Tuesday, October 17, 2017

AS BOAZUDAS DOS ANOS DE OURO DO CINEMA BRASILEIRO #38: VERA FISCHER

por Chico Marques

Antes de existir Vera Fischer, toda Miss Brasil tinha a obrigação de carregar essa praga de título nas costas pelo resto da vida. Poderia trabalhar como modelo fotográfica ou coisa que o valha, mas sempre mantendo a compostura, o glamour e seguindo a liturgia que acompanhava o cargo. A imensa maioria das ex-Misses se aposentavam casando com Industriais ou Fazendeiros e virando socialites. Era o que se esperava delas. Não era um mau negócio para a maioria delas. Mas não para Vera.

Uma das brincadeiras preferidas de Vera Fischer na infância era cortar tecidos para a costureira lhe fazer vestidos novos e diferentes. Nascida em 27 de novembro de 1951, ela morava em uma casa de três andares em cima da loja de utilidades da família, em Blumenau, Santa Catarina. Filha do alemão Emil Fischer e da brasileira Hildegard Berndt, a menina não sabia qual profissão seguir, mas sempre quis conquistar sua independência. Ao ser convidada para participar do Miss Brasil, não hesitou. “Vou fazer minha vida sozinha e tenho que vencer, porque senão vou voltar fracassada e de cabeça baixa pra casa dos meus pais, o que é um vexame”, lembra a vencedora do concurso de 1969.

Desde adolescente, Vera cultivou um gênio forte, um espírito libertário e uma sensualidade explosiva. Pensando sempre em sua autonomia pessoal, tratou de cumprir seu ano como Miss dentro das regras rígidas estipuladas em seu contrato, e fez tudo o que os organizadores esperavam dela. Mas quando acabou, acabou. E Vera não hesitou em chutar tudo para o alto, negando-se a virar a Rainha do Gado em Goiás, Duquesa da Soja em Mato Grosso ou coisa que o valha. Preferiu ser uma nova modalidade de vedete, comparecendo semanalmente ao Júri do Programa Flávio Cavalcanti com vestidos decotadíssimos, extremamente provocantes, e transformando-se numa espécie de Deusa do Sexo como o Brasil jamais teve antes. Isso, claro, incomodou muita gente. O Programa Cavalcanti chegou a ter um censor de plantão para aprovar ou não os decotes de Vera, em nome da moral e dos bons costumes da família brasileira na época.

A imagem sexy de Vera na TV Tupi e nas capas de Manchete, O Cruzeiro e Fatos&Fotos foram o estopim de uma série implacável de filmes eróticos -- mais dramas que comédias, motivo pelo qual não usamos aqui o termo "pornochanchada" --, onde ela desfilava deliciosamente nua sem se preocupar em esconder sua completa falta de treino dramático. Eram filmes que lotavam os cinemas brasileiros na primeira metade dos Anos 70, e que fizeram dela a estrela número um do cinema erótico da época. Sua estreia em 1972, no filme Sinal Vermelho – As Fêmeas, foi devastadora, e desencadeou uma sequência espetacular de sucessos de bilheteria nos três anos seguintes, em A Super FêmeaO Anjo LoiroAs Delícias da VidaEssa Gostosa Brincadeira a DoisMacho e Fêmea e As Mulheres Que Fazem Diferente.

Para conseguir se livrar desse estigma de "canastrona gostosona", Vera teve que se esforçar muito. Começou a só aceitar convites para filmes que exigissem mais dela como atriz, como Intimidade (1975). Graças ao marido Perry Salles, que virou uma espécie de Roger Vadim na carreira de Vera, pouco a pouco ela conseguiu fazer a transição do cinema erótico da Boca do Lixo em São Paulo para as novelas das oito produzidas pela TV Globo no Rio de Janeiro. Mas não foi uma transição fácil. O respeito artístico demorou muito a vir para ela.















A atuação de Vera Fischer no filme Intimidade, de Michael Sarne e Perry Salles, impressionou muito Lauro César Muniz, que sentiu firmeza em convidá-la para um papel de destaque em Espelho Mágico (1977), novela das oito da Globo. A novela emplacou, e ela logo foi convidada para fazer uma mocinha virgem e recatada em Sinal de Alerta, do Dias Gomes. E então, ela fez Os Gigantes, também de Lauro César Muniz”. Desde então, a atriz participou de mais de 25 programas da emissora, entre novelas, minisséries e séries. Permanece sob contrato com a Globo até hoje, e acaba de renovar seu contrato até 2020.

Vera foi persistente. Não sossegou enquanto não se aprimorou em Artes Dramáticas até virar uma atriz de respeito. Nos anos 80, não havia mais quem ousasse desdenhar dela como atriz. As novas gerações de telespectadores nem a associavam mais ao seu passado como atriz de filmes eróticos de quinta categoria. Nunca deixou de fazer cenas de nudez no cinema, mas agora elas vinham acompanhadas de papeis densos, onde ela podia mostrar que era mais que um rosto lindo e um corpo estonteante, em filmes como Perdoa-Me Por Te Traíres (1979) e Bonitinha Mas Ordinária (1980), ambos de Braz Chediak, e Eu Te Amo (1981), de Arnaldo Jabor. Brilhou intensamente em Amor Estranho Amor (1982), um dos três filmes que fez com Walter Hugo Khoury. Em 1997 brilhou mais intensamente ainda ao interpretar Neusa Suely, a personagem de Plínio Marcos de Navalha na Carne, em nova adaptação cinematográfica de Neville D'Almeida -- a original, de 1969, tinha Anecy Rocha e Jece Valadão no elenco, com direção de Braz Chediak.

Vera está estreando neste início de Primavera uma nova montagem de Doce Pássaro da Juventude, de Tennessee Williams, no Rio de Janeiro. Paralelo a isso, está confirmada para representar a apresentadora Hebe Camargo num filme baseado no livro de Artur Xexéo sobre sua vida. Às vésperas de completar 66 anos, depois de um passado bastante turbulento regado a bebidas, drogas e muita exulândia, Vera parece ter sossegado, recobrado seu profissionalismo e conquistado novamente a confiança da TV Globo e de produtores de cinema.

Vera posou nua em duas ocasiões distintas para a revista STATUS (1975 e 1976), e duas outras vezes para a revista PLAYBOY (1982 e 2000), além de um ensaio ousado que fez em 1980 para a revista EXCLUSIVE nua em família com o então marido Perry Salles e com sua filha Rafaela, com 1 ano de idade na ocasião.

Relembramos a seguir o melhor de todos esses ensaios fotográficos para vocês.








 
































TELEVISÃO
AnoTítuloPapel
1977Espelho MágicoDiana Queiróz / Débora
1978Sinal de AlertaSula Montenegro
1979Os GigantesHelena
1980Coração AladoVívian
1981BrilhanteLuiza
1987MandalaJocasta
1990Riacho DoceEduarda
DesejoAna de Assis
1992Perigosas PeruasCidinha
1993AgostoAlice
1994Pátria MinhaLídia Laport
1996O Rei do GadoNena Mezenga (1ª Fase)
1998Você DecideAnnie
Pecado CapitalLaura
2000Laços de FamíliaHelena Lacerda
2001O CloneYvete Ferraz
2003Agora É que São ElasAntônia Mendes Galvão
2004Senhora do DestinoMrs. Vera Barroso Robinson
2005AméricaÚrsula
2007Amazônia: De Gálvez a Chico MendesLola
Duas CarasDolores
2008Casos e AcasosVera (Episódio: O Desejo Escondido)
Vera (Episódio: o Cara Deprimido e o Livro Roubado)
2009Caminho das ÍndiasChiara
2010Afinal, o Que Querem as Mulheres?Celeste
2011Insensato CoraçãoCatarina Diniz
2012Salve JorgeIrina
2016Tá no Ar: A TV na TVHelena Lacerda

Coração Alado (1980) foi a primeira novela a apresentar cenas de violência sexual. “O Ney era um cara apaixonado por mim, mas muito violento. Não ensaiamos a cena do estupro. A gente quebrou mesa, cadeira, cama. Minha cabeça batia na parede e ele caía no chão. Ficamos destruídos, mas felizes porque ficou boa”, lembra. Em seguida, a atriz lançou moda com o lencinho no pescoço usado por Luiza, em Brilhante (1981). O acessório foi a solução encontrada pela figurinista Marília Carneiro para disfarçar o cabelo curto da atriz, que não agradava ao público. “Parecia a cabeça de um carneiro. O lenço não disfarçava o cabelo, mas chamava atenção. E foi uma febre. Todas as pessoas quiseram usar esse lencinho”, comenta.

Vera foi convidada por Roberto Talma para viver Jocasta em Mandala (1987). A novela teve duas fases e foi inspirada na tragédia Édipo Rei, de Sófocles. Mandala enfrentou uma série de problemas com a Censura Federal, que proibiu um beijo entre Jocasta e Édipo (Felipe Camargo). “Eles interferiam tanto que puseram o Nuno Leal Maia fazendo o Carrado. O Nuno é meu amigo e ele entrou nessa história falando: ‘Ô, minha deusa!’”. O tema da personagem era "O Amor e o Poder", interpretado pela cantora Rosana. Em 1990, a atriz fez duas minisséries marcantes: Desejo, de Gloria Perez, e Riacho Doce, de Aguinaldo Silva e Ana Maria Moretzohn. Baseada em fatos, Desejo narrava a história de amor que culminou no assassinato do escritor Euclides da Cunha. “Gloria fez um trabalho deslumbrante. Foi o meu primeiro papel dramático, quase trágico e profundo”. Gravada em Fernando de Noronha, Pernambuco, Riacho Doce era uma adaptação da obra de José Lins do Rêgo e tinha muitas cenas debaixo d’água. “Venci meu medo do mar”, comemora. Depois de viver a forasteira Eduarda, Vera interpretou a Cidinha de Perigosas Peruas (1992), a Alice de Agosto (1993) e a Lídia de Pátria Minha (1994). Na trama de Gilberto Braga, Vera foi novamente par de Tarcísio Meira. “Quando a gente estava fazendo Pátria Minha, Tarcísio falou: ‘Vera, não adianta, você é a minha companheira de novelas! É mais que a Glória! Glória fica até com ciúmes’”, conta aos risos. Em 1996, a atriz atuou na primeira fase de O Rei do Gado. Ela fez a Nena Mezenga, mulher de Antônio Mezenga (Antonio Fagundes) e mãe de Henrique (Leonardo Brício). “Eu vivia na cozinha. Então, tive que aprender a moer café naquelas máquinas antigas. Aprendi a cortar verduras, legumes, lavar roupa na tábua, varrer. Enfim, mil coisas que eu nunca tinha feito antes. E foi muito rico”.


Após interpretar a sedutora Yvete de O Clone (2001) e a afetuosa Antônia de Agora É Que São Elas (2003), a cortesã Lola de Amazônia - De Galvez a Chico Mendes (2007), Vera fez a charmosa e ciumenta Chiara de Caminho das Índias (2009). “A novela é linda. Fiquei mais de dois meses na Índia e sei como o país é. Tem aquele colorido mesmo, som, aquela música, o ‘arebaba’”. Na história, Chiara era dona de um centro de estética com a amiga Ilana (Ana Beatriz Nogueira). Três anos depois, a atriz repetiu a parceria com a autora Gloria Perez e fez a Irina de Salve Jorge. A mau-caráter era gerente da boate das mulheres traficadas na trama e cúmplice dos vilões Lívia (Claudia Raia), Wanda (Totia Meireles) e Russo (Adriano Garib). 

Ao longo da carreira na Globo, Vera Fischer fez participações especiais em novelas, como Pecado Capital (1998), Senhora do Destino (2004), América (2005), Duas Caras (2007), e Insensato Coração (2011); programas como Casseta & Planeta, Urgente! (1997), Você Decide (1998) e Tá no Ar: a TV na TV (2016); e seriados como Casos e Acasos (2008) e Afinal, o que querem as mulheres? (2010). No teatro, a atriz participou de grandes produções como Gata em Teto de Zinco Quente (1998) e A Primeira Noite de um Homem (2004). “Eu e Miguel ficamos tão amigos em Agora Que São Elas que depois disso fizemos A Primeira Noite de um Homem, que ele tinha visto na Broadway. Miguel falou que o papel era perfeito pra mim”.

[Depoimento concedido por Vera Fischer
ao Memória Globo em 12/05/2016.]



CINEMA
AnoTítuloPapel
1972Sinal vermelho - As fêmeasAngela[17]
1973A SuperfêmeaEva
Anjo LoiroLaura[18]
As Delícias da VidaFernanda[19]
1974Essa Gostosa Brincadeira a DoisLígia
As Mulheres que Fazem DiferenteMarília
Macho e FêmeaJuliano (Mulher)
1975IntimidadeTânia Velasco
1980Perdoa-me por me traíresJudite
1981Bonitinha mas Ordinária ou Otto Lara ResendeRitinha/Bonitinha
Eu Te AmoBarbara Bergman
1982Amor estranho amorAnna
Dora DoralinaDora
1984Amor VorazAnna
QuilomboAna de Ferro
1989Doida DemaisLetícia
1990O Quinto MacacoMrs. Watts
1991ForeverCristina Teller
1993Fala Baixo, Senão Eu Grito
1997Navalha na CarneNeuza Suely
2002Xuxa e os Duendes 2 - No Caminho das FadasRainha Dara


Saudamos Vera Fischer
resgatando 7 filmes seus
 disponíveis no YouTube.

Os três primeiros são
de sua fase erótica,
de início de carreira
na primeira metade dos Anos 70.

Os demais foram rodados
em plena maturidade
como atriz e como mulher












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