Friday, November 11, 2016

CAFÉ E BOM DIA #41 (por Carlos Eduardo Brizolinha)



Comprador compulsivo de livros lidos já achei marcadores de páginas dos mais variados, para ter ideia do que achei cito fotografias, contas, passagens, palitos e por ai vai. Faz três anos achei esse texto escrito numa e registrei aqui. Como minhas gavetas da memória são abertas pelo FACEBOOK, nesta segunda fui lembrado de três anos atrás. Eis o texto que achei entre páginas do livro - DORME PECADO E VIRTUDE, SANTOS E DEMÔNIOS. NÃO HÁ ALEGORIAS MORALIZANTES. DORME HERÓI DE GESTA. NÃO HÁ ESPAÇO TEMPORAL, NEM DÍSTICOS OU SEXTINA. DORME A FARSA NUMA BUCÓLICA BELEZA. DORME INTERIORIZADO NEO PLATONICAMENTE . TRANSCENDENTE, CUSPINDO PENTASSÍLABOS, VOMITANDO REDONDILHAS. DORME PARÓDIA QUE NUNCA OUSEI IMITAR, TANTO QUANTO METÁFORAS. DISTANTE ESTIVE DE ANTÍTESES. DORME IDEALISTA NA PICARESCA OXIMORO SEM PARADOXO. DORME INERTE, DORME SEM PRECONCEITOS, SEM ARTE POÉTICA DE HORÁCIO, SEM DUVIDAS METÓDICAS, SEM CERCAS, SEM EGOCENTRISMO. DORME SEM O EU LÍRICO, EMPIRISMO, LÓGICA, RACIONALIDADE DOS MOVIMENTOS COMO STORM UND DRANG QUE EXPULSA SATANÁS. DORME SEM METALINGUAGEM, NEOLOGISMOS, ONIRISMO VERBORRÁGICO, HIPÉRBOLES. SEM TENSÕES DRAMÁTICAS. DORME SONHO SEM DIGRESSÃO SOANDO ALEXANDRINOS, SEM CHANCE DE ABRIR PORTAS TAL A INFLEXIBILIDADE. DORME NA DISTÂNCIA DAS FORMAS, ABSTRATO, HERMÉTICO, SEM PERMITIR COMPREENSÃO. VANGUARDA SEM FUTURISMO DORME. NIETZSCHE, JACOB, FREUD DORMEM NO PÓ. ESTÃO MORTOS. DORMEM XENOFÓBICOS. DORME AFORISMOS DE DEUS SEM IMPOR SUA ARTE AINDA QUE TUDO SEJA DEUS E DEUS SEJA TUDO, MENOS EU E VOCÊ. SINTAGMA DOS SONHOS DE NEON.



Em si mesma, toda ideia é neutra ou deveria sê-lo; mas o homem a anima, projeta nela suas chamas e sua demências; impura, transformada em crença, insere-se no tempo, toma a forma de acontecimento: a passagem da lógica à epilepsia está consumada… Assim nascem as ideologias, as doutrinas e as farsas sangrentas.Idólatras por instinto, convertemos em incondicionados os objetos de nossos sonhos e de nossos interesses. A história não passa de um desfile de falsos Absolutos, uma sucessão de templos elevados a pretextos, um aviltamento do espírito ante o Improvável. Mesmo quando se afasta da religião, o homem permanece submetido a ela; esgotando-se em forjar simulacros de deuses, adota-os depois febrilmente: sua necessidade de ficção, de mitologia, triunfa sobre a evidência e o ridículo. Sua capacidade de adorar é responsável por todos os seus crimes: o que ama indevidamente um deus obriga os outros a amá-lo, na espera de exterminá-los se se recusam. Não há intolerância, instransigência ideológica ou proselitismo que não revelem o fundo bestial do entusiasmo. Que perca o homem sua faculdade de indiferença: torna-se um assassino virtual; que transforme sua ideia em deus: as consequências são incalculáveis. Só se mata em nome de um deus ou de seus sucedâneos: os excessos suscitados pela deusa Razão, pela ideia de nação, de classe ou de raça são parentes da Inquisição ou da Reforma. As épocas de fervor se distinguem pelas façanhas sanguinárias. Santa Teresa só podia ser contemporânea dos autos de fé e Lutero do massacre dos camponeses. Nas crises místicas, os gemidos das vítimas são paralelos aos gemidos do êxtase… patíbulos, calabouços e masmorras só prosperam à sombra de uma fé – dessa necessidade de crer que infestou o espírito para sempre. O diabo empalidece comparado a quem dispõe de uma verdade, de sua verdade. Somos injustos com os Neros ou com os Tibérios: eles não inventaram o conceito de herético: foram apenas sonhadores degenerados que se divertiam com os massacres. Os verdadeiros criminosos são os que estabelecem uma ortodoxia no plano religioso ou político, os que distinguem entre o fiel e o cismático. No momento em que nos recusamos admitir o caráter intercambiável das ideias, o sangue corre… Sob as resoluções firmes ergue-se um punhal; os olhos inflamados pressagiam o crime. Jamais o espírito hesitante, afligido pelo hamletismo, foi pernicioso: o espírito do mal reside na tensão da vontade, na inaptidão do quietismo, na megalomania prometeica de uma raça que se arrebenta de tanto ideal, que explode sob suas convicções e que, por haver-se comprazido em depreciar a dúvida e a preguiça – vícios mais nobres do que todas as suas virtudes – , embrenhou-se em uma via de perdição, na história, nesta mescla indecente de banalidade e apocalipse… Nela as certezas abundam: suprima-as e suprimirá sobretudo suas consequências: restituirá o paraíso. O que é a Queda senão a busca de uma verdade e a certeza de havê-la encontrado, a paixão por um dogma, o estabelecimento de um dogma? Disso resulta o fanatismo – tara capital que dá ao homem o gosto pela eficácia, pela profecia, pelo terror – , lepra lírica que contamina as almas, as submete, as tritura ou as exalta…



O gênio de Machado de Assis aparece como que concentrado em O Alienista, uma narrativa que nos conduz por uma montanha-russa de ideias estéticas, éticas, políticas, psicológicas, sócio-econômicas: por exemplo, a noção de que aqueles que se distinguem por suas perfeições morais são também um pouco malucos, já que desviantes da norma. O normal é ser moralmente imperfeito, cheio de vícios, arrastado por paixões desequilibrantes diversas, de tal modo que Simão Bacamarte, a certo ponto, escolhe curar aqueles “cruelmente afligidos de moderação e equidade” para “restituí-los ao perfeito desequilíbrio das faculdades”. Assim sendo e sendo assim todas as bifurcações são imaginárias visto que a loucura passeia numa bola suspensa no ar.

PARODIANDO MACHADO:
"AO VENCEDOR UM CAFÉ".
E, É CLARO, UM BOM DIA.



Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada na Rua Bahia sem número,
quase esquina com Mal. Deodoro,
ao lado do EMPÓRIO SAÚDE HOMEOFÓRMULA,
onde bebe vários cafés orgânicos por dia,
e da loja de equipamentos de áudio ORLANDO,

do amigo Orlando Valência.

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