Luís Soares, cuja ação do tempo não macula a face, tornando-o eternamente jovem e jovial, disse me que não leu "Ulisses". Me confortou saber, pois creio ser campeão de tentativas. Me enquadro no grupo que sabem da fama, mas nunca leram. Por incrível que possa parecer posso passar uma tarde inteira falando de "Ulisses" sem nunca ter lido "Ulisses", embora tenha lido "Dublinenses", "Retrato de um Artista", "Exilados" sem ter considerado excepcionais é de "Ulisses" que guardo a maior quantidade de informações. Informações colhidas em outros grandes autores. Paulo Francis em abril de 1991 disse que Joyce era muito chato e que havia sido um suplicio até entender. Antony Burgess disse que "Ulisses" não tem enredo e sim entretrechos e subtrechos. O mesmo Francis diz que "Ulisses" é o mais profundo mergulho no inconsciente humano. Paulo Coelho entre tantos outros considera ser um livro que você lê e não fica tocado por ele. Assim fui acumulando informações dos quais cito Edna O'Brien, Ezra Pound, Charles Duff, Joseph Campbell. Uma das mais ilustrativas dissecações foi feita por Umberto Eco - cada capítulo corresponde a um episódio da Odisseia, a cada capítulo corresponde uma hora do dia, um órgão do corpo, uma arte, uma cor, uma figura simbólica, uma técnica estilística. Li a dissecação de Eco e parti para uma nova tentativa, logo desisti por me sentir inscrito num curso de engenharia. Os anos passam e o desafio lateja. Meu conforto é saber que Nora Barnacle leu até a página 27 incluindo o título, minha mãe não leu e alguns queridos amigos não leram, tentaram como eu tentei.
Desfigurado por um reumatismo, com tuberculose, depressões e uma relação complicada com os pais. Um só livro publicado com o dinheiro do pai antes de sua morte precoce. Surgiu para o universo da literatura onze anos após o lançamento do seu livro e não foi com ele e sim em uma seleção organizada por Paul Verlaine que lhe deu espaço no cenário da literatura no livro poetas malditos, como também pela menção no livro " A Avessas " de Huysman no capítulo 14. É interessante ler Edmond Wilson e não foi por sugestão do Siscar, mas sim minha curiosidade com relação a Villier de l"isle Adam que atentei para Tristan Corbiére. Wilson tira as camadas da cebola e faz uma respeitável leitura do simbolismo, diz que Corbiére se afasta de uma estética séria para abraçar a ironia coloquial. Verlaine diz que os versos de Tristan Corbière vivem, riem, choram um pouco, zombam do mundo e se tornam graciosos. Ademais, é amargo e salgado como seu amado oceano. Não é acalentador, como as vezes ocorre a esse truculento amigo, mas, como ele, reflete os raios do sol, a lua, e as estrelas na florescência de ondas enfurecidas. Fez-se parisiense, mas sem o sujo espírito mesquinho. Ataques de tosse, vomito, ironia feroz e feliz, bílis e febre exasperadas em gênio, e em gracioso jubilo. Contudo a saudável influência recebida por Ezra Pound de Corbiére é um legado que devemos respeitar, afinal marca a importância do poeta que com ironia e sarcasmo, fez uma reflexão alegórica sobre a situação deslocada do artista na sociedade burguesa. No poema Epitáfio, diz: "Matou-se de paixão ou morreu de preguiça,/ Se vive, é só de vício; e deixa apenas isso: / Não ser a sua amante foi seu maior suplício". A sintaxe do poetas atravessou somente 29 anos, pois naceu em 1845 e faleceu em 1875, pouco antes de completar 30 anos.
Dias que me obrigo ler Cioran para não fugir da realidade. Abro o " Breviário da Decomposição " como quem abre " Minutos de Sabedoria " e lá vou eu pelas ruas e avenidas. - " É inútil construir tal modelo de franqueza: a vida só é tolerável pelo grau de mistificação que se põe nela. Tal modelo seria a ruína da sociedade, pois a “doçura” de viver em comum reside na impossibilidade de dar livre curso ao infinito de nossos pensamentos ocultos. É porque somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros. Quem não aceitasse mentir veria a terra fugir sob seus pés: estamos biologicamente obrigados ao falso. Não há herói moral que não seja ou pueril, ou ineficaz, ou inautêntico; pois a verdadeira autenticidade é o aviltamento na fraude, no decoro da adulação pública e da difamação secreta. Se nossos semelhantes pudessem constatar nossas opiniões sobre eles, o amor, a amizade, o devotamento seriam riscados para sempre dos dicionários; e se tivéssemos a coragem de olhar cara a cara as dúvidas que concebemos timidamente sobre nós mesmos, nenhum de nós proferiria um “eu” sem envergonhar-se. A dissimulação arrasta tudo o que vive, desde o troglodita até o cético. Como só o respeito das aparências nos separa dos cadáveres, precisar o fundo das coisas e dos seres é perecer; conformemo-nos a um nada mais agradável: nossa constituição só tolera uma certa dose de verdade…"
Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício: porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as significações, a uns e outros definiu com o mesmo nome: Eodem loco ponem latronem, et piratam quo regem animum latronis et piratae habentem. Se o rei de Macedônia, ou de qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.
Quando li isto em Sêneca não me admirei tanto de que um estoico se atrevesse uma tal sentença em Roma, reinando nela Nero. O que mais me admirou e quase envergonhou, foi que os nosso oradores políticos em tempo de príncipes católicos e timoratos, ou para a emenda, ou para a cautela, não preguem a mesma doutrina.
Plotino abriu as janelas, suspirou. Plotino tinha nas mãos uma taça do seu melhor vinho e refletiu; a beleza sopra sensível, na verdade não há beleza mais autêntica que a sabedoria que encontramos e amamos em alguma pessoa quando prescindindo do seu rosto sem atentar para a aparência. Vale buscar a beleza interior.
CAFÉ E BOM DIA PARA TODOS
Carlos Eduardo "Brizolinha" Motta
é poeta e proprietário
da banca de livros usados
mais charmosa da cidade de Santos,
situada à Rua Bahia sem número,
quase esquina com Avenida Mal. Deodoro, e bebe diversas xícaras de café orgânico
quase esquina com Avenida Mal. Deodoro, e bebe diversas xícaras de café orgânico
ao longo de seu dia de trabalho.
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