Tal
como o livro de Aciman, o filme, parcialmente escrito pelo cineasta americano
James Ivory, foge a muitos dos maiores clichés e debilitantes fórmulas do
cinema LGBT+, preferindo explorar a especificidade queer do seu romance sem o
subjugar a estruturas preconcebidas de desenvolvimento narrativo. Essa
especificidade manifesta-se principalmente na abordagem formal, especialmente
no que diz respeito a movimentos de câmara e composição, sendo a económica
utilização de grandes planos definidores de trocas de olhares luxuriantes de
particular destaque. Essas imagens tão cuidadosamente ancoradas pelas faces dos
atores realçam também o modo como os atores, em parelha com a formalidade
sensualista de Guadagnino, conseguem sugerir a interioridade das suas
personagens, sem que o guião tenha de se apoiar nessa tão comum muleta das
adaptações literárias ao cinema – a narração voz-off.
Timothée Chalamet consegue criar em Elio o tipo de prestação que faria de qualquer narração uma obsolescência perversa, sendo que toda a miríade de reflexões autocríticas e infindáveis indagações sobre os comportamentos de Oliver brilham no olhar do ator e são materializados em cada mudança de postura e forma de andar na presença do objeto de desejo do jovem.
Timothée Chalamet consegue criar em Elio o tipo de prestação que faria de qualquer narração uma obsolescência perversa, sendo que toda a miríade de reflexões autocríticas e infindáveis indagações sobre os comportamentos de Oliver brilham no olhar do ator e são materializados em cada mudança de postura e forma de andar na presença do objeto de desejo do jovem.
Chalamet é particularmente
soberbo na sua rendição aos epítetos de vulnerabilidade exigidos pelo
argumento, quer seja no choro que se segue a uma despedida dolorosa na estação
de comboios, ou na muito falada cena em que Elio se masturba com o auxílio de
um pêssego e acaba por se desfazer em lágrimas nos braços do seu amado depois
de este tentar saborear o esperma misturado com os sucos do fruto. Essa e outra
cena, em que Elio se contorce com os calções usados de Oliver sobre o rosto são
dos momentos mais decididamente sexuais do cinema de 2017, mas são também dos
mais emocionalmente poderosos – sugerindo a confusão avassaladora de alguém que
nunca sentiu o que está agora a experienciar no corpo e mente, assim como a
total subjugação de alguém aos seus mais secretos desejos.
Desejo
é um tema central em “Me Chame Pelo Seu Nome”, sendo que o próprio realizador
já caracterizou a obra como um capítulo final numa trilogia temática em volta
do desejo cujos outros títulos são “Eu Sou o Amor” e “Mergulho Profundo”. Como
tal, a concretização humana do objeto de desejo de Oliver não é um papel a ser
menosprezado e, pela sua parte, Armie Hammer faz milagres com o pouco que a
perspetiva subjetiva do filme lhe concede. Simultaneamente uma ilusão
antropomórfica de desejos projetados pela mente de um adolescente embriagado de
amor, assim como um ser humano de carne e osso com uma vida interior própria,
Oliver é uma figura de mistério e sedução, mas nunca distante ou alienante na
sua reticência. Chegada a segunda metade do filme, a audiência está
praticamente tão investida nas emoções do estudante americano como nos
sentimentos do seu amado, especialmente devido ao modo como Hammer nos permite
ver vislumbres do homem que nem mesmo Elio conhece, aquele que contempla o seu
amante com afeto mesclado de dolorosa insegurança após o seu primeiro encontro
sexual, por exemplo.
Na verdade, todo o elenco do filme é estupendo e acaba por resolver muitos dos problemas da sua origem literária, onde as personagens femininas parecem esboços inacabados e a realidade humana de Oliver está sempre meio inalcançável. Por muito brilhantes que Amira Casar e Esther Garrel possam ser nos respetivos papéis de mãe e amiga de Elio, é Michael Stuhlbarg como o pai do jovem que tem justamente recebido a maior atenção da crítica. O professor Perlman é o tipo de pai que qualquer jovem da comunidade LGBT+ pode sonhar ter, compreensivo, carinhoso e portador de uma sagacidade bem escondida. Stuhlbarg dá vida a este ideal com descontraída jovialidade, fazendo de cenas de refeição filmadas em planos gerais imóveis autênticas montras para as suas deliciosas reações silenciosas e dando vida a um discurso que dificilmente será esquecido por quem tiver o privilégio de ver “Me Chame Pelo Seu Nome”.
Em
tantos outros dramas românticos, a temporalidade limitada da paixão é vista
como uma tragédia, mas Stuhlbarg, através das palavras de Ivory e Aciman,
manifesta-se contra tais ideias, oferecendo ao espetador um monólogo que remata
esta longa narrativa de desejos não verbalizados com um necessário fôlego de
palavras, tão generosas quão abundantes. Seguindo a mesma linha orientadora do
estilo sensorialmente imersivo do filme, este monólogo celebra a emoção e apela
à valorização até da dor. Afinal, o que é a dor da paixão perdida, do que uma
confirmação do seu poder? Para quê desejar não sentir nada, quando há tanta
beleza até nos sentimentos mais dolorosos? Valerá a pena extinguir a chama do
amor para se evitar o sofrimento? Não é a resposta do filme que, mesmo no seu
longo e muito lacrimoso plano final parece recusar encarar tais lágrimas como
algo merecedor de arrependimento.
Continuar a escrever sobre “Me Chame Pelo Seu Nome” é um exercício fútil. Este é um filme que se sente, não um filme que se explica. Tais palavras têm o sabor nauseante de um cliché mais velho que o cinema, mas não deixam por isso de trespassar considerável verdade. Por muito que o monólogo de Stuhlbarg faça uma boa sintetização de alguns dos maiores temas da obra, há tantas outras complexidades que merecem ser descobertas individualmente por cada membro da audiência a seu tempo, a seu ritmo e sua vontade. “Mistérios do Amor” é o título de uma das duas canções originais que Sufjan Stevens compôs para o filme e é também algo que o cinema muitas vezes tentou documentar sem sucesso. Bem, pelo menos foi um esforço infrutífero antes da existência de “Me Chame Pelo Seu Nome”.
ME CHAME PELO SEU NOME
(Call
Me By Your Name, 2017, 132 minutos)
Direção
Luca
Guadagnino
Roteiro
James
Ivory
Oliver
Fasano
Luca
Guadagnino
Música
Sufjan
Stevens
Elenco
Armie
Hammer
Timothée
Chalamet
Michael
Stuhlbarg
Cotação
em
cartaz no Pátio Iporanga 4
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