Friday, January 19, 2018

AVENTURAS NA ÁFRICA (por Ademir Demarchi)



Julio Cruz Neto começa seu livro O caranguejo do Saara – Memórias de um jornalista brasileiro no Rally Paris-Dakar passando a sensação ao leitor de que não vai conseguir transmitir o que foi sua experiência de participar representando o extinto Jornal da Tarde na cobertura de dois rallys Paris-Dakar. Com 21 anos naquela época, um foca iniciante na redação, de cara ele pegou uma incursão pelo rally dos Sertões (São Paulo a Natal) para sacolejar em jipes por estradas esburacadas. Foi a senha para, em seguida, nove meses depois, o acaso de novo o levar a cair em Granada e enveredar pela África para atravessar o deserto do Saara passando por Marrocos, Mauritânia, Senegal, Mali, Burkina Faso, Níger, Líbia e Egito, em 1999 no percurso Granada-Dakar e em 2000 no percurso Dakar-Cairo.

Passadas as sessões de vômitos e turbulências, a sensação inicial da narrativa se dissipa e o leitor se vê em meio à areia e aos tipos mais bizarros, viajando com o autor pela realidade crua que desmonta os estereótipos criados pela mídia em relação à África. A vida dura e digna das pessoas no deserto vai se desvendando com histórias que ressaltam a lida para a sobrevivência em meio à violência, ao fanatismo e à miséria econômica, religiosa, ideológica. O radicalismo muçulmano que se disseminou e não cessa de fazer vítimas já se anunciava naquela época na ameaça que levou ao cancelamento do rali em 2008.


No relato de Julio viajamos com ele e assim passa-se pelo livro por táxis carregados de gente estranha pelos tuaregues, por ameaças terroristas, por um oásis “pacato demais” e suas histórias de matanças provocadas por tribos e suas diferenças religiosas e culturais, por crianças orgulhosas de si, motociclistas atropeladores de vaca e até bandidos que os roubam e anunciam “amigáveis”: “até o ano que vem!”

Viajando de helicóptero e de carro, dormindo sem tomar banho ou sequer tirar a roupa em barracas improvisadas, quando se consegue ir a um banheiro toma-se cutucadas pelas frestas. Julio sugere que enfrentar um rally como esse não é coisa para amador. Basta uma distração e um erro provoca um grande dano. Ele mesmo cometeu um desses, banal erro de percurso, ao chegar na correria do atraso numa base aérea e pegar o helicóptero na direção oposta à que deveria ir, motivando o título do livro, um improvável caranguejo no Saara, indo na direção contrária... O livro é sobre uma competição, é bom lembrar, porém não importa quem vence nem quem venha a perder, pois o sentido da coisa é enfrentar o inesperado, como o combustível que acaba, a comida que chega ao fim, ou situações como a que o jornalista fica diante de uma mulher que procura um médico e diz: “jornalista pra quê?”


Seguem alguns trechos: “Em outra parada adiante, no Mali mesmo, aparecem pelo caminho pessoas que não estão nem aí. São senhores já de idade mais avançada. Não são curiosos, não pedem nada. Só tentam se comunicar, de igual para igual. Também tento, não é fácil. Haja mímica.” “O sol da Líbia não pede bronzeador. Pede muita roupa. Faz frio e o vento é forte e cortante. Aí você percebe que aquela jaqueta grossa de esquiador que tanto recomendaram levar, que exagero!, para que isso?, não está ocupando metade da mala inutilmente. Manter-se aquecido nesse país requer uma blitz na bagagem: duas calças (moletom por baixo do jeans), dois pares de meia, duas ou três camisetas, agasalho de moletom e a jaqueta sem a qual o resto de nada serve. Gorro, um só, cueca também, para economizar. Até porque não tem como lavar roupa. Na hora de dormir, uma praticidade incrível. É só entrar na barraca e se enrolar no saco de dormir, sem tirar nada, só o tênis. No dia seguinte, levanta e já está vestido.”

O livro está à venda no site da Livraria Cultura.




Ademir Demarchi é santista de Maringá, no Paraná,
onde nasceu em 7 de Abril de 1960.
Além de poeta, cronista e tradutor,
é editor da prestigiada revista BABEL.
Possui diversos livros publicados.
Seus poemas estão reunidos em "Pirão de Sereia"
e suas crônicas em "Siri Na Lata",
ambos publicados pela Realejo Edições.
Suas crônicas, que saem semanalmente
no Diário do Norte do Paraná, de Maringá,
passam a ser publicadas todas as quintas
aqui em Leva Um Casaquinho

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