Wednesday, October 4, 2017

DUAS OPINIÕES SOBRE O NOVO BLADE RUNNER DE RIDLEY SCOTT E DENIS VILLENEUVE


A CHUVA, A NEVE, O OCEANO, OS PRÉDIOS, OS PERSONAGENS: 30 ANOS DEPOIS DO BLADE RUNNER ORIGINAL, TUDO PERMANECE MÁGICO, QUASE TÓXICO, E DEFINITIVAMENTE ASFIXIANTE

por Rui Miguel Tovar (de Lisboa) para NIT


Volta e meia (que é como quem diz, umas quantas vezes por semana), vou ao YouTube, escrevo “Blade Runner” e deixo correr uma hora e tal de Vangelis com frases soltas do filme de 1982. Yup, é isso mesmo: enquanto trabalho, ouço Vangelis misturado com as vozes de Harrison Ford e Sean Young. Que pan-ca-da. True. Posto isto, o Blade Runner de Ridley Scott é claramente um dos meus filmes preferidos. O ambiente de 2019, o estilo Lucky Luke de Harrison Ford, a música de Vangelis, a chuva miudinha constante, as piruetas da Daryl Hannah, o emotivo “like tears in rain” do Rutger Hauer, o picante “is this testing whether I’m a Replicant or a lesbian, Mr Deckard” da Sean Young. Tudo é sensorial.

Passam-se 35 anos e eis-nos de novo a saltar para um futuro distante, o de 2049. Perguntas mais que óbvias: o filho do Ronaldo vai dar alguma coisa no futebol? Aquele programa Danças do Mundo já é Ganzas do Mundo? O concurso da Miss Universo já foi ganho por alguma representante fora do planeta Terra? Enquanto as respostas andam perdidas no espaço e no tempo, palmas para Denis Villeneuve. O realizador franco-canadiano agarra-se ao projeto one-of-a-kind e sai-se com notável distinção. É uma sequela daqui (e estou neste preciso momento a segurar o lóbulo da orelha direita com o polegar e o indicador).




O tempo avança 30 anos e tudo continua nublado, quase tóxico, definitivamente asfixiante: a chuva, a neve, o oceano, a paisagem, os prédios, os personagens e os diálogos. Subsiste a dúvida interior do herói sobre a sua condição: humano ou Replicant? O caminho da verdade é tricky, daí que Ryan Gosling (Officer K) passa o tempo todo dividido, qual bola de pinball indecisa a bater naqueles elásticos laterais. Pelo meio, o polícia de Los Angeles vai à procura de Harrison Ford (Deckard), desaparecido há precisamente 30 anos, para resolver um dilema que provocará um caos ilimitado na já fragmentada sociedade mundial. O encontro dos dois é um acontecimento, em tons alaranjados. Há uma épica troca de murros — um deles atinge Ryan com tanta força que a filmagem é interrompida para entrar o massagista em campo. Que cena. Literal e metafórico. Sem perder a compostura, Ryan diz de sua justiça: ‘É uma honra levar um soco do Indiana Jones”.


Bom, adiante. Porque isto do Blade Runner 2049 inclui mais substância e encanto com a presença feminina da cubana Ana de Armas (Joi), um holograma HD a fazer marcação cerrada a K. Um pouco à imagem de Robin Wright (Joshi, sua superior hierárquica na LAPD) e ainda Sylvia Hoeks (Luv, a número 2 da empresa Wallace, fabricante de Replicants em massa).


E o número um dessa estrutura, quem é? Ladies and gentlemen, Jared Leto. Para interpretar Niander Wallace, um homem de negócios bem sucedido, sem escrúpulos e cego, usa lentes de contacto especiais e faz-se acompanhar sistematicamente de David, um deficiente visual. Resultado? “Raramente vi o Harrison Ford”. A queixa de Leto é cómica. Ou não fosse proferida no Comic-Con em San Diego. Curiosamente, San Diego faz parte do filme de duas horas e 43 minutos como porta de entrada para as memórias mais antigas de K, ainda como miúdo de tenra idade a fugir dos mais velhos com um cavalo de madeira na mão. Memórias reais ou implementadas num chip? Synchronise watches, já só falta um dia. Até lá, é viver ainda em 2019.






BLADE RUNNER SÓ HÁ UM:
O ORIGINAL E MAIS NENHUM

por Jorge Mourinha (de Lisboa) para PÚBLICO


Não vale a pena estar com ilusões nem andar aqui a fazer fosquinhas ao elefante no meio da sala: Blade Runner não precisava de uma sequela, é uma obra-prima única e irrepetível e qualquer tentativa de “projectar” ou “alargar” o seu “universo” é supérflua. Blade Runner 2049 bem se esforça por respeitar o caderno de encargos que Ridley Scott (aqui produtor) cristalizou em 1982 no filme que, goste-se ou não, se tornou num dos referentes incontornáveis da ficção-científica moderna. Em seu abono, até o faz com algum vistão (notável fotografia de Roger Deakins e cenografia de Dennis Gassner); e podemos dar graças por ver um filme que tem o bom senso de querer dar ao espectador ideias em que ele fique a remoer — o argumento, co-escrito por Hampton Fancher, um dos guionistas originais, explora a fundo a ideia do que torna alguém humano, a linha ténue entre a inteligência natural e a inteligência artificial. Por aí se percebe também que este Blade Runner 2049 é bicho algo diferente do original: onde Blade Runner se plasmava numa lógica de film noir futurista, a nova iteração rapidamente se desvia para uma meditação grave e ponderada sobre a natureza do humano, que a espaços remete mais para o Inteligência Artificial de Kubrick-via-Spielberg ou para o seminal anime Ghost in the Shell do que exactamente para o filme de Scott.


No papel, 2049 nem sequer se distancia grandemente do que o seu realizador, o canadiano Denis Villeneuve, fez o ano passado com A Chegada: uma peça de ficção-científica adulta, séria, onde o factor humano se recusa a ser sufocado pela tecnologia nem pelos efeitos visuais. Na prática, no entanto, 2049 fica abaixo dessa história de contacto extra-terrestre. Primeiro, porque a solenidade quase Nolaniana da sua mise en scène e as múltiplas peripécias que o argumento acumula sem grande razão estendem desnecessariamente o filme quase às três horas de duração (o original contentava-se com duas). Depois, porque Amy Adams era infinitamente melhor do que Ryan Gosling é aqui, com o actor a assumir um “piloto automático” que parece não ter reparado que o seu agente K, centro do filme, está a tentar perceber esta coisa da alma, e porque os 15 minutos de tempo de ecrã que Harrison Ford tem atiram Gosling (e o canastro Jared Leto) para canto sem esforço. E, finalmente e sobretudo, porque o peso das expectativas de trazer no título Blade Runner já o condenara à partida. Qualquer que fosse o ângulo de visão, esta sequela nunca poderia ser, em 2017, o que o original foi em 1982. Não era preciso ter tentado para o sabermos, mas o simples facto de o ter tentado resume a ambição e a queda do filme de Denis Villeneuve.


Fosse este um filme que não tivesse Blade Runner no título, talvez o estivéssemos a ver de outra maneira, talvez as suas interrogações ganhassem outro peso. Mas Blade Runner 2049 quis ser a sequela daquele filme, e terá de carregar esse lastro para o bem e para o mal.






BLADE RUNNER 2049
(Blade Runner 2019, 2017, minutos)

Direção
Denis Villeneuve

Roteiro

Hampton Fancher
Michael Green

Produção
Ridley Scott

Elenco
Harrison Ford
Ryan Gosling
Ana de Armas
Jared Leto
Mackenzie Davis

em cartaz em metade
das salas de cinema
do Planeta Terra

1 comment:

  1. Embora não tenha sido necessário, acho que a sequela cumpre sua função de segurança com a história e revela um pouco sobre Rick Deckard. O novo blade runner filme foi um dos mehores filmes de ficção científica que foi lançado. O filme superou as minhas expectativas, o ritmo da historia nos captura a todo o momento. No elenco vemos Ryan Gosling e Harrison Ford, dois dos atores mais reconhecidos de Hollywood que fazem uma grande atuação neste filme. Realmente a recomendo.

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