Tuesday, December 1, 2015

PARA UM ITALIANO FRANZINO DE HOBOKEN, FRANCIS ALBERT SINATRA ATÉ QUE SE DEU BEM




Se estivesse vivo, Francis Albert Sinatra completaria 100 anos de idade no próximo dia 12 de Dezembro.

Por sorte, não está. Quando morreu em 1998, aos 83 anos, já estava num flerte aberto com a senilidade e extremamente debilitado por todos os excessos que cometeu em vida -- e não foram poucos. Sempre enfrentou a vida com a verve de um boxeador. Não iria gostar de estar vivo sem poder brigar pela vida, vivendo à mercê dela.

Nascido em Hoboken, New Jersey, à beira do Rio Hudson, filho de um imigrante italiano e de uma imigrante irlandesa, Sinatra já nasceu brigando, num parto extremamente complicado. Por uma barbeiragem do obstetra, o fórceps usado no parto perfurou-lhe um dos tímpanos, entortou uma de suas orelhas e deixou uma cicatriz em seu rosto que ele disfarçou a vida inteira com maquilagem. Mas ele conseguiu nascer. Foi por pouco.

Sinatra cresceu na malandragem, mimado pela mãe desde a mais tenra idade. Aos 16 anos, largou a escola para seguir as pegadas de seus ídolos radiofônicos. Cantou em casamentos, em clubes duvidosos, participou de um quarteto vocal, ganhou concursos de calouros, e não sossegou até que Harry James, recém-saído da orquestra de Benny Goodman, o contratasse como vocalista de sua Big-Band. 



Nascia ali o jovem crooner que iria enlouquecer as garotas americanas no final dos Anos 30 e início dos Anos 40.

As duas primeiras apresentações de Sinatra no Teatro Paramount, em Nova York, entre 1943 e 1944, acabaram virando um caso de polícia depois que 25 mil adolescentes bloquearam, aos gritos, as ruas que cercam a Times Square. 

Nem Elvis Presley, nem os Beatles e nem os Rolling Stones conseguiram, nos anos que se seguiram, algo dessa magnitude.


A carreira adulta de Sinatra começou para valer quando Tommy Dorsey, atolado em dívidas, o dispensou de seu contrato com sua Orquestra. Com o fim da guerra, a Era das Big-Bands estava vivendo seus últimos momentos. 

Mas Sinatra permanceu na cena como artista solo. E emplacou nada menos que 86 canções de sucesso nos dez anos em que gravou para a Columbia Records. Na época, o nível artístico de sua produção musical era irregular, até porque muitas vezes ele foi obrigado pela gravadora a trabalhar com produtores e arranjadores pouco criativos e pouco expressivos. É bom lembrar também que ele nem sempre teve à sua disposição um repertório na mesma medida de seu talento. Considerando tudo isso, dá para dizer que o saldo final desses anos na Columbia até que foi bastante satisfatório. 

Mas, infelizmente, sua carreira em Hollywood ia de mal a pior. Seu "filme" estava "queimadíssimo" com os Capitães da Indústria Cinematográfica, por passar o rodo em quase todas as jovens atrizes em que os Grandes Estúdios apostavam. Sinatra era reconhecidamente inconstante em termos emocionais. Tinha fama de bad boy. Seu casamento turbulento com Ava Gardner fez muito mal para  a carreira dela. Os amigos o descreviam como "um filme de guerra ruim". Sinatra a esculhambava publicamente, daí ela caía na bebida e não conseguia trabalhar. Mas a gota d'água teria sido quando ele "pegou" e engravidou a jovem e imaculada Liz Taylor. Liz era completamente apaixonada por ele e quase enlouqueceu quando foi convencida a abortar. Para consertar o estrago, Liz teve que sair de cena por um bom tempo e fazer muita terapia, até conseguir ficar de pé novamente. Mesmo assim, dizem que ela nunca conseguiu esquecer Sinatra, e até o fim de sua vida não perdeu uma apresentação sequer dele em Los Angeles.

Desnecessário dizer que Sinatra pagou caro por isso. De uma hora para outra, ninguém mais o chamou para trabalhar. Ficou absolutamente escanteado das telas entre 1948 e 1952, sem fazer um filme sequer. Isso, obviamente, refletiu em sua carreira como cantor. Na virada dos Anos 40 para os 50, a Columbia Records já não sabia mais o que fazer com ele.


Mas então, em 1953, sua carreira "misteriosamente" renasceu. Primeiro, ao ser escalado para um papel dramático no filme "A Um Passo da Eternidade", que lhe rendeu um merecido Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Quem viu o "Poderoso Chefão #1" conhece bem essa  história e sabe o quão importante foi o apoio da "Cosa Nostra" nesse momento crucial de sua carreira. E segundo, ao assinar com a Capitol Records, que colocou a seu serviço um time imbatível de arranjadores: o "hard swinger" Billy May, o "gentle swinger" Nelson Riddle e melancólico Gordon Jenkins. 

Sinatra ficou muito amigo de todos os três arranjadores. Ao lado deles, conseguiu explorar musicalmente todas as variantes musicais que lhe interessavam e, com isso, remoldar sua carreira de forma notável. Quem conviveu com Sinatra de perto, afirma que ele era, em termos pessoais, uma pessoa instável, acessível somente quando lhe convinha, e capaz de atitudes explosivas e inusitadas. Mas como artista, era dono de uma musicalidade assombrosa e de um talento gigantesco, e sabia ser generoso quando alguém era generoso com ele. Seus 30 anos de parceria musical e sólida amizade com o maestro e arranjador Nelson Riddle foram fundamentais para que sua carreira sempre tivesse um Norte. Os dois juntos sempre foram, no mínimo, brilhantes.


Eu não nego, sempre fui admirador quase incondicional de Sinatra. 

Acho as gravações melancólicas que ele fez sob a tutela do maestro Axel Stordhal nos Anos 40 simplesmente magníficas. Foi Stordhal quem ajudou a forjar o "Sinatra cantor adulto". 

Já as gravações que Sinatra fez para a Capitol nos Anos 50 são quase todas espetaculares. Nunca entendi porque ele implicava tanto com a maneira como a gravadora empacotava essas canções, em LPs que alternavam números suingados com outros bem românticos, que ostentavam títulos que sempre começavam com "Come" e terminavam com "With Me". O teste do tempo, no entanto, foi bastante generoso com essa série de discos, quase todos muito bem montados. 

No final dos Anos 50, no entanto, entra em cena um Sinatra visionário, que briga com a Capitol para conseguir viabilizar LPs mais conceituais, como os suingadíssimos 'Come Fly With Me" e "Come Dance With Me" (com Billy May) e, principalmente, os ultra melancólicos "No One Cares" (com Gordon Jenkins), "Only For The Lonely" (com Nelson Riddle) e "Point Of No Return" (com Axel Stordhal). 

Esses discos, todos de primeira grandeza, conferiram à carreira de Sinatra um status artístico superior. Foi nessa época que ele ganhou o apelido "The Voice". Superar esse gabarito altíssimo não seria nada fácil daí por diante. Mas, obviamente, Sinatra não se deixou abalar e simplesmente seguiu em frante. Como sempre.


Pretensos Sinatrólogos, como o jornalista Ruy Castro, adoram implicar com a produção de Sinatra nos Anos 60 e 70. Primeiro, criticam severamente sua associação com o maestro e arranjador Don Costa, que o encaminhou a um repertório de apelo mais pop e menos focado em standards do "Great American Songbook". Segundo, criticam a qualidade de sua voz, que ficou menos cristalina com o passar dos anos, devido ao consumo constante de tabaco e whisky. E, por último, criticam a suposta auto-indulgência de muitas de suas apresentações em Las Vegas ao lado de seus companheiros do Rat Pack, baseado no fato de que não foram poucas as vezes em que todos subiram ao palco completamente bêbados.


Pois eu faço questão de bancar o advogado do diabo para "The Voice", e faço a defesa do que Sinatra realizou nesse período. 

Basta ouvir os primeiros LPs de Sinatra lançados pela Reprise a partir de 1960 para perceber nitidamente que ele pegou de onde largou na Capitol. Discos magníficos como os parceiros de sempre -- "Swings Gently", com Billy May, "All Alone" (com Gordon Jenkins) e "Days Of Wine & Roses" (com Nelson Riddle) -- se alternavam com experiências musicais soberbas como 'Ring A Ding Ding" (com Johnny Mandel), "Sinatra & Strings" com Don Costa) e "Songs Of Great Britain" (com Robert Farnon). 

Mas apesar dele ser o proprietário e contratado número um da Reprise Records, é sempre bom lembrar que o segundo e o terceiro contratados da gravadora foram nada menos que seus heróis musicais Duke Ellington e Count Basie, que gravaram discos muito interessantes por lá, sempre com total liberdade criativa. 

Sem contar que Basie gravou três discos de jazz rasgado simplesmente sensacionais com Sinatra como "crooner": "Sinatra + Basie" (com arranjos de Neal Hefti), "It Might As Well Be Swing" (arranjos de Quincy Jones) e o álbum duplo ao vivo "Sinatra Live At The Sands". 

Já com Ellington, ele infelizmente gravou apenas um: "Francis A. & Edward K.", simplesmente maravilhoso.


Apesar de sua voz ter ficado mais grave durante este período, não é correto afirmar que o nível de suas performances caiu. Pelo contrário: sua atitude no palco ficou mais incisiva e bem mais truculenta do que antes. O ótimo ator Frank Sinatra foi cada vez mais incorporando no intérprete Frank Sinatra. 

A voz de Sinatra deteriorou levemente. Nada que se compare com o que aconteceu com a voz de Billie Holiday em seus três últimos anos de vida. Mas não dá para negar que, com todas essas adversidades, muitas de suas interpretações acabaram ganhando uma dramaticidade tão intensa que às vezes chegava a assustar.


Por último, faço questão de lembrar que, em seu disco derradeiro, "L. A. Is My Lady", gravado ao lado da Quincy Jones Orchestra em 1984, Sinatra, ainda com pleno domínio de seus poderes aos 69 anos de idade, heroicamente dispensou overdubs e vários recursos tecnológicos para limpar vozes e optou por gravar sua voz dentro de uma cabine, cara a cara com a Orquestra, como fazia nos velhos tempos. E, com isso, encerrou sua carreira fonográfica com chave de ouro. 

"L. A. Is My Lady" é um disco tão bom e tão digno que até nos faz esquecer das empreitadas picaretas "Duets #1" e "Duets #2", que alguns executivos yuppies da Capitol Records empurraram goela abaixo de Sinatra nos Anos 90, pouco antes dele morrer.

Eu declaro aqui a minha inveja absolutamente legítima de Frank Sinatra. Gostaria de ter um décimo da voz dele, ou um décimo do talento e do charme dele. Gostaria de ter tido o prazer de conhecer as pessoas com quem ele conviveu no meio artístico e político. E, claro, adoraria ter "pego" Ava Gardner, Liz Taylor, Marilyn Monroe, Rita Hayworth, Kim Novak, Jill St. John e Raquel Welch, nem que fosse por uma única noite. Só dispensaria a companhia dos mafiosos e, claro, a de Mia Farrow, com quem Sinatra foi casado nos Anos 60. Convenhamos: ninguém merece Mia Farrow.

No aniversário dos 100 anos de nascimento de Frank Sinatra, encerro lembrando as palavras do grande jornalista cultural carioca Sérgio Augusto, que disse certa vez: "Graças a seu fraseado impecavelmente coloquial e sua dicção perfeita, Frank Sinatra transformou bijuterias musicais em diamantes".





Odorico Azeitona vai negar,
mas canta todo santo dia
"One For My Baby
And One More For The Road"
debaixo do chuveiro.
Escreve toda semana
em LEVA UM CASAQUINHO





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