Thursday, January 11, 2018

QUASE UMA CRÔNICA (de Flávio Viegas Amoreira)



Sou leitor de crônicas desde os anos 70: comecei lendo adolescente ainda o inesquecível "Jornal da Tarde" que era uma versão pop-juvenil do pesado Estadão. Ali tínhamos a mão crônicas de Drummond, Lourenço Diaféria (alguém se lembra?) e as críticas literárias que soavam quase coloquiais feito crônicas do inesquecível Leo Gilson Ribeiro. Na "Folha de São Paulo" fascinavam-me obviamente Paulo Francis, o poeta e semiólogo Décio Pignatari e a lendária crítica de TV Helena Silveira, irmã da romancista Dinah Silveira de Queiroz e prima do santista Miroel, que foi cunhado de Gilberto Mendes e o descobridor de Cacilda Becker. Incrível como toda cultura brasileira, especialmente paulista, passam por Santos nos anos 40 até os anos 60! Confesso que Drummond cronista estava a léguas da maestria do poeta, mas era Drummond! A crônica claramente foi sempre primeira apresentação da grande literatura através dos jornais, revistas (a Veja tinha um timaço!) e logo uma coleção antologia iria nos fazer babar de deleite lírico: "Para Gostar de ler", que a Ática oferecia com textos ligeiros e não menos sutis de Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Fernando Sabino & Carlos Eduardo Novais só para citar alguns avatares da escrita.... Quem tem mais de 50 anos dificilmente escapou incólume dessa meiga e super bem acabada edição juvenil que lia-se como adulta.
Aos 13 anos já lia Kafka, que me impactou para sempre com "A Metamorfose", traduzida por um escritor medíocre mas meigo que conheci já adulto nessa minha ponte rodoviária constante entre Santos e Sampa. Nunca esqueci seu nome: Torrieri Guimarães! Não sou purista a ponto de negar uma leitura por errinhos de tradução que podem ser dirimidos com minha sacação apaixonada pelo conteúdo: mais tarde releio sim por outros tradutores, como fiz com Modesto Carone por exemplo com o mesmo Kafka.
Daquela geração, ainda peguei Alceu Amoroso Lima, Barbosa Lima Sobrinho -- imaginem, nascidos no século XIX e até os anos 80 na ativa. Só restaram cronistas dessa envergadura nomes como Elio Gaspari, que amo de paixão, Sergio Augusto, que sabe tudo de tudo,  e um francês quase centenário que me delicia ainda no Estadão: Gilles Lapouge. São detentores de uma erudição expressada de modo leve, mas não frívolo, conhecimento recheado de conexões brilhantes sem cagação de regras: jornalismo cultural com a melhor aparência e resultado. Poderiam discorrer tanto sobre a invasão soviética no Afeganistão ou o ultimo livro de Raymond Aron com a mesma sapiência. Amo-os, repito!
Carlos Heitor Cony, que partiu nesse começo de ano, era um caso solitário de jornalista escritor e escritor jornalista, hibridismo puro e que com "Quase Memória" firmou de vez um estilo despojado em seu cinismo filosófico. Cony escreveu uma das mais belas páginas do jornalismo nos anos 70: a longa homenagem a Chaplin em dezembro de 1977 por sua morte no Natal. Matéria de quase a revista "Manchete" inteira, do qual era redator-chefe. Guardo até hoje aquela edição que abriu as portas para o menino escritor de 12 anos que engatinhava no grande jornalismo cultural brasileiro: que deslumbre para mim chapliniano como Drummond! Nessa mesmo texto carregado de lirismo é que Cony fala que o grande artista como Carlitos era capaz de fazer cinema, teatro, poesia até ao simplesmente abrir uma lata de sardinhas: qualquer tema é grande para um mestre no ofício de encantar! Cony sabia que a crônica exige perícia para preencher diariamente com algo que fascine mas também até encher linguiça pode fazer parte se com elegância. Assunto a gente acha em qualquer circunstância: grandiloquente ou prosaico, importa segurar o leitor sem cair a peteca da trama corriqueira. O escritor carioca quando não tinha o que dizer guardava "leitmotivs": algum assunto-coringa, no caso Heitor Leopoldo e o assassinato de Danna Teffé por exemplo que era recorrente papo para nos entreter.
Eu mesmo quando não tão inspirado busco variações sobre Doris Day, uma das musas desse poeta.

Volta e meia rememoro seus filmes e suas canções.

Doris Day é minha chave para dar liga numa crônica que interesse....

e interesse é tudo em literatura....

"Que Será, Será..."

Poeta, contista e crítico literário,
Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas
vozes da Nova Literatura Brasileira
surgidas na virada do século: a ‘’Geração 00’’.
Utiliza forte experimentação formal
e inovação de conteúdos, alternando
gêneros diversos em sintaxe fragmentada.
Vem sendo estudado como uma das vozes
da pós-modernidade literária brasileira
em universidades americanas e européias.
Participante de movimentos culturais
e de fomento à leitura, é autor de livros como
Maralto (2002), A Biblioteca Submergida (2003),
Contogramas (2004) e Escorbuto, Cantos da Costa (2005).

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