Wednesday, December 2, 2015

O DIA A DIA DE OITO ARTISTAS EM FORMAÇÃO EM "FAMA" (Hoje CineclubePagu, 19h)

por Chico Marques


Quando Alan Parker estreou em 1976 com "Bugsy Malone", um curiosíssimo filme de gangsters com um elenco de crianças encabeçado por Jodie Foster, ninguém teve a menor dúvida quanto a seu talento e quanto ao futuro brilhante que ele teria pela frente.

Mas sua carreira acabou sendo mais irregular do que se poderia supor a princípio. 

Para cada triunfo artístico como "Coração Satânico", "Mississippi Em Camas", "A Vida de David Gale", "A Chama Que Não Se Apaga" e "Birdy", Parker investia em títulos de temáticas demagógicas e natureza duvidosa, visando agradar ao grande público a qualquer custo. 

Não que haja algo de muito condenável nisso. 

É natural que seja assim, afinal estamos falando de "produtos" de uma Indústria. 

Mas a constância e natureza premeditada com que esses filmes medianos de Alan Parker surgiam começaram a deixar claro que, ao contrário do que muitos imaginavam, o Parker publicitário que antecedeu o Parker cineasta nunca foi devidamente aposentado.


"Fama" (1980) é um desses filmes duvidosos da carreira de Alan Parker. 

Realizado logo após o sucesso estrondoso -- e, diga-se de passagem, inexplicável, ao menos para mim -- de "O Expresso da Meia Noite", "Fama" se propõe a mostrar o dia a dia de oito jovens muito determinados que buscam uma vaga na concorridíssima New York Performing Arts School.

São eles: Coco Hernandez (Irene Cara), uma aspirante a atriz e cantora; Ralph Garcy (Barry Miller), um comediante porto-riquenho de vida sofrida; Leroy Johnson (Gene Anthony Ray), um negro dançarino de rua; Doris Finsecker (Maureen Teefy), uma garota judia que quer ser atriz e cantora; Bruno Martelli (Lee Currelli), um músico incompreendido; Montgomery McNeil (Paul McCrane), um estudante de artes dramáticas; Lisa Monroe (Laura Dean), uma apaixonada pela dança; e Hilary Van Doren (Antonia Franceschi), uma loira lindíssima de família rica que estuda balé clássico.


Voltado prioritariamente para o público jovem, "Fama" foi um sucesso mundial na ocasião de seu lançamento. 

Mas, talvez pela maneira extremamente rasa com que fecha o foco em cada um de seus personagens, o filme acabou envelhecendo e perdendo rapidamente qualquer relevância que pudesse ter na época

Sua trilha sonora fez algum sucesso, mas não é eloquente o suficiente em termos artísticos para conseguir resistir ao teste do tempo. Aconteceu com ela o oposto do que aconteceu com a trilha de "Saturday Night Fever", o "Vidas Amargas" da Era Disco.

Sintoma da época: quase todos os oito alunos da New York Performing Arts School buscam a excelência no que fazem não propriamente por um ideal, mas porque querem ser ricos e famosos, para assim poder ir à forra contra todas as adversidades que enfrentaram em suas vidas até então. 

Convenhamos: um bom subtítulo para "Fama" bem que poderia ser "A Alvorada Yuppie".



No final das contas, o que se salva de verdade em "Fama" -- além, é claro, do senso plástico notável do ex-diretor de fotografia Alan Parker, e da edição ágil, rápida e rasteira de Gerry Hambling -- é o bom trabalho de direção de atores, que faz com que um elenco jovem e pouco experimentado consiga render maravilhas. Parker já tinha demonstrado uma habilidade enorme nesse quesito antes, em 'Bugsy Malone". E iria repetir a dose alguns anos adiante no simpático "The Commitments". 

Pena que os comentários sociais que surgem ao longo do filme sejam são pouco densos, e as cenas musicais tão duras e tão pouco expressivas. 

Impossível não imaginar o quanto um argumento desses renderia nas mãos de alguém realmente adequado para um projeto assim. 

Bob Fosse, por exemplo.


'Fama" pretendia ser uma Ode às Artes, mas desviou no meio do caminho. Optou por ser apenas mais um filme juvenil pretensamente edificante, muito distante do cotidiano real de uma escola daquele tipo. Perdeu a chance de ter a mesma grandeza de vários filmes de natureza semelhante -- como o recente (e excelente) "Whiplash", de Damien Chazelle. 

Rever "Fama" 35 depois de seu lançamento nos cinemas pode não ser uma experiência muito agradável. Eu, pessoalmente, não gostei nem um pouco de revê-lo recentemente no TCM. Francamente, não acho que Alan Parker mereça ser lembrado por isso. "Fama" não é bom, nem é ruim, muito pelo contrário... e não existe nada mais terrível de se dizer de um cineasta talentoso do que algo assim.

Agora, se você for um cultuador incansável da música e do cinema dos Anos 80, desconsidere tudo isso que escrevi acima, e pode me chamar de chato. Vá, assista, e divirta-se bastante.

Parafraseando Paulo Francis: "Fama" é uma gracinha, e eu não sou.  
  

FAMA
(Fame, 1980, 135 minutos)

Direção
Alan Parker

Roteiro
Christopher Gore

Fotografia
Michael Seresin

Edição
Gerry Hambling

Elenco
Irene Cara
Barry Miller
Gene Anthony Ray
Maureen Teefy
Lee Currelli
Paul McCrane
Laura Dean
Antonia Franceschi 





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