espectador é surpreendido pelos cacoetes de seu personagem desajustado socialmente.

Entretanto, é a partir do personagem de Ryan Gosling que A Grande Aposta encontra seu tom. Tão arrogante e autoconfiante quanto o Jordan Belfort de Leonardo DiCaprio em O Lobo de Wall Street, ele volta e meia quebra a quarta parede para falar com o público e não tem o menor pudor em buscar, a todo custo, benefícios para si próprio. A ganância desmedida ganha proporções cada vez maiores, impulsionada também pelas denúncias de manipulação e fraude de todo o sistema econômico norte-americano - quem pôde ver o documentário Trabalho Interno, premiado com o Oscar, conhece bem o assunto.

O grande pulo do gato de A Grande Aposta é que, à medida que a situação como um todo cresce, Adam McKay passa a investir mais - e mais - em piadas e gags particulares, extremamente debochadas. Muitas delas são hilárias, como as participações especiais de celebridades para explicar algum termo técnico demais que surge durante a trama - a de Margot Robbie é sensacional! É neste ponto que a verve cômica do diretor vem à tona, usando o sarcasmo não apenas para ajudar a própria narrativa, mas também para cutucar o próprio modelo retratado. Não é à toa que, já na reta final, McKay espalha o sutil som de risadas em determinadas cenas, como se o próprio contexto risse da armadilha criada para o cidadão comum - e, por que não?, para o próprio espectador.

Contundente e incisivo, A Grande Aposta é um grande filme que tão bem retrata o modo de pensar do capitalismo selvagem. Ao mesmo tempo, é uma roda-gigante de citações pop nos sentidos mais diversos, muitas vezes usadas como mero deboche, até mesmo às próprias citações. Com uma edição ágil e diálogos primorosos, responsáveis por vários momentos antológicos, o longa conta ainda com um elenco afinado conduzido com precisão por alguém que sabe muito bem não só o que está tratando, mas também como abordá-lo - e, neste caso específico, isto faz toda a diferença. Belíssimo trabalho de Adam McKay, tanto no roteiro quanto na direção, que o credencia - com justiça - ao próximo Oscar.

A GRANDE APOSTA
(The Big Short, 2015, 131 minutos)

Direção
Adam McKay

Roteiro
Adam McKay
Charles Randolph

Fotografia
Barry Ackroyd

Elenco
Christian Bale
Brad Pitt
Ryan Gosling
John Magaro
Steve Carrell
Marisa Tomei
Melissa Leo
Karen Gillian
Selena Gomez



em cartaz nas Redes ROXY e CINEMARK



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